2013-08-19

[FARPINHAS] – TREZE

[FARPINHAS] – TREZE

«É vê-los no rapa-que-rapa, rapapé, rapa-tacho», dizia Alexandre O’Neill, referindo-se aos vestibulantes. Estes seres abundam no território nacional, encalhados entre o que desejavam ser e o que são. Aparentemente cordatos, os vestibulantes são profissionais de um mester opaco e gorduroso – o da serventia interessada, o do funcionalismo espontâneo. Junto de nós, o vestibulante brilha, manipula, atravessa-se, individualiza-se. Longe, esvai-se em mediania de vulgar rececionista.
O vestibulante não entra nem sai, vestibuliza. Habitualmente não falha nos anos, nas festas, nos brilhos eufóricos. Avesso, o vestibulante tropeça nos sentimentos, nas palavras, nas convicções e, muitas vezes, em si.
O vestibulante gosta de ombros e de encostos. Gosta também de tudo o que lhe é superior e alheio. Quase não vive e respira abundantemente sobre as pessoas, querendo ser como elas. O vestibulante olha para os seus objetos com ar protetoral.

O vestibulante promete aquilo que é – uma verdadeira nódoa.

2013-08-16

[FARPINHAS] – DOZE

[FARPINHAS] – DOZE

O português não lê, simula e afunda-se na navegação internética, colhendo profundidades, taciturnidades, ensinamentos. Dizia-me há alguns anos um ilustre professor universitário que Coimbra não lia, apenas ouvia e fingia. Hoje há mais razões para que assim não aconteça no país: há editoras para não editados; há escritores editores; há editores escritores;  há livros para quem não lê; há de tudo e para todos os gostos e desgostos – há mesmo a possibilidade de o novo escritor pagar a edição do seu livro e colher alguns aplausos na FNAC mais próxima.
A livraria desapareceu das nossas cidades. Sem apelo, a morte estava anunciada há muito. Ninguém deu conta, ninguém quis ver. O português típico não lê, soletra; não aprende, foge; não duvida, tudo sabe. O vulgar dicionário encalhado há muitos anos na prateleira mais longínqua, não tem serventia que não a de atiçador de lareiras.

No sentido de Ruy Belo, a inteligência está soterrada. Quem «colhe as vozes do mar e do momento»? Quem quer esta «música nas mãos e nos ouvidos»? Mas quem é Ruy Belo neste mundo global e absorvente? Mas quem não quer o nada? 

2013-08-08

Esta é a gramática UHF: umas poucas palavras sobre «a minha geração» (2013)



Esta é a gramática UHF: umas poucas palavras sobre a minha geração (2013)

Como tempo sem tempo, eis as palavras e a música alada. De longe, ouça-as no fulgor das mãos, vindas dos tímpanos fundos. Do tempo que é tempo, reconheço-me aqui – lacerantes, facas diretas dão-me o tempo que é tempo. Agudos, os tempos.
Umas poucas palavras, disse. Insujeição, clepsidra, fingimento, agudeza, armadilha amorosa, sinais de fogo, sátira e filme vivencial, eis flâmulas deste palco geracional. Magnífico palco, diga-se – temas como «A minha geração», «A tia Dorinda», «Lili casou à pressa», «Já não sei fugir», «Vernáculo [Para um homem comum]» e «Em Dezembro, meu amor» são para mim arrepiantes. E a música começa na pele, eu sei.

De longe, ainda perto, desde o velho viseense pavilhão A (À flor da pele, pois) até hoje, muitos palcos presenciei, No jogo da noite. A vida separa e une. Aqui me encontro. Obrigado, António Manuel Ribeiro! Obrigado, UHF! Que miséria um mundo sem as vossas palavras & músicas!  

2013-08-07

[FARPINHAS] – ONZE

[FARPINHAS] – ONZE

Não havendo tema, discute-se Pacheco Pereira, igualando-o a Coelho, Portas, Sócrates, Seguro e outros nomes mais inseguros. Sim, não mais do que isso, um vulgar político com iguais vícios e outro cálculo. Ainda que o fosse, o que mais me interessa e admiro na personalidade dele é precisamente o que escapa à parcela estritamente política e menos interessante – a filologia, por exemplo. Não, ripostam, o José Mattoso é que é e muito melhor do que o Eduardo Lourenço, sempre pronto a lançar aquele labéu consuetudinário.
O melhorismo é uma mania nacional. Um amigo meu, que pouco leu de Mattoso, afiança-me a superioridade do historiador. Na vetustez dos 80 anos, o medievista publica há mais de 40 anos e é uma referência ética nacional desde há muito. Premiado e conhecido, dentro e fora de portas, Mattoso é aquilo que é. Como o foram e são António José Saraiva, Óscar Lopes, Manuel Gusmão e Aguiar e Silva, por exemplo.
Infelizmente, Pacheco Pereira é bem melhor do que a maior parte dos políticos ligados aos poderes. Basta olhar para o governo atual (esta verdade carece de confirmação) e para boa parte dos comentadores da nossa praça. Não se querendo olhar, uma das cinco figuras éticas em sugestão é bem melhor companhia. 

2013-08-03

[FARPINHAS] – DEZ

[FARPINHAS] – DEZ

Andam por aí de há dois anos para cá, os lapelinhas. Pelo menos, desde há dois anos que os lapelinhas inundam os espaços públicos. Por último, haverá um ano ou mais, os lapelinhas só entram em capelinhas para não serem apupados pelo povo. O povo é uma doença enorme para os lapelinhas – vai-se a ver e o povo queixa-se, tem voz, protesta, ousa desafiar quem transporta na lapela os símbolos nacionais. A pique, os lapelinhas caem abraçados ao país que vão matando e que notoriamente renegam – e os jovens e os idosos e os doentes e as pessoas não são bem mais do que patriotismo presumido?
Os lapelinhas comandam a nação. Uma deles chega a recitar Beauvoir por várias vezes e quer interditar as galerias do povo, assim cuidando da nossa salvação. Os lapelinhas não se enxergam, vomitam doses industriais de selvajaria capitalista. Em tão ingloriosos peitos, os símbolos da nação emurchecem e estiolam.

Os lapelinhas cheiram mal. Encostados aos símbolos, eles são mera fatuidade.

2013-08-01

«Le Magazine Littéraire» escolhe Lídia Jorge como uma das 10 grandes vozes da literatura estrangeira


É uma honra, sem dúvida! E não há espanto aqui que não seja justiça! Parabéns, Lídia Jorge!  Parabéns, LITERATURA PORTUGUESA!