2006-11-30

a mão

um relâmpago na boca
no marfim do rosto
um osso breve a mão
corre o peito esconde
o veludo da pele a unha
da noite entalada na língua.

cega a chama vem aos olhos.

2006-11-29

Memória do "13º Encontro de Estudos Portugueses" (início)

Eugénio Lisboa

António Manuel Ferreira A.M.F. e Eduardo Pitta

Rebeca Sanmartín Bastida e A.M.F. Francisco Maciel Silveira

María Aboal Flavia Maria Corradin

Jaime Gralheiro A.M.F. e Eugénia Pereira

Parecendo este "Encontro" ter nascido sob a égide de Al Berto, é impossível esquecer o Poeta que tão bem falou sobre o tempo devorador, isto é, sobre o tempo-ruína:

"O TEMPO FOI SEMPRE A MINHA RUÍNA" (O Medo).

2006-11-28

Memória do "13º Encontro de Estudos Portugueses" (conclusão)



João Minhoto Marques

A.M. F. e Paulo Pereira A.M.F. e José Manuel Cymbron

A. M. F. e Carlos Morais A. M. F. e Pablo Ballesteros

A. M. F. e Pedro Corga Cândido Oliveira Martins
Decorreu, na Universidade de Aveiro, entre os dias 23 e 24 de Novembro, o 13º Encontro de Estudos Portugueses, desta vez subordinado ao tema “Escrever a ruína”.
A sessão de abertura esteve a cargo, como tem sido hábito, de Eugénio Lisboa, não espantando também que a sua brilhante comunicação, intitulada “A particular tristeza das ruínas”, versasse sobre um conto regiano, retirado de Histórias de Mulheres, em que se tornou visível a particular resistência dos restos visíveis e a suspensão operada, como se a menina Olímpia não tivesse consciência do tempo.
Abriu de seguida o painel do resto da manhã, debruçando-se António Manuel Ferreira sobre os “sinais de ruína na poesia de Joaquim Manuel Magalhães” (tal era o título da comunicação), frisando o conferencista a capacidade do poeta imergir na vida, bem como a sua capacidade tensional de apresentar ora uma inquietação erótica, ora uma serena satisfação causada por um erotismo real, apresentando-se ainda plasmado na obra do poeta um caminho melancólico, mas enérgico; trouxe, de seguida, Eduardo Pitta uma interessante descida aos abismos da poesia de Al Berto, desenvolvendo a proposição “Al Berto: o ersatz da ruína”; o painel da manhã terminou com a intervenção de Rebeca Sanmartín Bastida, que veio falar sobre a ruína em La Celestina de Fernando Rojas, frisando nesta obra espanhola de impacto mundial os aspectos macabros e eróticos.
Ao início da tarde, Francisco Maciel Silveira trouxe ao auditório o fascinante trajecto de Nelson Rodrigues, escritor brasileiro polifacetado, seguindo-se Maria Aboal, que falou sobre a ruína do corpo na biografia San Francisco de Asis de Emília Pardo Bazán, e Flavia Maria Corradin, que trouxe até nós a força produtiva do dramaturgo Jaime Gralheiro. Interesse momento foi ainda a intervenção do advogado-escritor, que, estando presente, participou do animado debate final.
No dia 24, Eugénia Pereira debruçou-se sobre Léah e outras histórias de José Rodrigues Miguéis, aí encontrando a académica a deflagração irónica como culto à memória e a memória como viático para a ruína; João Minhoto Marques trouxe as imagens ruinosas da desilusão lúcida em Nuno Júdice; Paulo Pereira apresentou a comunicação “Contar contra a ruína”, baseada no romance Lilias Fraser, de Hélia Correia, onde se historiografa a vida da escocesa Lilias Fraser entre a batalha de Culloden, na Escócia, em 1746, e o encontro, em Lisboa, no final do século, entre Lillias e Blimunda, personagem de Memorial do Convento, de José Saramago; José Manuel Cymbron fechou a sessão matinal, abordando diversos traços da ruína nacional em Camões e Miguel Torga.
Pela tarde, Carlos Morais falou sobre a força trágica clássica que incide, sob acção dos deuses, no caminho do homem; Pablo Ballesteros abordou a decomposição do corpo sifilítico segundo um tratado médico-literário do quatrocentista López Villalobos; Pedro Corga incidiu a sua prelecção sobre o romance de Ana Teresa Pereira Matar a imagem, aí detectando linhas ruinosas; por último, Cândido Oliveira Martins desenvolveu a titulação “Alegoria da ruína: Eça de Queirós reescrito por Mário Cláudio”.
Parabéns à Universidade de Aveiro e ao Professor Doutor António Manuel Ferreira, que permitiram mais um brilhante encontro com a cultura…

2006-11-27

um dia a morte

um dia a morte um punhal cai
e da pedra apenas uma lágrima
a pique ungindo o corpo a chama
decepados pelo aço do asfalto
e as cinzas dentro das águas
sangrando na roupa no punho breve.

um tremor apenas menos da morte.

[contra desleituras, à memória de Rafael Machado e Filipa Machado, pai e filha de nós levados]

"A mulher cristã na vida pública portuguesa"


A associação Jovens Profissionais Católicos
http://jpcatolicos.blogspot.com/
e a Capelania da Universidade Católica


convidam para a conferência

“A mulher cristã na vida pública portuguesa”
“Testemunho de uma cristã no meio do mundo”




Dra. Maria José Nogueira Pinto


UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA – LISBOA
Faculdade de Direito – Auditório 1
DIA 27 de NOVEMBRO (2ª Feira) às 21h15m
[Informação enviada por RODRIGO FARIA DE CASTRO]

2006-11-26

2006, Novembro: Cesariny em Elsinore

[de ardemares.blogspot.com]

NAVIO DE ESPELHOS

O navio de espelhos
não navega, cavalga

Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível

Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos

Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele

Os armadores não amam
A sua rota clara

(Vista do movimento
dir-se-ia que pára)

Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga

O seu porão traz nada
nada leva à partida

Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta

E no mastro espelha
douma espécie de porta

Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto

A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto

Quando um se revolta
há dez mil insurrectos

(Como os olhos da mosca
reflectem os objectos)

E quando um deles ala
o corpo sobre os mastros
e escruta o mar do fundo

Toda a nave cavalga
(como no espaço os astros)

Do princípio do mundo
até ao fim do mundo.

Mário Cesariny (1923-2006), A Cidade Queimada.

arde em gaia



[porto visto de gaia & deathstars por martim de gouveia e sousa. direitos reservados.]
no vidro das águas o cianeto sobe ao rio
linfa cerebral que dentro brilha, vês?
as aves de néon cobrem o douro
e a superfície aquática magentada
nada espera do dia acabado.

então as nuvens descem à corrente
como o douro é mississipi dentro do copo
e nem o jack daniel's é gelo nem o club hard
nem a pele estala no dorso da pedra
que tudo se espera da noite entrada.

um vidro gótico fende o braço os dentes
e o algodão da alma brilha no escuro.

súbito silêncio arde nas crateras da praça e irrompe o fumo
perto das narinas as pautas musicais acantonadas
o estrondo eufónico sangrando.

e um corpo e uma pele rubros.

2006-11-25

Homenagem a Aguiar e Silva




Decorreu, no passado dia 11 de Novembro, uma homenagem pública ao Professor Doutor Aguiar e Silva dividida em dois segmentos: um, em Penalva do Castelo, de manhã, com intervenções de Ana Albuquerque, Álvaro Iriarte Sanroman, Rosa Maria Goulart, Aníbal Pinto de Castro, Manuel Patrício,Lúcio Craveiro da Silva e Vítor Aguiar e Silva; e outro, em Viseu, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, com intervenções de Fernando Paulo Baptista (autor da iniciativa), João Lima, Aires do Couto, José Carlos Seabra Pereira, Helena Carvalhão Buescu, Sérgio Machado santos e Vítor Aguiar e Silva, conforme se documenta com as fotografias abaixo. Intervieram ainda outras individualidades representantes dos poderes políticos.
O ilustre professor é um dos mais brilhantes académicos portugueses e a sua Teoria da Literatura, com diversas edições e reimpressões (em cima e em baixo apresentam-se as capas das edições 1ª [1967], 2ª [1969], 3ª [1973], 4ª [1982] e 6ª [1984], que tenho a sorte de possuir), tem vindo a marcar várias gerações de estudantes e intelectuais. Fernando Pinto Amaral virá a escolher esta obra como um dos 100 Livros Portugueses do Século XX.

2006-11-22

Ruínas: "Castelo de Sombras", de Judith Teixeira


Em entrevistas dadas ao Diário de Lisboa de 6 de Março de 1923 e à Revista Portuguesa de 24 de Março desse mesmo ano, Judith Teixeira manifesta a clara intenção de publicar um novo livro de versos, que, como o diz a poetisa no jornal supramencionado, será um "outro livro de versos, muito serenos, muito espirituais e que não devem ofender a moralidade literária da policia...".
Até então vivia-se ainda o eco do escândalo das primícias literárias de Judith Teixeira, sabendo-se a partir daí, nessas respostas reveladoras do interesse despertado pela poetisa, da nova publicação e do seu teor, nada se conhecendo contudo a respeito do título da obra.
E será num contexto de pré-apresentação da obra anunciada que o Diário de Lisboa de 18 de Maio de 1923 (nº 648, p. 3) publicará um soneto de Judith Teixeira intitulado "Atomo", que passo, desde já, a transcrever:

Como uma bola de sabão, tão leve,
brilhante, luminosa e irisada,
sai muitas vezes meu sorriso breve
da minha bôca triste e desolada...

E nas minhas mãos, petalas de neve
duma camelia em neve desfolhada,
não cabe a dôr que meu olhar descreve,
seguindo a fragil bola iluminada!

É que o sorriso que de mim dimana
vem traduzir toda a ventura humana
simbolisada em labios de mulher...

Que tão depressa é sol de primavera,
como luz matinal duma quimera,
que mal nasce, começa a entardecer!
(Inverno - 922)

O título do soneto é constituído por uma palavra pouco recorrente na poesia portuguesa[1], que é, simultaneamente, um hápax na obra poética judithiana. Tal vocábulo instala desde logo um clima de estranheza, facilitando em pouco o início de processo hermenêutico, vendo-se assim obrigado o leitor a esperar pelo confronto textual e a prescindir momentaneamente desse importante elemento significativo que tantas vezes é adivinhação e catáfora.
Ora, partindo para a análise do soneto cujo título pertence ao reservatório lexical judithiano, diga-se desde já que a palavra titular sugere etimologicamente a ideia de indivisibilidade. Iniciando-se o soneto sob o influxo comparativo entre uma 'bola de sabão' e o 'sorriso breve' do sujeito lírico feminino ("Como uma bola de sabão, tão leve, / brilhante, luminosa e irisada, / sai muitas vezes meu sorriso breve..."), numa abertura que é ainda luz, concessão e fugidia alegria ('sorriso breve'), logo, é certo, ofuscada pela permanência do desalentamento: afinal, a alteração cinésica verificada naquela "bôca triste e desolada" é um conseguimento luminar de escassíssima duração temporal, encalhado entre o aparecimento e a desaparição de uma vulgar bola de sabão, cujo esplendor e finitude o sujeito poético observa dolorosamente. Tal atomização inscrita titularmente, que é, afinal, metáfora e destino da mulher, insinua a fluidescência do esplendor físico feminino e a entrada rápida na prescindência desse brilho. E este soneto de Judith Teixeira, erigido na rota do classicismo decassilábico e da correlata tópica amorosa, arrasta consigo, de forma subtil e visível, uma presença do corpo a um mesmo tempo defluente e alarmada: a notação do horaciano tempus fugit, que tão evidente glória granjeou na nossa literatura clássica e maneirista, inscreve-se num destino feminino que é aqui sutura e ruptura com a erótica renascentista. De facto, no percurso desalentado que o soneto transmite, existe uma presença do corpo ('sorriso', 'bôca triste e desolada', 'mãos', 'olhar' e 'labios de mulher') que, sendo tradição, é também, na actualização textual, alarme e desafio.
Tal derrogação colaborante da tradição erótica consegue-o ainda a poetisa pelo acúmulo de figuras e processos estilísticos: para lá da inicial comparação, ressuma a riquíssima adjectivação ( em reverso, dupla ou tripla), a personificação, a sinédoque e a metonímia (cf. v. 4), bem como a metaforização invasiva de grande parte do soneto. Mas, de acordo com a vontade da poetisa, e não obstante a mostração do vezo erótico desafiante, visível até na euforia estilística, o tempo é de serenidade e de pacificação. Di-lo o poema, que diz também um choro errante e dolorido pranteando a vida e a vivência do amor na inconstância do des-tino feminino. Destino esse lábil como um átomo.
Volvidos dias sobre a publicação do soneto judithiano, o mesmo Diário de Lisboa[2], na rubrica "As nossas Poetizas", publica uma nova entrevista com a escritora ("O livro Castelo de Sombras. O que nos diz a sua autora D. Judith Teixeira."), desta vez tendo por móbil a recente publicação do livro de poemas supramencionado entre parênteses. Tal informação colide com as notícias da tábua biobliográfica apresentadas por Maria Jorge e Luís Manuel Gaspar na oportuna e importante edição de Poemas , que dão Castelo de Sombras como publicado em Junho de 1923[3]. Ora, o livro foi publicado possivelmente na terceira semana de Maio. Lendo-se o teor da entrevista e as informações acompanhantes não parecem restar dúvidas sobre mês da publicação, não sendo pacífica a data exacta da saída da obra, que deverá, com grande probabilidade, ter vindo a público entre 10 e 19 de Maio.[4] O carácter probabilístico aqui assumido prende-se com a possibilidade de ter havido atrasos de impressão - e só quem não conhece o meio é que descartará tal hipótese -, explicando-se a entrevista do Diário de Lisboa pela necessidade de dar a notícia sobre o acontecimento, não havendo depois tempo para alteração, em caso de atraso na publicação da obra da poetisa. Para esta tese poderá contribuir a notícia do mesmo jornal, de 10 de Julho de 1923 (nº 693, p. 3), que dá como livro novo Castelo de Sombras, o que explica a notação de Maria Jorge e Luís Manuel Gaspar que prescreve o mês de Junho. Até prova em contrário, e sabendo do carácter movediço de todas as problemáticas que se prendam com datas, a obra terá sido publicada em Maio - veja-se o ínicio do texto da entrevista-notícia: "Judith Teixeira acaba de lançar no mercado literario um novo livro de versos." -, precedida pelo anúncio encoberto da mesma através da publicação do soneto "Átomo" em 18 de Maio de 1923, logo seguida pela amostragem textual de 10 de Julho.
Voltando à importante entrevista a Judith Teixeira, dela promanam importantes informações, umas reiterando a singularidade humana e poética da poetisa atrás conhecida, outras trazendo novidades autorais sobre assuntos literários e metaliterários. Destacam-se, por exemplo, a anotação estética e intelectual por parte do entrevistador do seu "genio delicadamente feminino", a expressão autoral de uma literatura sincera - de insinceridade, a seu respeito, falará Régio -, bem como a eficácia literária que Judith Teixeira entrevê no título, a possibilidade do leitor construtor, a inapreensão do sentido pleno ou o desvelamento da sua arte poética, exercício artístico resultante da interacção da "beleza tradicional" - leia-se tradição ou memória literária - com a exaltação da vida, não havendo, é certo, "poesia sem amor".
Como atrás ficou dito, o Diário de Lisboa nº 693 de 10 de Julho de 1923 transcreveu um conjunto de poemas de que fazem parte os títulos "Tedio", "O Palhaço", "Cantigas de Tristeza", "Maus Presagios" e "Paixão".[5] Não se sabendo, neste caso como no anterior, o autor dos textos jornalísticos, o que é certo é que as informações literárias, não podendo ser imputadas com certeza ao director e fundador do jornal Joaquim Manso, teriam o seu aval. Mas, face ao seu perfil de homem de cultura[6], não andaria ele por lá com mão diurna e até nocturna? Os textos apresentados, esses, procuravam ilustrar a modulação cinérea que recobre o livro de poemas Castelo de Sombras.
O título da nova colectânea poemática, que é, como Judith Teixeira o disse atrás, "a rápida explicação do livro" ou "a sintese do que lá está dentro", convoca, olhando tão somente à primeira palavra, a simbologia do proteccionismo e do transcendentalismo. No entanto, o último elemento da intitulação judithiana torna a expressão conflituante, valendo simbolicamente, no integrado todo, como imagem disfórica do destino marcado de forma negativa, infernal e imutável. Neste contexto, Castelo de Sombras é aqui um espaço poético circunscrito às infelicidades vitais, expressando os sentimentos fugitivos, confusos e indeterminados de um ser errante tristemente confinado a uma fortaleza sombria.
A melancolia que se levanta e instala no horizonte de expectativa do leitor é iniludível. E, no fundo, essa propriedade doentia e cinérea, ruína que rói e avança, anima a forja criativa desde sempre, levando, nesse ritmo saturnino, a mão do escrevente à escrita. Sem definição que a esgote, a melancolia acompanha nomes como os de Homero, Ovídio, D. Duarte, Nerval, Baudelaire, Holderlin, Novalis, Gontcharov, Kierkegaard e os de boa parte dos poetas portugueses de ontem e de hoje.
Judith Teixeira não poderia ficar de fora. Como poderia ela resistir, afinal, a essa força de Eros que, como diria o pessimista dinamarquês, está no coração da melancolia? Como repudiar esse quid arrasador que coloca o ser à beira da vertigem e em face da morte? Como, por último, repulsar essa crise do ser e dos seus fundamentos, se é nesse abalo que o sujeito melhor se conhece?
Castelo de Sombras, obra construída na forja saturnina, sugere, desde logo, ser a melancolia um viático para a criação, sendo correcto pensar-se este conceito um correlato da acedia dos monges medievais, que viam nessa crise interna um meio de acesso a Deus, da mesma forma que, afinal, a poetisa aí fazia radicar a sua arte poética.
A nova obra de Judith Teixeira terá vindo a lume em Maio de 1923. O primeiro poema, "Ninguém", é bem o exemplo da catáfora titular, nele se exemplificando abundantemente a crise existencial atrás tipificada e aqui expressa, neste poema da hora sombria, por uma fulgurante descrição do estado de incompletude vivido pelo sujeito lírico: "Embriaguei-me num doido desejo / e adoeci de saudade. / Cahi no vago..., no indeciso... / Não me encontro, não me vejo - prescruto a imensidade!...". Tal doença, que, como se viu, é também desafio erótico, é ainda fraccionamento egótico e desejo de mais longe.
A modulação dominante na obra é precisamente o recatamento desse estado melancólico, havendo, no entanto, variações de um mesmo tema. Assim, por exemplo, o poema "Primavera": se, por um lado, nele existe um espraiamento de alegria em conexão com os ritos sazonais que o título implica ("Estua arfando a terra inteira / na seiva de miriades de vidas / rompendo - a desabrochar..."), não deixa de ser verdade que essa euforia do embriagamento solar se atenua com o facto do emissor lírico julgar o seu coração um "mago feiticeiro da melancolia". Mas, pese embora o reverso que nele paira, este é um conseguimento no qual a poetisa, de acordo com a entrevista ao Diário de Lisboa de 21 de Maio de 1923, fala "da primavera, do sol" e canta "a alegria de viver". E, depois, ressumam neste Castelo, na mesma senda melancólica estuante de desejo: o amor quase sempre desalentado e em alarme onírico, em poemas como "Duma Carta" ou "Sonho"; as negras asas do fatalismo e da evasão nihilificante (" - Que estará p' ra acontecer?... // - Adeus!... Partir!... Esquecer!") no poema "Maus Presagios", onde perpassa uma afinidade com os dois últimos versos do portal "Inscrição" ínsitos na Clepsydra de Camilo Pessanha ("Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! / No chão sumir-se, como faz um verme..."; o dolorismo da incompreensão adveniente da introspecção permitida pelo recolhimento observador do sujeito decadente, a partir da janela ogivada do "castelo", na composição "Estranha Dôr" ("Mas, na janela ogivada, / a minha imagem palida, esguia, / tem a mesma atitude macerada, / nostalgica e doentia ... // e escuto a dôr do meu destino, / cada vez mais candente, mais vivida, maior! - A dôr dos tia... // e escuto a dôr do meu destino, / cada vez mais candente, mais vivida, maior! - A dôr dos incompreendidos... / - Estranha dôr!") ou a dor omnipresente e invasora, como acontece no sibilino poema "Inverno" ("Anda a Dôr pelos caminhos, / - ninguem a queira encontrar!..."), no saudosismo roxo do soneto "Poente" ("Sente-se a natureza soluçar... - / As ondas fogem rôxas de Saudade / por entre as rendas brancas do luar!...") e, por exemplo, nas "Quatro Cantigas de Tristeza"; a efusão vital e a surpresa eufórica, afinal, a parte reversa da melancolia, nos sonetos "Alvorecer" ("E eu, acordando alegre, sorridente, / bendigo a brasa rubra refulgente / que Deus entorna em luz pelos relvados."), "Meio Dia" ("Incendeiam-se os montes em redor - / e as vozes quentes sobem no clamor / dum hino á vida, a entoar na serra!") e "A sesta"; a autodescoberta pela libertação nostálgica, no soneto "Quem és?"; o grito libertatário ciente da diferença e do conhecimento subliminar no poema "Sonhando" ("E nos meus olhos rôxos e profundos / andam a desenhar-se novos mundos!... / Rasgando a sombra negra que me veste...), até porque, como o diz Calinescu, "ser moderno é uma opção, e uma opção heróica, porque o caminho da Modernidade está cheio de riscos e dificuldades[7]; e a pulsão mística e antifarisaica do derradeiro poema "Misticismo" ("Senhor! de que me serve este suplício, / se nem Tu conseguiste na agonia / egualar corações no sacrifício?!...").
A segunda colectânea de poemas judithiana é, face a Decadência,"muito mais conformista em tom"[8], o que parece sugerir, ainda que contra as palavras displicentes da poetisa em entrevista ao Diário de Lisboa , que a confusão provocada pelo livro inicial provocou uma certa retracção na escolha. Porém, a confiar-se na datação subscrita nos poemas - não existindo razões para nela não se acreditar -, e pensando-se nas aduções de Judith Teixeira confirmando a nova publicação, a arquitectura planificada da obra derroga a sugestão da frase anterior: é que os poemas são escritos entre a Sexta-Feira de Paixão de 1921 e Abril de 1923, tendo, portanto, visíveis confluências temporais com os de Decadência, deles se destacando pela temática unificadora que tem por motivema a composição mais antiga "Misticismo" e adjuvante a coloração violácea dos caracteres titulares impressos na capa.
Ora, o desígnio da poetisa viseense era mesmo esse: a criação de um par literário inter-dependente e ocasionalmente conflituante num mesmo corpo com face e reverso, sendo este o castelo de Thanatos, no qual se estabelece a ruptura pela desintegração de todos os laços comunicativos, e aquela o fogo desafiante e abrasador de Eros, armadilha ou liame em ritmo melancolicamente criador.
A melancolia judithiana é um cogito da modernidade que se inscreve na esteira de um Kierkegaard ou de um Baudelaire. Esse pessoano "nada que faz mal" que invade a criação da escritora Judith Teixeira, nas palavras de Armando Vasconcelos de Carvalho, a "melhor poetisa portuguesa da moderna geração"[9], e que é o motivo deflagrador da intensidade poética encontrada na sua obra, é, em Castelo de Sombras e na restante obra artística - a página 6 da presente obra anuncia, como obras a seguir, os títulos Cartas a Ninguém e Conferências de Arte, livros que terão sido o a narrativa e a conferência publicadas com diferente título -, o impulso utópico para o futuro, num esforço de mudança e diferença , que é busca de alteridade e regresso à própria sombra. E assim cada passo no ilimitado é também melancolia e realização, outra forma, aliás, de ser morte e ser amor.
A Ilustração Portuguesa. Revista semanal dos acontecimentos da vida portuguesa.Vida social, vida política, vida artística, vida literária, vida mundana, vida sportiva., doméstica publicava-se em Lisboa desde 1903 e teve a colaboração literário de inúmeros nomes ligados à literatura, de que destaco, em jeito exemplificativo, os nomes de Albino Forjaz Sampaio, António Sardinha, Aquilino Ribeiro, Carlos Malheiro Dias, Eugénio de Castro, Fernando Pessoa, João de Barros, Júlio Dantas e Manuel da Silva Gaio. Ora, da mesma forma que para Decadência, também desta vez a publicação semanal, no número de 16 de Junho de 1923, agora na sua 2ª série e com direcção do autor do consabido e importante romance Os Teles d' Albergaria , anota, com palavras recensórias[10], a vinda a lume do novo livro judithiano. Aliás, a escritora já por lá estivera representada, sob o pseudónimo de Lena de Valois, no nº 831 de 21 de Janeiro de 1922 (p. 65), bem como na na revista de 10 de Fevereiro de 1923 (p. 170), através da reprodução de um retrato seu, devidamente identificado, da autoria do futurista e pintor Carlos Porfírio. Voltando de novo ao texto da recensão a Castelo de Sombras assinado por A. de. A, diga-se que as palavras textuais prescrevem a confirmação dos méritos já demonstrados pela poetisa, sem dúvida dotada de indesmentível pessoalidade e "temperamento estético".
Alguns dias depois, precisamente em 21 de Junho de 1923, a revista ABC, por mão de Félix Correia, refere-se a Castelo de Sombras de Judith Teixeira como "um reflexo da tempestade sentimental que a agita", o que coloca o novo livro judithiano na campo da volubilidade dos sentimentos.
Por último, e como já atrás se disse, o Diário de Lisboa de 10 de Julho de 1923 destaca os poemas "cheios de sinceridade e de misterioso sentido" inseridos na obra Castelo de Sombras, essa muralha construída por acção da dor e da qual se lobrigava, através das sombrias seteiras, um mundo aflito e constrito que irradiava, pela codificação erótico-melan- cólica, sementes de atracção.
É ainda o livro em apreço um irrefragável hino à exaltação do individualismo e à diferença , condições, diga-se, que o projectam para o desejado lugar da utopia, que é instaurador, desde logo, de uma melancolia da factura num futuro a promover. E aí, na predominância decadentista que Judith Teixeira nunca renegou, radica, certamente, uma das faces da modernidade que Matei Calinescu tão exemplarmente percorreu em Five Faces of Modernity. Dessa estética pregnante, invasora e multiforme que é a poesia judithiana, sobe um apelo ao auto-reconhecimento de cada um de nós, transformando-se, assim, num tempo de recolhimento que permite o refinamento egótico na busca das suas sombras e ruínas.

[1]Esse vocábulo não obtém quaisquer ocorrências em Jean Roche, Sobre o Vocabulário da Poesia Portuguesa , "Fontes Documentais Portuguesas"-VIII, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian - Centro Cultural Português, 1975, nem tão pouco em Andre Camlong, Le Vocabulaire du Sonnet Portugais , "Fontes Documentais Portuguesas"-XXI, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian - Centro Cultural Português, 1986. A palavra 'átomo' aparece, por exemplo, em Camilo Pessanha, no poema de Clepsydra "O meu coração desce". Cf. v. 10: "Átomo miserando...".
[2] Cf. p. 5 da edição com o nº 650 de 21 de Maio de 1923 .
[3] Judith Teixeira, Poemas , Lisboa, &etc, 1996, p. 241: "1923. Junho. É publicado Castelo de Sombras. Poemas (Lisboa: Imprensa Libânio da Silva).
[4] É este o teor integral da entrevista:
"Judith Teixeira acaba de lançar no mercado literario um novo livro de versos.
Procurámos ser recebidos pela poetisa, e como sempre, o seu genio delicadamente feminino, transpareceu na gentileza com que fômos atendidos, na sua residencia tão elegante como calma e acolhedora.
- O meu livro?
- Sim, impressões sobre o seu livro. Feição literária que lhe imprimiu. Moldes artisticos com que o tratou...
- Comecemos então pelo princípio: Chama-se Castelo de Sombras , um nome simbolico e sugestivo não é? E tambem verdadeiro, quero dizer, correspondendo a um pensamento verdadeiro. É que todos nós sômos a sombra do que outros foram, somos até, ás vezes, a sombra do que fômos, e a arte, quer seja a que os pintores realizam nas suas telas, a que os musicos erguem em espirais de sons, ou a que nós cantamos nas nossas pobres paginas - não é mais que o contorno duma sombra, o reflexo da nossa sincera maneira de sêr.
- A justificação do titulo, não é?
- Sim, e ao mesmo tempo a rapida explicação do livro - porque o titulo, dalguma maneira deve ser a sintese do que lá está dentro.
- Mas o livro é sereno?
- Não percebo o que quer dizer com essa palavra - serenidade. Eu estou sempre serena quando faço os meus pobres versos. Se ha exaltação no caso, não é minha...
- Como sabe, ao seu primeiro livro atribui-se uma certa morbidez...
- Isso já não me interessa; mal iria ao artista ou literato que tivesse de andar de porta em porta a explicar palavras e atitudes, porque duma maneira ou de outra há sempre quem deturpe intenções. Vejo esses casos de censura e opinião, bastante de alto. E quem será - meu Deus! - que possuirá aquela segura , absoluta autoridade e valor, quasi a inspiração divina, que eu entendo indispensavel ao censor? Se a maior parte dos que nos deturpam pudessem conhecer as injustiças que cometem e a desilegancia das suas acções, eu creio que se arrependeriam... Mas vamos ao Castelo de Sombras , e como os castelos têm certa beleza tradicional evocativa, e as sombras não metem medo, eu suponho que os meus leitores não dirão mal. Suponho-o, como os senhores dizem, um livro sereno : Falo da primavera, do sol, canto a alegria de viver - aquela que nem todos têm! - tambem falo do riso, evoco a paixão de Cristo e tambem canto a minha dôr.
Os motivos que mais prenderam a minha atenção, foram certos recortes de paisagem, e como não ha poesia sem amor, tambem cantei o amor. E aqui tem o que suponho ser o meu livro. O resto que eu não vejo, os senhores dirão."
[5]Na referida edição, lê-se na p. 3, sob a intitulação da rubrica "Livros Novos" e o título "O Castelo de Sombras por Judith Teixeira. Transcrevem-se alguns poemas.":
"Judith Teixeira que, ha tempos, conseguiu irritar a atmosfera literaria de momento com a publicação dum livro estranho Decadencia - responde agora aos aflictivos da moral com os poemas de Castelo de Sombras - um castelo que a sua dôr ergueu e de cujas seteiras viu o mundo aflictivamente.
Dele transcrevemos hoje alguns dos seus melhores poemas, cheios de sinceridade e de misterioso sentido..."
[6] Cito a rápida informação fornecida pelo Dicionário Cronológico de Autores Portugueses coordenado por Eugénio Lisboa, vol. III, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1994, pp. 207-208, que o não denega: "MANSO, Joaquim Martins (N. Cardigos, 1878 - m. Lisboa, 1956) - Jornalista e escritor, fez preparatórios de Teologia em Portalegre, seguindo para Coimbra, onde se ordenou e continuou o estudo da Teologia, que abandonou para se formar em Direito. Advogou em Lisboa. Na Capital mantinha uma secção, "Poeira da Arcada". Foi governador civil de Vila Real, depois da República, sendo também secretário do Dr. Bernardino Machado quando este era ministro dos Estrangeiros. Foi redactor principal de A Pátria , dirigida por Nuno Simões. Em 1921 lançava, com outros jornalistas, o Diário de Lisboa , que dirigiu até morrer, escrevendo, durante largos anos, e quase exclusivamente, não só o editorial, num peculiar estilo menos jornalístico do que literário e conceituoso, como também os "ecos" ou comentários da primeira página. Os últimos livros que publicou, em edições primorosas, ostentam desenhos de Almada Negreiros. João Gaspar Simões, que no Diário de Lisboa “batalhou” três anos (antes de 1942) “pela dignificação da crítica portuguesa”, dedicou-lhe o volume Crítica I , “em reconhecimento do apoio que nunca (lhe) negou”."
[7] Matei Calinescu, As Cinco Faces da Modernidade. Modernismo, Vanguarda, Decadência, Kitsch, Pós-Modernismo , Lisboa, Vega, 1999, p. 56.
[8] Cf. Cláudia Pazos Alonso, Imagens do Eu na Poesia de Florbela Espanca , Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997, p. 46.
[9] Cf. Armando da Silva Carvalho, "Excerpto duma conferencia acêrca da Literatura Moderna ", in Diário de Lisboa de 15 de Agosto de 1927 (nº 1947).
[10] Loc. cit. , p. 766. Eximo-me à transcrição da recensão, que ocorrerá à frente, na alínea 1.3. "A recepção crítico- -literária".

Escrever a ruína

2006-11-21

memória de um grito

cinza sobre a água em espelho
traz o próximo céu a noite vindo
e são os promontórios aéreos
despenhando-se no rio nas vagas
o mais quente afago dentro da pedra.

os braços mastros escorrendo
o inverno nas janelas a sombra
na voragem onde o frio ainda.

agora a estrela brilha dentro da boca
ardendo na língua no justo sal
e os corpos e os dedos bailam.

a saliva corta os dentes a prumo
e só o sangue e a linguagem
dentro da memória dentro.

2006-11-20

rebentação

um relâmpago fende a palavra
dentro da noite dentro do mar
e nem do poço o grito surdo.

do outono as folhas douram
o musgo do corpo a seda da carne
enquanto as pedras respiram.

sem ritmo rebentam na folha
os ossos e o espaço mais íntimo.

2006-11-19

As três "mias": Epidemias, Endemias e Pandemias

vibração

um leve traço sobre a pele
voraz a mosca aprofunda
de mim possuindo o azul.

violenta morde o corpo
abrindo os interstícios
as arcas injectadas.

breve o amor vem.

2006-11-18

Lápis e memória: nos 25 anos de "Conspirador Celeste", de Fernando Luís Sampaio


Poucas vezes um primeiro livro é assim tão definitivo e nem sempre um tirocínio literário é anunciado ao mundo com um prémio iluminante como é o “Prémio Revelação de Poesia”, no caso, do ano de 1981.
Fernando Luís Sampaio, poeta também da circunstância viseense, como há algum tempo ficou dito a propósito de “Falsa partida” (2005), encerra já em “Conspirador Celeste” (1983) as lexias operativas de uma poesia que se “desfaz em imagens”, como se houvesse um lápis escutador encostado à memória prestes a explodir em traços e sugestões.
Abre a colectânea, constituída por 25 poemas, com duas epígrafes de Blanchot e Michaux, ambas aludindo à guarda celestina.
Transbordante de pletora explosiva, são imagens da infância (“A breve trecho sinto a infância à boca das / vagas”) e o súbito “trabalho da distância” que operam nos dedos da linguagem. Assume-se, pois, a memória líquida (“remexo nas gavetas”) como importante motor desta conspiração, ligando-se ao omnipresente mar (lembre-se a linhagem naviana) que escamoteia o céu castrador, um mar, aliás, que percorre todo o livro e sugestiona, como quem, contra a insídia, “busca o mar no fundo dos bolsos”.
Umas vezes, basta um verso para ser poema, como acontece na fulgurante sextilha do poema cinco que assim diz: “Em Fevereiro vai-se buscar a luz às pedras.” Outras, chega o conjunto de obsessões poéticas ( a repetição é patética, poética, no sentido de Jean Cohen) para a deflagração de um lirismo único. Palavras como ‘corpo’, ‘dedos’, ‘memória’, ‘mar’, ‘rebentação’, ‘águas’, ‘gavetas’ ou ‘céu’, com mais umas poucas, revelam o milagre da melhor poesia. Como o diz, por exemplo, o poema “Retórica da alma”, que transcrevo:

Vi depois o mar mudar de rumo
e encaminhar-se para ele, entrar-lhe
pelas veias acima, abrir-lhe lentamente
a pele, ele a contorcer-se

ao ritmo das ondas, as águas
perderem-se pelo corpo fora e
penetrarem por fim
no coração, um pequeno maremoto.


Montsalvat e Caf, é assim a poesia de Fernando Luís Sampaio. Espantosamente, desde o início…

[Texto publicado no último JORNAL DO CENTRO - http://www.jornaldocentro.pt. ]

a.q.e.l.a.l.u.z.e.


a.q.e.l.a.l.u.z.e.

Re sonho te nu(a) (s) sons e s(n)ós. Em dia a-dia ar-dor.
Aquela luz(e)

Fulva a cabeleira cai (ía). No dorso sua (do) adeja? Alv ura(s).
Aqu.ela luz(e)

que se fulge. Estremece cim tu grito ado. Ânsias. Arquejo rouco
harpejo.ado. Ah! o ai tão demorado. Quanto o tempo. Ora espaço.
De t(m)eu corpo nus.nossos. Duro. Durado (tinha) tan.to em tão pouco
foi e quero re.petir. Petio. Pé(tu)la toda tu.

A.qu’ela luz(e)
de fogo e cal(do). T-ser tecido em ti. Ai ter(te)! Sede(a). Pen-entrar.
Te. Tu. E(t)u. Sal. Sol. Só(s) sem cesse(ar)-te. D’espoj(ar-te) do cont(o)’ido tempo a m+ais.
Perder(dur)ar-te.

Aq.ela lu(z) (e).
Aquém e ela. eelaaquém. Já há tempo de ter-ser. Ser-te as.sim
mimo e bulha. Fogo. Fuge. Ard(ua)t.ar.efa. Te-ar. Te-cer. Ter-te. Aí (i).
Só(f(e)rido) desejo. In.sâ(ó).nia(o). Só(s).

a.q.e.l.a.l.u.z.e.



Paulo Neto, Viseu.
Quadro de C. Favo.

2006-11-17

Colégio de São Tomás

a noite

vi o íntimo coração
e o pulsar das vísceras
a floração do mel
e o pequeno céu.

nada soube do sangue
dentro da cal
nem do rim espacejado.

breve a noite
caída no tapete
no riso brando
nos teus dedos.

2006-11-16

O Dia da Filosofia & José Luandino Vieira




Foi um Nietzsche quem, há muito, anunciou o defeito hereditário dos filósofos, traçando um novo rumo em direcção ao filosofar histórico e à virtude da modéstia. Tenho amado os filósofos com os seus vícios e defeitos, encontrando muitos deles nos músicos, pintores, escritores e poetas, principalmente nestes. José Luandino Vieira é um logoteta admirável e um dos mais virtuosos escritores de toda a literatura de expressão portuguesa, de todos os tempos e lugares. Autor de estórias que são romances, novelas e contos, espanta sempre o lirismo dos seus textos e a plasticidade da linguagem. Capaz do melhor silêncio e da modéstia sincera, José Luandino Vieira, ao publicar recentemente O Livro dos Rios, reocupa um lugar que sempre foi seu: o dos escritores únicos. Profundo e filosofante, esta primeira parte do seu romance traça "o caminho do homem na morte..." Poderia um filósofo outro dizer melhor?

2006-11-15

olho-te

rompo o soalho a velha madeira
e persigo o que foge fora de mim.

como vulgar aracne rodopio
hesito na volta enclavinhado.

o mar chama e já não vou assim
transido na braçada de espuma.

desço agora pelo alçapão do corpo
e nas crinas das veias sangue sou.

que olhar o teu que não olha o meu?

2006-11-14

Fernando Pinto Amaral na Livraria da Praça


Fernando Pinto Amaral esteve presente, no passado dia 10, depois da 22 horas, na Livraria da Praça. Falou da revista Relâmpago e de Luís Miguel Nava, de si e da sua obra, dialogando, na parte final, com o público interessado a respeito do milagre da criação. Eis o momento aqui fixado em imagem. Sem hesitar, comprei Área de Serviço e outras histórias de amor , primeira obra ficcional de um poeta reconhecido.