2005-10-30

Adivinha de Tirésias


vem do desprezo o olhar que não vê. frio, glacial, o sangue enrijece- -lhe a pose. vindo à idade adulta, nada se sabe, nem eco. vindo o inverno, um dia, quando se olhar em vulgar charco, contra breve chuvisco, verá um rosto que o secará. aí, rasteiro gnomo tomar-lhe-á o corpo, privando-o da linfa. aí, nascerá um cacto azul mais belo do que um nenúfar. em cada verão, então, brotará do solo um líquido sanguíneo que irromperá dentro de ti...

proposta quase inicial de ave azul

Junto a Vergílio, o dia nasceu. ainda breve, quase nada faltou. nem desânimo. esta é a capa das costas do número 1 anunciando a incrível literatura. tomados de espanto, o tempo passa e a memória é mais longa. um dia, não será assim. então, colhe este sinal mudo no espaço íntimo de ti e abandona-te ao inverno que te confunde.

2005-10-29

a mesma ideia: FIDELIDADE OU LEALDADE


"Os grous são tão fiéis e leais ao seu rei que à noite, quando ele dorme, percorrem o prado para vigiar à distância; outros ficam ao pé dele, com uma pedra na pata para que se o sono os vencesse a pedra caísse fazendo tal ruído que os acordaria. Outros dormem todos juntos em volta do rei e fazem-no todas as noites em turnos para que nunca faltem ao seu rei." [H, 9 r]

2005-10-28

tesouras & alicates


é com a língua que corto o vento. a força dos alicates esmaga-me os ossos. novo e cego narciso, é com o corpo que dedilho os elementos. o lume desce à garganta e o mito ilumina-se nas paredes do estômago. na mala levo comigo os poemas dos outros. no espelho da água fito a imagem. a primeira, vinda sobre a pele dos dias. cada avanço é um som opaco, sem pegada. em ti me perco, já sem regresso. as lâminas da tesoura tombam e nem sequer um pouco da morte.

2005-10-26

cicatrizes

eis as cicatrizes do corpo da cidade. perto da memória, nem só fungos. há o gelo dos charcos e o fumo do esquecimento. quantas vozes e ecos debaixo das velhas tílias? perdeu-se um lenço desde a velha casa. nascendo o dia, ouve-se ainda o bulício da praça. o mundo envelheceu face à limpidez da imagem. e, no entanto, as formigas negras cresceram, incómodas. duas mulheres pisam o hálito quente da terra. uma festa, longínqua, declina. na velha estação, ao fundo do corpo, a chuva irrompe pela madrugada, queimando os dedos e as veias. o despertador acorda no espelho matando a alegria da revelação. dentro de mim, o comboio mata a cidade.

2005-10-24

Navarrianas


Na primeira figura punha o olhar,
a maligna voz do descontentamento,
vendo Gomes increpando o ser vulgar.
Que podia agora ela face aos tormentos,
que não fosse sua demissão logo exarar
e, debitando débeis uns lamentos,
logo correr para florido outeiro,
sempre fugindo à frente do Monteiro!

espantosa Christina Rossetti

"Not a word for you,
Not a lock or kiss,
Good bye.
We, one, must part in two;
Verily death is this:
I must die."

2005-10-23

LENI RIEFENSTAHL



eis o rosto das melhores visões. das anteriores, também...

2005-10-22



é tão difícil dizer o corpo. assim estas imagens, iguais, o tornam fácil.
quem deste modo, quem?

OUTUBRO VEM...


Outubro...
Ó ar de desfalecimento,
és uma lírica suspensa à volta!
A voz do vento,
triste, cansada, em tom cansado e lento,
não sei que frases de rimance solta.
António Sardinha, A Epopeia da Planície

rapsódia de outubro

de ideia em riste, vem a manhã. cobre o País um manto de esperança. que nevoeiros em volta? que dor ainda a do terreiro do paço? quanta casa em silêncio? quando esta ideia?...

2005-10-21

REAL! REAL!

A EL-REY

De capa e volta, de calção e vara,

hei-de ir, Procurador do meu Concelho,

falar ao Senhor-Rey com fala clara,

dizer-lhe uma oratória que aparelho!

António Sardinha, A Epopeia da Planície.


CHOVE EM VISEU


"NÓS OUVÍAMOS HORAS A FIO MÚSICA DE MOZART, MÚSICA DE BEETHOVEN, SEM PRONUNCIARMOS SEQUER UMA PALAVRA."


THOMAS BERNHARD, O sobrinho de Wittgenstein, 1982.


2005-10-20

AVE AZUL - nº 1 - Outono de 1999


"Um fio louro
Abre um riso na dor duma nuvem escura...
O Céu também esconde em risos a Amargura!"
FAUSTO GUEDES TEIXEIRA

http://www.elogiodapalavra.blogspot.com

canto luminoso

porque marginal, da margem sombria da sabedoria, releio "canto desabitado" de António Gil sob a luz da euforia:

"refaço-a a partir do vago compasso da ventania, do estalar da vaga, do solo ressumando a litania dos dias já completos..."
António Gil, Canto desabitado

2005-10-19

crash

não há tecla. o computador não fala. momentos de silêncio.

2005-10-18

DA INTENÇÃO

Intentions de Oscar Wilde (first edition)

intento cada dia nova página saída do fundo das intenções. nada me move nem orgulho até.
apenas fio vascular do centro de mim. e emoções controladas pela influência pacificadora. assim o fogo da palavra. martim disse.

2005-10-17

o mito de Narciso


estrofes e mitos; beijo-te, não é? nada estava escrito,
nenhuma verdade comum aos planetas,
éramos só nós sem nenhum segredo,
vivos e completos, serenos, mortais.
António Franco Alexandre, Uma fábula

2005-10-16

OASIS, uma questão de qualidade


para quem ainda duvide, eis os Oasis, vitoriosos, nos Q-awards...

2005-10-15

DEFINITIVAMENTE, JOEY


















"Stop thinking about it // Dwelling is driving me crazy / Obsessing don´t you know where that´s at / Yeh, you don't know what you want but you want it"

UMA IDEIA


a ideia chega, sábado após sábado, luminosa...

2005-10-14

ÁRDUA POESIA


Tahar Ben Jelloun, poeta e ensaísta marroquino, diz que a poesia não se pode explicar. estranha, portanto, é a sina dos hermeneutas...

2005-10-13

A HORA SOCRÁTICA


A CERCA DE DOIS ESTÁDIOS DO INFERNO, SÚBITO CHEGA UM GRITO DE GUERRA E O SOM DAS TROMBETAS. CORRENDO, IRROMPE UM CORPO DE TROPAS HOPLITAS. LÉPIDAS, GRITAM A CHEGADA DA SOCRÁTICA HORA. OS VALENTES DE MONTE EMÍDIO TOMBAM, DE PERNAS EM RISTE. A SEUS PÉS MURCHAM AS ROSAS. PODEREMOS DESEJAR MAIS?

2005-10-12

MANUEL DE FREITAS

A IMAGEM DIZ O DENTRO DA POESIA

o gume do olhar
lembra ao pobre mortal
que cada regresso
é o gelo da morte
e o início do canto

a Franco Alexandre, dentro da hora difícil