2016-07-28

[alexandria-1]


[alexandria-1]

na noite nua de cigarro em punho o homem dizia palavras e sonhos
sentava-se na brisa do tempo dilatava o tronco ao sabor da beladona
e nem a cidade ardida culpada de todo o transe encontrava punição
que não fosse aquele ardor dentro do ativo silêncio da escuridade...
e dentro de tudo sobre o tudo disso calmo esse humano sorvia arak
todos os perfumes sonoros do buezim vindo como o ar nas palmeiras
serpenteando no prismático dos olhos e nas junturas dos velhos lábios.]
e lia joyce com espanto diziam aqueles outros que nada liam e sabiam]
em lengalenga breve aperrada nas sílabas como se urbe não existisse...]
tudo em excesso era pecado coração na boca nas mãos nos olhos
sabendo que a teologia das palavras explodia no centro da paixão 
que dentro da cidade um só corpo neste corpo podia dentro estar
nada os rubros tarbushes podendo esconder deste fogo desta sede.   

2016-07-12

A tradução em Aquilino e o grito de Pound

A tradução em Aquilino e o grito de Pound

Não é preciso pensar para logo concluir do longo trajeto de Aquilino Ribeiro como tradutor, tal se provando, década a década, durante cerca de meio século. No entanto, é na sua fase nascente como homem de letras, na primeira década do século XX, que mais essa forma de aprender o mundo mais o toma e assoberba e com os resultados que sabemos – poderia ou poderá um grande escritor emergir de outro modo, sem esse exercício disciplinado e filológico?
Como Pound, Aquilino foi um centro de tecnicismo e profissionalismo. A escrita deveria ser trabalhada em buril oficinal até ao resgate da receção. No entremeio, como o diria o Steiner, há que aprender de cor, com o coração, cordialmente, para melhor ler o mundo, vertendo-o em palavras pesadas em torno laboral que estratifica e dá acesso aos mundos da criação.
Como Eliot viu Pound assim nós devemos olhar Aquilino como “il miglior fabbro”, uma verdadeira fonte de energia ou uma fulgurante enciclopédia do fazer. Na retaguarda, iluminando em catáfora, só as bases sólidas da versão, da tradução e da regência vocabular – uma orquestra da composição, diga-se, que ousava abrir o mundo com a certeza das palavras e da inscrição filológica. Assim, afinal, as raízes de uma árvore incomensurável!...    

Viseu, 12 de junho de 2016

Martim de Gouveia e Sousa

2016-07-10

Aquilino e as mulheres


Aquilino e as mulheres

Nem Eça e muitos menos Camilo assim desferem com a sua escrita, como Aquilino, torrentes de luz e força vital. Tal particularidade, pouco usual na literatura portuguesa, percorre a maior parte da obra do romancista de que falamos e é sempre sinal diferenciador, importante. Esse vitalismo que Seabra Pereira há não muito exalçou em ensaio modelar e produtivo, em boa hora galardoado com o prémio de ensaio Jacinto do Prado Coelho, é um lugar de muitos exemplos e de multímodas possibilidades.
Vamos ao caso das mulheres e à sua grácil presença nas inúmeras páginas do operoso escritor de Geografia sentimental. Pego quase ao acaso em É a guerra e logo topo com uma vasta, comovente e erótica visão da figura feminina. Por exemplo:

1.       “Ali na Avenida de Orleans, a rapariga de fichu vermelho, nada feia, que vende periódicos e flores e passa por liberal das suas graças, não tem mãos a medir.” (p. 17.)
2.       “Os olhos dela que são bonitos andam pisados com o medo. Alta, elegante, um tanto pálida, género faubourg, é a redolente rosa-chá do prédio.” (p. 38.)
3.       “Tampouco se veem, como que a sobrenadar, as silhuetas finas e altas de certas parisienses, deusas esplêndidas.” (p. 102.)
4.       “No segundo andar, sobre a rua moram os Legrand, que têm nurse inglesa. Deve orçar entre os catorze e dezasseis anos e, na sua formusura picante, é assim como belas e disparates coisas, tulipas, leite, luar, vinho velho, sonho, amalgamadas numa só.” (p. 172.)

Sem especial norte, abro Alemanha ensanguentada e recolho, como exemplo, as seguintes tiradas:

1.       “… e a menina sardenta, de cabelos de oiro, que se me inculcara estudanta de Cambridge.” (p. 17.)
2.       “Quási nenhuma desordem; na vaga de povo exultante e frenética o ouro pálido das cabeças nuas das raparigas, estas cabeças de Madona tão comuns no Norte, era garantia de idealidade.” (p. 92.)
3.       “De facto a cabeça da pequena, entre a faiança especiosa, tem não sei quê de espiritual e sonhado. Admiro-lhe o cabelo esparrilhado como leve nuvem de ouro sobre as têmporas, o nariz fino e de arrebite, o creme do rosto translúcido, miudinha de talhe, mais francesa que germânica, antes do Hanovre que da Prússia, e lembra-me aquelas figuras pré-rafaelitas cujo movimento era sacrificado à forma  e a forma sujeita ainda às linhas gerais da construção.“ (p. 109.)
4.       “No chá para que me convidou o Dr. Schwenke, diretor da Biblioteca Nacional, servia uma menina russa de deslumbrante beleza. O lume da sua face parecia ofuscar como o sol. Mal me atrevia a erguer para ela os olhos, não obstante a vontade interior de a adorar. E pela modéstia e compostura, aliada à graça e louçania, me lembrou aquela Natascha da Guerra e Paz que toma lugar no coração como conhecida e amada nossa.” (p. 119.)

São imagens fortes, vibráteis e vivas as imagens de mulher que se levantam das páginas aquilinianas. Fendendo a vida, esta erótica literária é muito real e muito do escritor. Ardendo, ardendo sempre, o desejo é fogo e captura, vida e morte, prisão e libertação, como o diz, aliás, o fulgurante explicit de Um escritor confessa-se:
“Passada a fronteira, lá para Bayonne, subiram duas bonitas francesinhas. Ao Diabo a sisudez e o medo da vida!” (p. 401.)
Viva, pois, a vida e os claros lumes das mulheres que nela vemos!...
Viseu, 10 de julho de 2016

Martim de Gouveia e Sousa

2016-07-04

Escritores leem escritores: Vergílio Ferreira lê António Ramos Rosa


«A reler poemas do Ramos Rosa. Magnífico poeta. O ar, a luz, a cal, o mar, a árvore, a casa - mundo da discreta alegria da vida, da gratidão do viver. Uma expressão espantosa: "uma ave subscreve(ndo) o céu inteiro.» (Vergílio Ferreira, Conta-corrente (1969-1976)-I, Amadora, Livraria Bertrand, 1981 (2), p. 251.)

2016-07-03

Pensamento assistido por Vergílio Ferreira (V)


«A minha pátria é a imaginação.»
(Vergílio Ferreira, Conta-corrente 1 (1969-1976), Amadora, Livraria Bertrand, 1981 (2), p. 275.)