2007-05-31

"Andar nas nuvens" estreia hoje, em Tondela


Juan Negrín. Médico y Jefe de Gobierno (1892-1956)


Catálogo de la exposición
Índice
Juan Negrín, un socialista silenciado.
Ricardo Miralles Negrín médico fisiólogo.
Josep Lluis BaronaLa guerra civil española.
Conflicto moderno, solución antigua. Julio Aróstegui
El acceso de Juan Negrín a la Jefatura de Gobierno y la reconstrucción del Estado: Su primer año. Enrique Moradiellos
Juan Negrín, la cuestión del oro y la economía de guerra republicana. Angel Viñas Armas para la República Española. Gerald Howson Los rusos en España. Daniel Kowalsky Juan Negrín, entre dos comunismos. Marta Bizcarrondo y Antonio Elorza Negrín y el ejército. Michael Alpert Diplomacia para una guerra. Ricardo Miralles Negrín en Cataluña: nadie perdona a un perdedor. Enric Ucelay-Da CalAzaña y Negrín, con Madrid al fondo. Santos JuliáNegrín contra Prieto, una crisis en tres actos. Helen GrahamRazones para la resistencia: la represión franquista en la zona nacional. Paul Preston Las opciones de Negrín para resistir. Gabriel Cardona Casado versus Negrín. El síndrome del abrazo de Vergara. Angel Bahamonde Magro Negrín y la división del socialismo español en el exilio. Juan Francisco Fuentes Los papeles de Negrín. Sergio Millares
Edita Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales 2006
25x22 422 páginas Fotografías Encuadernación en cartoné
40.0 euros

2007-05-28

sanguínea

do olhar uma vertigem uma viela suja
e dos currais só o cheiro a velha morte.

nada interessa dentro do pântano assim
e nem as velhas aldeias ao acaso do rito
hão-de abraçar a sumptuosidade do acto.

quem quiser que o queira e na funda dor
acorde do rito o veneno saia castrador
como um enigma no verniz da usurpação.

pelos vinhos o sangue nas veias avisa que
das cinzas os poetas nascem alba e gancho
rompendo as veredas para dentro da luz.

eis o trigo sem altar saqueado ou harpa
corrompida pelos golpes terroristas.

a pele pressente e aceita a ânfora do sangue.

2007-05-22

língua azul

ouve-se o grito o silvo.

nada esperes agora -
sete agulhas rompem
o flanco descarnado
e os ossos dilatam
os poros a língua azul.

secretamente a flecha
no teu coração brilha
no lugar do bronze.

escrevo assim a parte
de ti saída derradeira
gota de orvalho no chão.

2007-05-21

"Imprenta Moderna. Tipografía y literatura en España" de Andrés Trapiello


Imprenta Moderna. Tipografía y literatura en España. Andrés Trapiello
341 pgs. 24x17. Encuadernación en rústica. Ilustraciones en color.
28.0 euros

2007-05-20

"Viaje a las Islas Invitadas" - Manuel Altolaguirre 1905-1959



Viaje a las islas invitadas. Manuel Altolaguirre 1905-1959. El catálogo Viaje a las islas invitadas. Manuel Altolaguirre (1905-1959) tiene por objeto revisar y actualizar las investigaciones dedicadas a la vida y a la obra de Manuel Altolaguirre. El volumen se inicia con una serie de semblanzas y textos dedicados a Altolaguirre por autores coetáneos como Juan Ramón Jiménez, Vicente Aleixandre, Pedro Salinas, José Bergamín y Luis Cernuda, y por poetas actuales que han leído su obra con especial interés. La segunda sección del catálogo ofrece una síntesis biográfica a cargo del comisario de la muestra. El tercer apartado incluye una serie de ensayos en los que reconocidos estudiosos (Francisco Chica, Luis García Montero, Jorge Domingo y María Luisa Capella) trazan la trayectoria intelectual de Altolaguirre en las sucesivas etapas de su vida. En la siguiente sección, Gregorio Torres Nebrera, Agustín Sánchez Vidal y Juan Manuel Bonet dedican sus textos a la relación de Altolaguirre con el teatro, con el cine y con las artes plásticas, respectivamente. Cierra el volumen una última sección en la que destacados investigadores como Julio Neira, Rafael Osuna, María José Jiménez Tomé y Antonio Carreira estudian diversos aspectos de la larga carrera del malagueño como impresor y editor de libros y revistas. Además se ofrece en el catálogo la reproducción de las obras plásticas seleccionadas para esta exposición, una relación de obras y documentos expuestos y, por último, un índice onomástico y otro de las obras de Manuel Altolaguirre citadas a lo largo del catálogo.
Edita Sociedad Estatal de Conmemoraciones Estatales. Publicaciones de la Residencia de Estudiantes. Encuadernación en cartoné (25x22), 583 páginas.
Fotografías blanco y negro, color.
50.0 euros

2007-05-19

Um excerto do novo livro de Marcia Frazão "O Armário da Bruxa" (publicado pela editora Planeta)



Os Tecidos


... Pelo menos, enquanto passeavam pela Quinta Avenida, com suas saias movimentadas pelo vento, pareciam notadas por todos. Rapazes letargicamente pastando diante de bancas de jornais endereçavam-lhes murmúrios, exclamações e – o supremo elogio – fiu-fius. Annabel e Midge passavam por eles sem sequer a condescendência de se apressarem, empinavam os narizes e acertavam o passo com marcial precisão, como se estivessem pisando no pescoço dos transeuntes.

Dorothy Parker, O Padrão de Vida



Quando, aos dezesseis anos, meus pais me disseram que naquela quinta-feira eu teria de lanchar com uma senhora chamada Júlia, meus joelhos amoleceram e entrei infeliz no carro por não ter comigo um pequeno frasco de veneno (nessa época, eu era dramática). Eu não era o exemplo ideal de feminilidade e popularidade entre as meninas da minha idade e não tinha absolutamente nada para fazer naquela tarde, e já havia escorrido pelo ralo a esperança de ser convidada para integrar o seleto grupo das divas do Minas Tênis Clube e do colégio onde meus pais me matricularam assim que nos mudamos para Belo Horizonte.
De belo o horizonte não tinha nada. Aliás, nem horizonte tinha. De repente ele fora comido por montanhas gulosas que circundavam a cidade e me provocavam a incômoda sensação de que de uma hora para outra também me comeriam, espremendo-me, quebrando meus ossos, engolindo-me lentamente tal qual uma sucuri sonolenta.
Não havia mais o mar a se estender até os confins do imaginário, e muito menos a pedra negra que me servia de cais. De pedras agora só havia as do meio do caminho. Pedras incômodas que me faziam tropeçar e cair como um saco de batatas bêbado defronte cabras que escalavam ladeiras em leveza de organdi.
Belo Horizonte revelava-se o meu pior pesadelo, agora assombrado por um lanche com uma velha senhora que se chamava Júlia. Uma visita que a mim me pareceu um encontro com a Medusa, um encontro que revelaria com todas as letras de todos os alfabetos vivos ou não o meu cruel destino: eu seria para sempre outsider, uma rejeitada tanto pelos meninos como pelas meninas. Não havia jeito: o Olimpo não me queria e eu teria que viver para todo o sempre nas profundezas dos deuses ctônicos, esquecida como eles por todos os mortais e deuses radiantes e empanturrados de beleza.
E foi com esses pensamentos que cheguei ao velho casarão onde dona Júlia morava, um casarão no limite da calçada de uma grande avenida que me pareceu o Rio Letes, guardado por um barqueiro e pelo cão medonho de Hades, o senhor infernal.
No portão, a Medusa me aguardava, disfarçada em gentil senhora. Não me deixei enganar; a altura, a postura ereta e o olhar penetrante não eram os mesmos que eu me acostumara a ver nas anciãs mortais. Lá estava a Medusa, a mulher que a humanidade esquecera e substituíra por pin-ups cultuadas em templos erguidos nos fundos das garagens e nas paredes dos quartos. Lá estava a mulher que em tempos remotos, na época em que a humanidade convivia com os deuses, guardava a sacralidade feminina.
Lembrei-me então de sua cabeça cortada por lança afiada, tombada ao chão como uma bola à espera de um chute, e de quando Pégasus saiu voando de sua cabeça para logo depois ser montado por Perseu. Mas agora ela estava ali, intacta em todo o seu esplendor, pronta para me revelar os antigos mistérios.
Olhando-a ereta à porta, eu me perguntava sobre o porquê de tal associação. Embora o potro indomável da minha imaginação dispensasse explicações lógicas, desta vez algo me dizia que era necessário me ater à realidade. Afinal, eu não estava diante de uma mulher comum: era dona Júlia, a mãe de um presidente!
E foi justamente o fato de ser “dona Júlia, a mãe do presidente” (era assim mesmo que ela era chamada), conhecida em cada canto do país, que me deu a chave da associação que eu havia feito; a figura daquela mulher era tão forte que pela primeira vez na história presidencial o Brasil tivera um presidente cuja presença materna pairava acima do seu cargo. Era como se a presença dela trouxesse de volta, dos confins do esquecimento, os mistérios femininos, os mistérios tão bem guardados pela Medusa.
E lá estava eu, frente à mãe do presidente que propiciara a manifestação plena das Musas, na música, no teatro e em outras artes. Lá estava eu, frente à égua alada (quem disse que Pégasus era um cavalo?) que guiara o imaginário de um homem a ponto de transformá-lo em herói nacional. Lá estava eu, na esperança de me deparar com uma das minhas maiores heroínas.
Qual não foi minha surpresa ao ver que ela não precisara se travestir em homem como minha querida Joana, não se valera de um porrete para se defender dos meninos como Nair, não enlouquecera e buscara a morte como Virgínia Woolf, não enodoara o sorriso com a ferrugem do sarcasmo como Dorothy Parker, e não endurecera o coração como as líderes do movimento feminista que eu tanto admirava.
Quando ela me abraçou, senti o aroma açucarado das flores do campo mesclado com o odor de naftalina e grutas. Seus cabelos impecavelmente presos num coque refletiam os diamantes e as pedras de sua amada Diamantina.
Embora estivesse sobriamente vestida, o tecido de sua roupa tinha o mesmo caimento da chuva num dia tranqüilo de primavera. As pregas da blusa recatadamente abotoada davam a impressão de colunas invisíveis que a plantavam na terra como um sólido templo que o tempo não ousou destruir.
Quando entrei na casa, deparei-me com vagas de paninhos de crochê sobre uma praia de móveis negros, ornados por graciosos objetos. Um majestoso oratório velava a casa, impregnando o ambiente com uma atmosfera sagrada. À mesa, um delicioso lanche nos aguardava, servido sobre uma toalha de fino bordado.
Naquela época eu havia rompido com as rendas, as sedas, os laços de fita, as organzas, os bordados, os veludos e com todos os itens que identificavam as moças bem-comportadas, e não conseguia compreender o prazer que dona Júlia exibia quando respondia a Marco, meu irmão, a procedência de objetos que para mim eram a representação máxima do cárcere feminino.
A princípio culpei a idade avançada pela “lambisgoice feminina” (era assim que eu me referia às artes domésticas das mulheres). Eu não conseguia entender como um dos meus ícones de fortaleza feminina podia estar ali se desmanchando em ternura – naquela época eu ainda não tinha ouvido Che Guevara dizer “hay que endurecer sin perder la ternura” – e explicando pacientemente cada ponto de crochê e os ingredientes dos pães, bolos e doces à mesa.
Não sei se pela decepção estampada em meu rosto ou por intuição mágica que ninguém explica, no meio do lanche dona Júlia quis saber por que eu me vestia como um menino.
A pergunta foi oportuna porque me serviu para expor toda a miscelânea feminista que eu lia à época, e desandei a falar sobre a revolução feminina que estava a caminho, sobre os altos pontos que galgaríamos num futuro sem rendas, cetins e perfumes com cheiro de jardim e pomar. Dona Júlia me escutava atentamente e só me interrompeu quando eu discursava inflamada sobre a coragem de Joana, a do Arco.
- Você está falando sobre a inutilidade das artes femininas, mas já se perguntou quem costurou a roupa que Joana vestiu para ir a guerra? Não teria sido ela própria? Será que Joana pensava em viver eternamente vestida naquela armadura? – ela me perguntou com um olhar matreiro.
As perguntas me caíram como balde de água fria. Ocupada com idéias e atos revolucionários, eu nunca havia parado para pensar sobre aquilo que considerava tão “insignificante”. Para mim era como se Joana já tivesse nascido vestida para guerra e nunca se aproximado de agulhas e tesouras.
- Se ela não fosse tão boa em corte e costura, duvido que soubesse empunhar tão bem uma espada! – dona Júlia exclamou divertida, aconselhando-me a ler a biografia de Joana.
Depois da visita, voltei para casa com uma série de interrogações. Dona Júlia, como boa professora que era, levantara questões que em poucas horas haviam balançado todas as teorias construídas por mim. A primeira interrogação apontava para uma grande contradição: se eu criticava a opressão masculina, não fazia o menor sentido abolir os trajes femininos para me vestir como um menino! Afinal, não havia guerra alguma que me exigisse me travestir para lutar (e se houvesse, nem sei se eu teria coragem para tal).
Enquanto eu me dedicava a procurar explicações para o habitual costume de usar calças jeans e camisas enormes, surrupiadas das gavetas do meu pai, começaram a acontecer uma série de fatos estranhos: durante uma semana inteira vi todas as minhas calças serem roubadas do varal. O ladrão misterioso parecia estar apenas interessado nos meus velhos jeans. A razão de tamanho interesse talvez ficasse por conta da dificuldade em se encontrar autênticas calças wrangler (naquele tempo não havia o comércio massivo de jeans e eles vinham diretamente dos Estados Unidos para uns poucos privilegiados) ou mesmo por artes mágicas, também disponíveis a uns poucos privilegiados...
Independentemente de fatores ligados à demanda e à magia, a verdade é que em curto espaço de tempo fiquei literalmente sem calças, o que me obrigou a vestir as roupas femininas (“próprias para mocinhas” como diziam minha mãe e minhas tias) presenteadas pelas mulheres da família na esperança de um dia me verem vestida como uma “verdadeira princesinha”, como tia Mariza bem dizia.
Quando me olhei no espelho, vestida com uma saia de veludo cotelê cor-de-rosa, um conjunto de blusa e casaquinho de ban-lon vermelho e um par de tênis encardido, constatei que estava mais parecida com um dos sete anões do que com a Branca de Neve.
Quando entrei na sala, definitivamente os olhares não eram de admiração. Meus irmãos desataram em risadas e imediatamente me batizaram com o abominável apelido de “chibichuntum”. A humilhação e o incômodo me foram tão grandes que pela primeira vez não reagi, considerando o apelido justo.
Estóica, atravessei a sala e fui à rua com a vã esperança de localizar o ladrão e reaver minhas calças, observando atentamente qualquer bunda que exibisse uma etiqueta de couro. Localizei bundas que exibiam Lee e Lewis, mas nada de Wrangler. Minhas calças, como minha alma, estavam aprisionadas em algum lugar daquela cidade que eu ainda não conhecia...
Ao voltar para casa encontrei Mirza, uma das divas do colégio, que por hospitalidade mineira ou por incômodo estético me cumprimentou, oferecendo-se para me acompanhar até minha casa.
Caminhando ao seu lado pude entender perfeitamente os sentimentos de admiração e inveja que as antigas gregas nutriam por Afrodite. Em Mirza não havia uma só prega, uma só linha, um só botão que destoassem, e a sua integração com a roupa que vestia era tão perfeita que se poderia dizer que estava nua e ao mesmo tempo coberta por uma segunda pele.
“Futilidades femininas”, eu pensava, enquanto Mirza me perguntava uma série de coisas sobre um Rio de Janeiro que eu não conhecia. Perguntava-me sobre as praias, mas não conseguiu entender que eu só as conhecia nubladas, em dias de chuva solitária. Não conseguiu entender a minha aversão aos dias de sol e às toalhas geometricamente estiradas na areia, como travessas prontas para ir ao forno.
- Você não vai à praia quando faz sol?! – ela perguntou espantada.
Não, eu não ia a praia quando o sol iluminava as águas e escaldava as areias. Não, eu não usava biquíni nem paquerava Apolos bronzeados. Não, eu não sabia jogar frescobol nem conhecia a marca do melhor bronzeador. A praia que eu conhecia se escondia dos cariocas nos dias de chuva, e era vista apenas pelos anzóis dos pescadores que misteriosamente surgiam de cantos que eu desconhecia.
- Se você quiser, nas férias eu te apresento a praia, te ensino a jogar frescobol e te levo à loja onde compro meus biquínis.
Até hoje me pergunto sobre as palavras que consegui dizer durante o trajeto e sinceramente não recordo de como consegui chegar em casa com ela ao meu lado, só me lembro muito vagamente dela sentada à beira da cama, dedilhando o violão que não houvera jeito de eu aprender a tocar.
“Só me lembro muito vagamente da tarde que morria quando de repente...”, ela cantava com displicência, acompanhando-se com os acordes sofisticados de João Gilberto.
Não, decididamente a cena não combinava com o mundo de futilidade que eu atribuía às divas do colégio! Um mundo sem espaço para as coisas “verdadeiramente belas” (era assim que eu denominava a arte, a cultura e os altos ideais). Mas como bem dizia minha avó Vitalina, “tolo é aquele que insiste em não ver”, e tive que aceitar o fato de que havia sido leviana em minha avaliação das divas do colégio. Elas não eram as bonequinhas ocas, as tolinhas acetinadas que eu insistia em ver. Eram moças que não tinham vergonha de ser moças e de cultuar os cosméticos, as sedas e as jóias de Afrodite, da mesma maneira que cultuavam as artes de Atena.
A amizade com Mirza revelou-me um mundo absolutamente novo, um belo horizonte debruado em bordados e linhas delicadas. Com Mirza aprendi preciosos mistérios ocultos na transparência do organdi, nas curvas dos veludos, na luminosidade dos cetins, na teia das rendas e na liberdade dos algodões.
Quando visitei dona Júlia pela segunda vez, eu não vestia as habituais calças jeans. Vestia um delicado vestido de fustão branco, acompanhado por um par de sandálias.
Ao me ver vestida como uma moça, dona Júlia assentiu com um sorriso, exclamando: “Quem foi que disse que a lança de Joana não combina com fustão branco?!”.
Até hoje desconfio que se ela foi poderosa o bastante para fazer um presidente, obviamente também foi poderosa para operar o desaparecimento dos meus jeans e colocar Mirza no meu caminho...

2007-05-17

Sobre Frei Galvão

A Terra
Frei Antônio de Sant'Anna Galvão nasceu em Guaratinguetá. A cidade, que se localiza no estado de São Paulo, no Vale do Paraíba, entre a serra do Mar e a serra da Mantiqueira, teve sua origem em uma pequenina capela erguida em louvor a Santo Antônio, pelos idos de 1630. O povoado que se desenvolveu em torno dessa capela transformou-se, em 1651, na Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá que, no correr dos anos, seria palco de importantes acontecimentos em sua vida religiosa.
Do ano de 1717, ficou guardada a lembrança do encontro, nas águas do rio Paraíba, à altura do Porto de Itaguaçu, no "termo da Vila", da imagem de Nossa Senhora da Conceição, a Senhora Aparecida, que é Padroeira do Brasil.Pouco tempo depois, quando corria o ano de 1739, nascia na Vila, o menino Antônio Galvão de França. Seu batizado se deu na Igreja Matriz, atual Catedral, que foi erguida no lugar da primitiva capela, sempre sobre a invocação do franciscano Santo Antônio, de quem, diz a tradição, Frei Galvão herdou os dons e a santidade.
Frei Antônio de Sant'Anna Galvão foi o primeiro dos nascidos no Brasil a ser apresentado à veneração e à imitação de todos. Mais do que isso, porém, há muito sem memória estava fortemente plantada no coração de sua gente. Não apenas de seus contemporâneos, de cuja sorte participou, mas de todos que, durante mais de séculos, o consideram como alguém muito familiar e querido. Quando, em 25 de outubro de 1998, foi solenemente apresentado pela Igreja, há muito já era venerado pelos brasileiros, e seus milagres e graças eram conhecidos por todos.
A infância

Antônio era o quarto entre os dez filhos do comerciante e Capitão-mor de Guaratinguetá Antônio Galvão de França, natural de Faro, em Portugal, e de D. Isabel Leite de Barros, descendente de bandeirantes paulistas, nascida na Fazenda dos Correas, em Pindamonhangaba.
O menino cresceu no seio de uma família católica, na casa - hoje reconstruída - que se situava à esquina das antigas ruas do Hospital e do Theatro, atualmente ruas Frei Galvão e Frei Lucas. Nesse lar, a imagem de Sant'Anna, em seu oratório, costumava reunir todas asnoites, à luz das velas, o Capitão-mor, sua mulher e seus filhos, para as oraçõese as novenas.
Foi certamente nessas noites de preces que o menino Antônio robusteceu sua fé e sua vocação para a vida religiosa. Narram as crônicas que, ainda criança, Antônio já sabia dar não somente atenção mas, igualmente, muitas esmolas aos pobres que o procuravam
Os estudos
Atendendo a seus dotes pessoais e a sua manifesta vocação para a vida religiosa, quando tinha 13 anos, Antônio Galvão de França foi encaminhado pelos pais para o Seminário de Belém, na cidade de Cachoeira, na Bahia.
Fundado pelo Padre Jesuíta Alexandre de Gusmão, o Seminário de Belém era então famoso pelo alto nível de seu ensino. Todavia, devido ao fechamento desse Seminário pelo retorno do Jesuíta para Portugal, Antônio, então com 16 anos, retornou para Guaratinguetá, onde não mais encontrou sua mãe, que havia falecido dois anos antes. atendendo a seu temperamento voltado à prática do bem, ingressou então no Convento Franciscano de São Boa Ventura de Macacu, em Itaboraí, na Capitania do Rio de Janeiro, onde adotou, para sua vida religiosa, o nome de Antônio de Sant'Anna Galvão, em homenagem à santa da devoção de sua família.
Sua profissão na Ordem Franciscana se deu em 1761, tendo, no ano seguinte, se ordenado sacerdote na cidade do Rio de Janeiro. A seguir, transferiu-se para o Convento de São Francisco, em São Paulo, onde foi admitido para terminar seus estudos de filosofia. na jornada que empreendeu do Convento do Rio de Janeiro para o de São Paulo, Frei Antônio de Sant'Anna Galvão se deteve em Guaratinguetá, para celebrar, na sua terra natal, "a primeira missa, a principal, para gáudio geral" de sua família e de todos que acorreram à cerimônia, realizada na Matriz de Santo Antônio, onde ele havia sido batizado. Tinha, asim, início o seu santo sacerdócio.
O Sacerdote
Um dos primeiros atos de Frei Galvão como sacerdote foi de fazer sua consagração como "servo e escravo" de Nossa Senhora, ato que assinou com seu próprio sangue na data de 9 de março de 1776. Esse episódio, dois séculos mais tarde, foi reproduzido em um quadro a óleo, de autoria do franciscano Frei Geraldo Roderfeld, que se acha em exposição no Hospital e Maternidade Frei Galvão, de Guaratinguetá.
Em São Paulo logo se destacaram os dotes de oratória de Frei Galvão, que foi eleito pregador, confessor de seculares, porteiro e confessor do Recolhimento de Santa Teresa.
Apresentou, nesses misteres, um desempenho tão destacado, que a Câmara Municipal não demorou em considerá-lo "um novo explendor do Convento".
Como pregador, Frei Galvão sempre demonstrou extraordinário brilho e zelo no anúncio da Palavra de Deus. Por onde andava, pelo interior do Estado e, em especial, pelo Vale do Paraíba, os vigários e os fiéis o aguardavam com ansiedade e disputavam sua presença para ouvirem seus sermões famosos. E Frei Galvão "pregava, confessava, aconselhava, atendia os doentes, deixando por toda a parte a fama de santo". Existe uma mesa, que se encontra atualmente na Sala das Relíquias, na casa de Frei Galvão, em Guaratinguetá, vinda da igreja Matriz de São Luiz do Paraitinga, que nessa cidade foi usada por Frei Galvão como púlpito, para falar à grande multidão que acorria para ouvi-lo.
Há "quem vislumbre nesta mesinha, corroída, sinais dos pés do famoso pregador e missionário...", fato que é documentado em livros e vem certificado por antigo vigário daquela Paróquia.

O poeta

Quando em São Paulo foi fundada sua primeira Academia de Letras, que ficou conhecida como a Academia dos Felizes, por seus dotes literários e de orador famoso, por seu amor à natureza e às letras, notadamente à poesia, frei Galvão foi convidado a dela participar. Por obediência ao fundador da Academia, que era o Morgado de Mateus, que então governava a Capitania de São Paulo, Frei Galvão aceitou o convite.
Na segunda sessão literária, realizada em março de 1770, Frei Galvão declamou com sucesso, em latim, dezesseis peças de sua autoria, todas dedicadas a Sant'Anna, além de dois hinos, uma ode, um ritmo e doze epigramas. São composições bem metrificadas segundo as regras clássicas, e repassadas de profundo sentimento religioso e patriótico.
O mosteiro da Luz
Uma das grandes realizações de Frei Galvão foi a construção do Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição da Luz, erguido a partir de uma capelinha quinhentista. A história desse convento, iniciado em 1774, viria a se confundir com a própria vida de Frei Galvão.
Para angariar os fundos necessários à construção do Mosteiro, que é atualmente um dos mais importantes documentos vivos do passado colonial paulista, nosso Frade iria percorrer, quase sempre a pé, todo o território paulista conhecido na época.
A Frei Galvão, como arquiteto, deve-se um documento tão interessante quanto importante: trata-se do frontispício da Igreja da Luz, riscado - e ainda existente - na parede de taipa de sua cela, no mosteiro. Mas a obra de Frei Galvão se estende muito além da arquitetura do prédio. Ela se faz presente notadamente na orientação espiritual dada às primeiras Irmãs, e na criação do Estatuto da Ordem Concepcionista, onde "se entrelaçam o carisma franciscno e o ideal concepcionista".
Na igreja do Mosteiro da Luz, que se localiza na atual Avenida Tiradentes, nº 676, na capital paulista, está o túmulo de Frei Galvão, aí falecido a 23 de dezembro de 1822, com fama de santidade. Esse túmulo é visitado diariamente por seus inúmeros devotos, que sobre ele deixam os pedidos e as flores de agradecimento pelas graças alcançadas.
A obra monumental edificada por Frei Galvão há mais de dois séculos continua, entretanto, a se expandir até os nossos dias, com a fundação de outros vários conventos.
Datado de 1811, foi erguido em Sorocaba, sob as vistas do próprio Frei Galvão, o Recolhimento de Santa Clara. Em Guaratinguetá, vewm de 1944 o Mosteiro da Imaculada Conceição, que até nossos dias segue despertando vocações.
Localiza-se atualmente nas proximidades do Seminário Seráfico Frei Galvão, da ordem franciscana. Também no Vale do Paraíba, em Taubaté, fica o Mosteiro da Imaculada Conceição de Santa Beatriz.
Thereza Regina de Camargo Maia - Diretora do Museu Frei Galvão


Bento XVI canonizou Frei Galvão

Numa época tão cheia de hedonismo, Bento XVI recorda o exemplo de Frei Falvão e as suas palavras de consagração como “palavras fortes de uma alma apaixonada, que deveriam fazer parte da vida normal de cada cristão, seja ele consagrado ou não e que despertam desejos de fidelidade a Deus dentro ou fora do matrimónio”. Na Eucaristia de canonização do Beato Frei Galvão, agora Santo António de Sant´Anna Galvão, o Papa afirmou durante a homilia da celebração que “o mundo precisa de vidas limpas, de almas claras, de inteligências simples que rejeitem ser consideradas criaturas objecto de prazer”.“É preciso dizer não aos meios de comunicação social que ridicularizam a santidade do matrimónio e a virgindade antes do casamento”, sublinhou ainda.Frei Galvão foi recordado como exemplo de “disponibilidade para servir o povo”. Conselheiro, pacificador das almas e das famílias, “homem da caridade especialmente dos pobres e dos enfermos. Muito procurado para as confissões, pois era zeloso, sábio e prudente”, recordou o Papa.O carisma franciscano “produziu frutos significativos através do testemunho de Santo António de Sant´Anna Galvão enquanto fervoroso adorador da Eucaristia, de prudente e sábio orientador das almas que o procuravam e de grande devoto da Imaculada Conceição de Maria, de quem ele se considerava «filho e perpétuo escravo»”, observou o Papa, acrescentando ainda uma saudação “afectuosa a toda a comunidade franciscana e, de modo especial às monjas do Mosteiro da Luz, da Capital paulista, que irradiam a espiritualidade e o carisma do primeiro brasileiro elevado à glória dos altares”.O mundo não poderá encontrar a paz se “os homens e as mulheres não se conscientizarem acerca da necessidade de se reconciliarem com Deus, com o próximo e consigo mesmos”, indicou o Papa.Referindo-se à V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano”, Bento XVI apontou a necessidade de “se responder com renovado e generoso ardor aos desafios que a Igreja no Brasil e na América Latina é chamada a enfrentar”. “E que belo exemplo nos deixou Frei Galvão”, exclamou.A devoção mariana “é a melhor defesa contra os males que afligem a vida moderna e é garantia certa de protecção maternal e de amparo na hora da tentação”, terminou.
Queridos leitores de língua portuguesa
Muito queridos leitores do Brasil Hoje é dia grande. Hoje o nosso Santo Padre Bento XVI canoniza, em terras de Santa Cruz, o primeiro santo nascido em território brasileiro: Frei Antônio de Sant’Ana Galvão. É uma alegria, é uma honra, é uma responsabilidade.
Uma alegria porque temos mais um intercessor no céu. Ele já lá estava mas agora podemos invocá-lo sem reservas, com os fiéis do mundo inteiro. Uma honra porque, embora no céu se fale a língua dos anjos, ter mais um santo lusófono é para todos nós, seus irmãos, uma coroa de glória, garantia de que a salvação é mesmo universal, quer dizer, para todos nós também. Uma responsabilidade porque todos os santos são faróis que nos mostram o caminho que leva à casa do Pai. E este disse-o em português. Não podemos fechar as orelhas. Para todos, na certeza do amor de Deus e na unidade fraterna A equipa do EAQ em língua portuguesa

Enzo, criança cujo nascimento inexplicável levou Frei Galvão aos altaresTestemunho de sua mãe, a química brasileira Sandra Grossi de Almeida CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 8 de maio de 2007 (ZENIT.org).- Entre os milhões de católicos brasileiros que darão as boas-vindas a Bento XVI, encontra-se a mulher que experimentou um milagre atribuído à intercessão de Frei Antonio de Santa Ana Galvão e que permitirá sua canonização no próximo dia 11 de maio. Trata-se da paulista Sandra Grossi de Almeida, licenciada em Química, de 37 anos, residente em Brasília, que deu à luz seu filho Enzo em 1999, ante a surpresa de médicos e cientistas. Seu caso foi reconhecido como «cientificamente inexplicável em seu conjunto, segundo os atuais conhecimentos científicos» pela equipe de especialistas médicos, em 18 de janeiro de 2006, no processo de canonização de Frei Antonio de Santa Ana, sacerdote brasileiro da Ordem dos Frades Menores Alcantarinos, que viveu entre 1739 e 1822. Precedentemente, Sandra havia sofrido três abortos naturais por causa de um problema congênito, conhecido como «útero bicorno», uma película que se forma no meio do útero, separando-o em duas partes, o que impossibilita o crescimento do feto por falta de espaço. As três gravidezes de Sandra -- em um dos casos foram gêmeos -- chegaram só até o quarto mês e acabaram de forma natural entre hemorragias e fortes dores. Sandra se havia resignado à idéia de não poder conceber e decidiu adotar a Isabela, que hoje tem 12 anos. Quando ficou grávida pela quarta vez, era consciente das dificuldades que enfrentaria, mas queria levar a gravidez adiante, fiel às suas convicções católicas. «A ginecologista me disse que não deveria me iludir, mas que faria tudo o que estivesse ao seu alcance para ajudar-me, e me preveniu claramente sobre a grande possibilidade de perder a outra criança», testemunha Sandra na edição italiana de «L’Osservatore Romano». Uma amiga da família, já falecida, ofereceu-lhe as «pílulas do Frei Galvão», umas orações para pedir a intercessão do beato brasileiro. Sandra começou a rezar as orações, ainda que não conhecia a história do beato. Para surpresa dos médicos (mas não de Sandra), na primeira noite da primeira novena a Frei Galvão, a hemorragia parou e as dores cessaram. «Foi um sinal da intercessão de Frei Galvão por mim», recorda Sandra. No quarto mês de gestação, submeteram-na a uma cirurgia para fechar o colo do útero, um procedimento delicado que se realizou sem que se apresentassem as temidas hemorragias. Sandra continuou encomendando-se a Deus por intercessão de Frei Galvão. No quinto mês de gestação se deu um risco de aborto por causa do tamanho do bebê. «Novamente recorri ao Frei Galvão», acrescenta Sandra. Depois de passar por essa fase crítica, conseguiu chegar à 32ª semana de gestação, algo inimaginável para seu caso. «Para os médicos parecia impossível, mas não para Deus», reconhece. Também parecia inimaginável a conservação do útero após o parto, já que a cartilagem impossibilitaria a expulsão da placenta e a única saída seria uma histerectomia (extração total do útero). Foi feita um parto cesariano. Enzo padeceu um problema grave ao nascer, uma das principais causas de morte entre os prematuros. Sua mãe voltou a encomendar-se ao futuro santo. Tiraram os tubos do bebê no dia seguinte, algo que em casos similares acontece só depois de várias semanas. Hoje, Enzo é uma criança sadia de oito anos. Quando se pergunta a ele quem é Frei Galvão, responde: «Nasci graças a ele».


Canonização de Frei Galvão é “muito significativa”

O Cardeal Claúdio Hummes considera que a canonização do Frei Galvão será um dos momentos altos da visita de Bento XVI ao Brasil. Esta é a viagem mais longa nos seus dois anos de Pontificado.
Em entrevista à BBC Brasil, o Perfeito da Congregação para o Clero afirma que este momento dará um novo impulso à fé católica na região. “O país ainda não tinha um santo brasileiro. Frei Galvão é o primeiro nascido no Brasil e isso é muito significativo para o povo”. D. Cláudio Hummes alude ainda à necessidade de uma renovada missão da Igreja Católica junto das populações, personificada nesta visita do Papa. Além da canonização do primeiro santo brasileiro, durante os cinco dias no Brasil, Sua Santidade reunirá com o Presidente Lula, inaugurará a Conferência Episcopal Latino-Americana e acolherá milhares de jovens no estádio Pacaembú.A esta hora, Bento VXI já vai a caminho do Brasil, onde chegará perto das 20h30 (hora portuguesa). A viagem é acompanhada pela enviada da Renascença, a jornalista Aura Miguel.

[informação enviada por Pedro Aguiar Pinto]

2007-05-16

um dia um búzio

um dia as palavras um dia
as palavras serão rosas no
teu trono e dos pulsos do
granito uma só alameda
começará aqui a ser nau
nas fundas raízes do corcel.

um búzio nos aloendros então.

2007-05-13

"meme" de maldoror


Adolfo Luxúria Canibal, no Theatro Circo de Braga (12 de Maio de 2007), por Martim®

a chuva cai em viseu, amaciando o granito e os lugares. da solidão sentida (quem de fora?) só os poetas falam. a chuva aveluda a pele, esse "profundo imaginário de água". terminado o périplo viseu-braga, inscrevo, por honroso convite de piano , esta aposição contributiva que é verdade e provocação demonstrativa, um "meme"* mesmo:

"Há os que escrevem para procurar os aplausos humanos. Eu não, uso o meu génio para pintar as delícias da crueldade." (Isidore Ducasse, Cantos de Maldoror)

Convoco a terreiro estes possíveis sítios de prazer: aijesus, alicerces , arestália, impactos e a voz portalegrense.

(*) Um "meme" é um " gene cultural" que envolve algum conhecimento que passas a outros contemporâneos ou a teus descendentes. Os memes podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma".


2007-05-10

Live performance of "Cripple and the Starfish" in Malmo, Sweden 05.17.2005




a beleza existe, funda ao silêncio convidando,queridas aves que aqui encontrais pábulo. eis na mão esta oferenda quente que pouso. recebei-a e ao silêncio voltemos, emocionados ouvindo estes melhores.

2007-05-09

sem morada

sobre a erva o metal brilha
e os pregos fundos quentes
impetuosos nas espáduas
descansam como refresco
e sinal de fundentes avisos.

tu, branco o silêncio vem sulco
que abres certo fora da morada.

2007-05-05

"arcas da memória" de Alberto Correia - uma central de energia

Desmemoriado, o homem perde a seiva geodésica e não mais ousa enfrentar a algaravia da cidade, nos seus signos agudos. Sem rosto ou identidade, o viandante segue um caminho surdo, desnorteado de sentido, permeável à agressão dos volumes. Talvez muitos dos “melhores” cidadãos nada saibam já dos códigos decifratórios ou acerca da marcha do homens por tempos e sítios fundos bem perto de nós. Nesta babel de enigmas, fingimentos e importâncias, quem como Alberto Correia sabe despiorar a vida e entregá-la assim, liricamente, como dádiva e central de energia?
A vida não acaba aqui. Abre-se para a frente, vinda de dentro de uma arca memorial, para inscrever um tempo outro, por mim dito, na toada poética que a escrita do autor deflagra, “tempo inacabado” ou “sangue mnemónico”. E tal tonalidade é verdadeiramente espantosa, porque, do olhar para dentro do tempo, ressuma uma ternura e uma “aquilírica” só presentes em grandes narrautores de emoção.
E é assim que dos campos e cantos da memória se suspende um tempo inexistente já e tão vivamente inscrito na sintagmática das palavras, como se esse acto de caldear a fluidescência aperfeiçoasse e purificasse o momento em quadro perfeito e redentor.
Abrir estas “arcas da memória” é conhecer a mais funda tradição beiroa, é privar com um património existente e sonhado, com a emocionante saga das profissões desaparecidas, com as crenças mais espantosas, tudo acontecendo em fôlego quase bíblico, da “poética do tempo” surgindo instantes únicos finamente lavrados em “incipit” e “explicit” como, por exemplo: “No princípio eram apenas três oleiros.” (p. 7) e “Para sempre em Viseu.” (p. 13)
Surgindo estas “arcas da memória” como um repositório das melhores crónicas de Alberto Correia publicadas semanalmente no “Jornal do Centro” (e todas elas, escolhidas ou não, têm uma qualidade mais do que estimável), deve todo o leitor interessado na sua circunstância ler este livrinho, saído em Dezembro de 2006 com chancela da Imagens & Letras, e inteirar-se da força da escrita albertiana, bem como dos “caminhos em cruz” da cidade de Viseu, das castanhas da Sarzeda cravadas na memória (“são as melhores castanhas do mundo.”), das encantadoras terras da Lapa, do Carnaval de Lazarim e dos seus homens que esquecem “haver o dia seguinte”, das labirínticas e aquilinianas Terras do Demo, enfim, de todo um mundo ptolomaico em que o Autor se desfibra, assim mostrando um universo literário de inquestionável intensidade lírica.
Não explico, nem concluo – convido apenas cada amador da “coisa literária” à fruição.
[também no Jornal do Centro, de ontem]

2007-05-04

jornada

lentos os cabelos recolhem a água no pátio.

sabes agora que nos interstícios da idade
há nascentes fulgurantes certos búzios
que te conduzem à floresta às evidentes
letras da primeira fábula do sonho até.

assim o fogo nas mãos labareda por ti
descendo na cicratiz luminosa ventos
arfando nos labirintos abismo e cone.

a teus pés um peixe fende a terra.

2007-05-01

noite dentro

intérmina a noite inunda o rosto
e no promontório o fogo cresce
pelos braços. os dias não acabam
assim e nem isso eu lamento.

pela noite fico. do linho esta flor. tua.