2006-07-07

vindo de 70: Porfírio Al Brandão & a poesia dos dias

Para quem não leu em 2004

Quase dois anos passam sobre umas palavras que expendi a respeito desse livro singular que é Ancoradouro (2002) de Porfírio Al Brandão. Sem revisitação ou tautologia, lembro ter chamado a atenção para um percurso poético que se desenhava nesse curso iniciado já tão exacto e certo como estrada começada. Antes mesmo do sopro convalidativo, sem plaino de vaidade que me assista, aludi ainda a uma certa influência formativa, que, muitas vezes visível, não embotava nunca o múnus poético em que o escritor mergulhava.
Do que então disse, muito persiste e não pouco se altera. Continua-se, por exemplo, a plurivocalidade, agora com outras ressonâncias, e abrem-se luminosos ciclos existenciais que o Poeta acera com marcos geodésicos e obsessões operativas. Não avanço tudo, desinvisto mesmo na mostração, porque, na esteira de Luiza Neto Jorge, muito custa saber “como se invoca o ser/ que assiste à escrita”.
Nascido Al Brandão em 1979, há um rasto de historicismo a que o escoliasta dos novíssimos não pode fugir. Sigo por aí, convosco pensando, que dois anos antes Al Berto publicara À Procura do Vento num Jardim d’ Agosto, que nesse mesmo ano António Franco Alexandre trazia completamente a público Os Objectos Principais (Sem Palavras Nem Coisas é de 1973), que Eugénio de Andrade inundara a década com Obscuro Domínio (1971), Véspera da Água (1973), Escrita da Terra (1974), Homenagens e Outros Epitáfios (1974), Limiar dos Pássaros (1976) e Memória Doutro Rio (1978). Que Sophia publicara Dual em 1972 e O Nome das Coisas em 1977; Luiza Neto Jorge Os Sítios Sitiados em 1973; José Agostinho Baptista Deste Lado Onde (1976) e Jeremias o Louco (1978); Ruy Belo Transporte no Tempo e País Possível em 1973, A Margem da Alegria (1974), Toda a Terra (1976) e Despeço-me da Terra da Alegria (1977). Que Echevarría dera a lume A Base e o Timbre (1974) e Media Vita, no ano do nascimento do Poeta; que Luís Miguel Nava, por último, nesse indicioso ano de 1979, virá a publicar Películas.
Corre o tempo sobre o mundo e cresce a força vertiginosa da individuação que agita o Poeta vindo do fim da década de 70. Sem causalidade formada, nem especial dedicácia laboral, as palavras corroem a influência e cedem à Anschauung que não é desengano – em breve, fora do “século de ouro”, ao livro inicial acrescenta Al Brandão O Príncipe Nu (2002), boca do mundo (2004) e o O Bailado das Facas (2004).
Há-de, pois, o Poeta, na sua individualidade indesmentível, ser confrontado com as vozes do seu tempo e do seu lugar – refiro-me a poetas nascidos em 1972, v.g., como José Mário Silva (autor, em 2001, de Nuvens & Labirintos), Manuel de Freitas (autor, em 2000, de Todos Contentes e Eu Também, em 2001, de Os Infernos Artificiais, BWV 244 e Isilda ou a Nudez dos Códigos de Barros, em 2002, de Game Over, [Sic] e Levadas, em 2003, de Büchlein für Johann Sebastian Bach, e, em 2004, de ) e Pedro Mexia (autor de Duplo Império, em 1999, Em Memória, em 2000, Avalanche, em 2001, e Eliot e Outras Observações, em 2003), para só falar de alguns.
Desarvorado de escolas, neste país transbordante de escolasticismo que um Eça exemplarmente puniu, a poesia de Al Brandão não foge, porém, das coisas naturais, nem regressa ainda a um sentido composto ou demasiadamente organizado. Fixa-se na base da pele, no interstício poroso que absorve e no calor febril que explode. Vindicta da carne de todo o homem supletivo, cada sílaba é já poema. E o Poeta colhe o mundo e pulveriza as mercadorias dele e o modo colaço de existência. Em uníssono, interno e externo, o comércio abandona a lisura do texto e o espaço fende-se ao rilkeano “culto dos objectos” principais. E, no entanto, há nisso uma materialidade poética próxima de Walther von der Vogelweide e de alguns admiráveis líricos da velha Grécia.
Do sábio Goethe sabe o Poeta não poder possuir aquilo que não conhece. Abri só, neste segundo passo, uma porta rasa de muco e de amplas visões. Fico-me nela, pensando ainda no seu canto nocturno. Poderá, pois, o Poeta desejar mais?

4 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

MARTIM!!!!!!!!!!!!!!



(Ele, o Al é tão bom tão bom mas tão bom que....)


não sei acrescentar mais.


desarvoradamente é um menino-al-prodígio.



obrigada.


beijos.

isabel mendes ferreira disse...

ah...voltei para acrescentar que tenho o livro que "prefaciou"....



magnificamente!


outro beijo....

fico assim. e a culpa é vossa!

Anónimo disse...

Já conhecia um pouco. Obrigado pelo complemento...

Anónimo disse...

Nada sabia sobre o Poeta e nada conheço da produção. Fico à espera... Boa-noite!