2008-02-28

desavisado

um dia mais e nada
nem a flor ou o cão
sem voz inaudita
a vontade que não
mais poderá dizer.

se não te importas
agora como ontem
contigo não estarei.

agora prenderam-te
porque nada sempre
disseste quedo mudo
objecto de reclamação.

agora estás sozinho
porque te fechaste.

e agora não podes dizer nada
porque nada sabes de vozes
nem leste maiakovski brecht
niemöller ou cláudio umberto.

2008-02-27

"El siglo XIX en el Prado"



El siglo XIX en el Prado

Pintura y escultura españolas del siglo XIX en las colecciones del Prado. Javier Barón


Catálogo
Pintura. Luis Díez, Javier Barón
1. Goya y el neoclasicismo
2. El Romanticismo
3. Federico de Madrazo y el purismo académico
4. Rosales
5. La pintura de historia
6. El paisaje realista
7. Fortuny y su círculo
8. Del Realismo al fin de siglo
9. Sorolla y Beruete

Escultura. Leticia Azcue Brea

Historia de las colecciones del siglo XIX del Museo del Prado. Ana Gutiérrez Márquez


Biografías. Carlos G. Navarro, Leticia Azue Brea

Bibliografía

Índice de obras reproducidas

Edita
Museo Nacional del Prado Madrid, 2007
30x24 cm.
516 páginas
Encuadernación en rústica

48 €

2008-02-22

e de repente

e de repente um ano estoira-me nos dedos
atingindo a parte aguda do corpo. o alarme
do tempo vindo à língua. azebre corroendo
as cartilagens junto aos músculos gastos
cansados mesmo da rotina ázima. cerce
uma lâmina entra na pele. no oleoso flor
irrompe da carne ceráunio ardor na coxia
da dor exulcerativa que incendeia o corpo.
extrema a noite vem e nestes pés de verso
deito a alma despojada como formicular
via que encontro nas estrelas nos astros
dentro do sangue rebrilhantes punitivos.

2008-02-21

"O Fantasma de Chet Baker", por Marcia Frazão


Eu devia ter desconfiado quando de repente a bolacha negra surgiu do nada naquela velha loja de livros velhíssimos. O que faria uma bolacha negra no meio de poeira e traças, exibindo-se em balé de trinta e três rotações? Seria algum recado da cantora de blues que se mostrava, mostrava não, se insinuava, nas últimas frases da Náusea de Sartre? Mas Sartre já tinha morrido e os anjos já o tinham entupido de sal de andrews! Simone já estava ao seu lado e já tinham até alugado um conjugado no céu! Não, não era a cantora de jazz nem o estômago delicado do filósofo. A bolacha vinha de algum lugar do Além que ficava além de minha nauseada imaginação.
Está certo, confesso, eu andava meio nauseada, meio desligada, tão meio desafinada que entrara na loja à cata de um livro qualquer de auto-ajuda - pode rir, é pra rir mesmo - de qualquer livro de no máximo oitenta páginas burramente distribuídas em cento e oitenta parágrafos que dissessem absolutamente nada. Nada do ser e do nada nem de filosofias que me confirmassem que não há nada mais cruel que ter idéias na cabeça. Eu precisava de um tudo estofado como um sofá das Casas Bahia, de preferência em suaves prestações, comprado com um cartão de crédito que o livrinho certamente me ensinaria como obter...
Foi no intervalo entre o desejo de me perder de "si" e me achar em "dó" de mim financiado pela Fininvest ou qualquer coisa que não valha que a bolacha rodopiou aos meus pés. Estiquei os olhos e lá estava Chet Baker, o fantasma que não era de Bakersville, mas uivava para a lua com um trumpete. Lá estava ele, saído do Nada da cantora da Náusea, do Uivo de Guinsberg e das estradas de Kerouac. Me olhou com aqueles olhos de belas heroínas e me chamou para dançar. Dançar?! Eu estava ali para encontrar o Graal da mediocridade em suaves prestações! Eu já tinha jogado fora todos os meus livros e os meus discos de jazz. Agora eu queria mais era jazer numa vida despreocupada, embalada por churrasco, cerveja e piadas idiotas. Eu queria aprender de cor todas as marcas de carros (parei no chevete), aparelhos eletrônicos e tralharias digitais. E lá me vinha Chet Baker numa hora dessas me chamar para dançar? Ele e sua heroína que continuassem a girar em trinta e três rotações. E que engolissem a agulha de diamante! Eu mesma já tinha jogado a vitrola fora...
Mas por artes da heroína de Chet ou do ácido lisérgico que os anjos cismam em misturar ao ar dos poetas, a bolacha começou a tocar sozinha. O que fazer? Como não fugir de "si" no "sol" de tanta música? E foi naquele segundo em que Chet começou a tocar que desisti da mediocridade medíocre de vencer na vida com titica na cabeça e, uivando os primeiros versos do Uivo, coloquei fogo na prateleira dos livros de auto-ajuda. Levei Chet para casa e dançamos a noite toda ao som de My Funny Valentine.
Marcia Frazão

"Santo Inácio de Loyola", pelo Pe. Miguel Gonçalves


Paróquia de Nossa Senhora do Carmo

e Centro Cultural de Lisboa Pedro Hispano

Os Grandes Santos
____________________________________

Dia 21 de Fevereiro, quinta feira, 21.30

Santo Inácio de Loyola

Pe. Miguel Gonçalves Ferreira sj.

(Padre Jesuíta e Director do CUPAV))

No Salão Paroquial

(esquina da Av. Maria Helena Vieira da Silva com a R. Raul Mesnier du Ponsard)
Metro da "Quinta das Conchas"
--
Padre Duarte da Cunha
Igreja de Nossa Senhora do Carmo
Av.
Maria Helena Vieira da Silva 12 Ig

2008-02-20

declinação

cedo a superfície da pele rebenta
mal aguentando a pressão visceral
e a declinação a pique dos líquidos.

torrencial um jacto de fogo inunda
a medula e a queimada absorve
o cérebro o possível equilíbrio.

fundo poço sem fundo chama
ardente pelo esfacelado corpo
que abraça na queda a vertigem.

sempre caindo fundo sorriso cava.

2008-02-18

"D. António Alves Martins", por Júlio Cruz* ("JN" de hoje)


A 18 de Fevereiro de 1808, nascia, na Granja de Alijó, António Alves Martins que veio a ser bispo de Viseu, político de nomeada e cidadão de corpo inteiro. Hoje, passam assim 200 anos obre o seu nascimento. A Assembleia da República, por decisão do seu presidente, dr. Jaime Gama, vai prestar-lhe pública homenagem, com a presença do bispo de Viseu e dos deputados e autarcas de Vila Real e Viseu.

A AVIS - Associação para o Debate de Ideias e Concretizações Culturais de Viseu editou um álbum evocativo a ser distribuído na Assembleia da República. António Alves Martins entrou aos 16 ano para o Convento da Ordem Terceira de S. Francisco, vestindo o hábito de professo franciscano a 21 de Maio de 1825.

Foi depois estudar Filosofia para Évora, no Colégio do Espírito Santo e, em Outubro de 1826, matriculou-se no Colégio das Artes, em Coimbra, em Filosofia, Teologia e Matemática. Em 1842, passou a leccionar no Liceu do Porto as disciplinas de Geografia, Cronologia e História. Nesse ano, entrou para o Parlamento como deputado por Trás-os-Montes. Foi parlamentar nas legislaturas de 1842/45, 1851/56, 1858/1864, em representação do Partido Reformista.

Em finais de 1852, foi nomeado lente de Teologia, mas renunciou preferindo um canonicato na Sé Patriarcal de Lisboa e, em 2 de Julho de 1862, foi nomeado bispo de Viseu, sendo sagrado a 1 de Novembro de 1862, dando entrada solenemente na diocese em 29 de Janeiro de 1863.

Par do Reino desde 1864, foi ministro do Reino de 22 de Julho de 1868 a 11 de Agosto de 1869, ministro do Reino e dos Negócios da Instrução Pública de 27 de Agosto de 1870 a 30 de Janeiro de 1871 e, por três vezes, interinamente, sobraçou o Ministério da Justiça (22 de Julho a 16 de Agosto de 1868, de 18 de Junho a 24 de Julho de 1869 e de 16 de Setembro a 1 de Novembro de 1870.

Foi um prelado amigo do povo, demasiado amigo do povo, o que levou a que aquando da sua morte todos os restantes bispos se recusassem a presidir ao seu funeral, foi preciso vir o bispo de Bragança que se encontrava extremamente debilitado para o fazer. Mas, na cidade, quase ninguém ficou em casa e uma multidão acompanhou-o ao cemitério. Ora, diz o povo, "os pobres só choram pelos bons".

Claro que de permeio com tudo isto esteve a política. D. Alves Martins foi um liberal assumido. Já enquanto estudante de Coimbra, foi preso e condenado a ser fuzilado no Terreiro de Santa Cristina, em Viseu, em 1834, salvou-se in extremis por ter conseguido evadir-se da cadeia com mais três companheiros.

Foi depois panfletário e jornalista distinto, lutando pelos seus ideais de verdade, justiça, caridade e liberdade. Mas, acima de tudo, foi estadista, tendo sido deputado e ministro do Reino entre 1868 e 1870. Dele disse na Câmara dos Deputados, em 19 de Janeiro de 1907, o dr. António José de Almeida, que viria a ser presidente da República " O bispo de Viseu merece todas as considerações. Foi um grande patriota, um grande liberal e um grande homem de bem ".

D. Alves Martins morreu pobre, no Paço Episcopal do Fontelo, a 5 de Fevereiro de 1882, tendo o seu corpo sido levado para a capela de Santa Marta.

Camilo Castelo Branco haveria de escrever, em 1870, o esboço biográfico de D. António Alves Martins, bispo de Viseu e na carta de pêsames, de 13 de Fevereiro de 1882, enviada à irmã do prelado após a morte deste, haveria de escrever "Nunca, neste país, faleceu um homem da alta esfera do sr. bispo que deixasse uma memória tão sem nódoas e uma pobreza tão rica de exemplos de virtude."

*Secretário-geral da AVIS (Associação para o Debate de Ideias e Concretizações Culturais de Viseu)

II Curso de Formação Geral para o Voluntariado


"Patinir." - Estudios y catálogo crítico


Introducción. Alejandro Vergara

Ensayos
¿Quién era Patinir?¿Qué es un Patinir?. Alejandro Vergara

Joachim Patinir, "el buen pintor de paisajes", en las fuentes escritas. Maximiliaan P.J. Martens

El diablo está en el detalle. Maneras de ver los "paisajes del mundo" de Joaquim Patinir. Reindert L. Falkenburg

Ventajas múltiples, producción moderada: reflexiones sobre Patinir y el mercado. Dan Ewing

Patinir y las representaciones paisajísticas en Flandes. Catherine Reynolds

El paisaje en la iluminación flamenca de manuscritos en el siglo XV. Thomas Kren

Una reconsideración de Patinir como dibujante. Stefaan Hautekeete

Catálogo crítico

Apéndice I. Documentos y fuentes bibliográficas relativos a Joaquim Patinir. Selina Blasco y Maximiliaan P.J. Martens

Apéndice II. Cronología de Joaquim Patinir. Alejandro Vergara

Bibliografía

Índice onomástico

Edita
Museo Nacional del Prado
Madrid, 2007
28x21 cm
401 páginas.
Ilustraciones
Encuadernación en rústica con solapas

50 €

2008-02-15

Olhar azul sobre a semana: 7 escolhas à 6ª

Paulo Furtado (Wraygunn) [Acert, 2 de Fevereiro]

Informa a revista “Sábado” que a maioria dos chefes não tem cura. Identificando facetas (20, no caso), Ana Taborda diz que chefe pode ser cruel, corrupto, humilhador, narcisista, parasita, terrorista psicológico, egoísta, mafioso, camaleão, sedutor, mentiroso compulsivo, básico, manipulador, aproveitador, artificial, competitivo, charlatão, frio, omnipotente e recalcado. Conheço mesmo um chefe que parece ter todas as qualidades apontadas, mostrando uma superioridade caldeada nos vinte apodos. Eu não aponto, porque é feio apontar. Dizem mesmo que é despoupado, desendinheirado e despatrimoniado. Tanta perfeição é de chefe e traz água no bico.


Da semana que agora finaliza, e olhando para os jornais e revistas, destacam-se:



1) a enésima derrota de Isabel Pires de Lima e do seu (des)governo, ao ver confirmados os méritos de Dalila Rodrigues, académica conhecida e nova responsável pela Direcção de Comunicação de Marketing e Desenvolvimento da Fundação Casa da Música, no Porto – Dalila Rodrigues foi mesmo a “Figura do dia” de um dos jornais nacionais;



2) a reedição do aquiliniano “Um Escritor Confessa-se”, pela Bertrand, memorial revisto e aumentado, com prefácio de Mário Soares, que apresentou hoje o livro, no Auditório da “sua” Fundação, em Lisboa;




3) em contraponto, não vá ser Aquilino o propalado “terceiro homem” do grupo de assassinos de D. Carlos, a estreia anunciada, para o dia 25 deste mês, pelas 21 horas, no canal História, do documentário “D. Manuel II, o Rei traído” (55 minutos), de Rui Pinto de Almeida e Alexandrina Pereira, com comentários de D. Duarte de Bragança, Mendo Castro Henriques e Rui Ramos;



4) a doação do espólio literário de António Osório à BN, assim permitindo o acesso do público a um importante arquivo documental (icónico, manuscrito e dactiloscrito);



5) a luta exemplar de professores (60) e, sem pasmo, de alguns pais, que, na Escola Básica Integrada de Eixo (Aveiro), estão de luto, pela educação;



6) a eleição do benfiquista Nelson Évora como melhor atleta europeu de mês de Janeiro, pela Associação Europeia de Atletismo;



7) e, por último, a presença de temas de Paulo Furtado [ver imagem], como membro dos Wraygunn e como Legendary Tigerman, na próxima edição da Paris Fashion Week.

2008-02-14

"Los quintos"



Con el licenciamiento el pasado año (2001) de los últimos soldados de
reemplazo del Ejército español, terminaba una época, iniciada a mediados del siglo
XVII, en la que diversos métodos de reclutamiento habían resuelto la necesidades del
contingente para hacer frente a las circunstancias bélicas de cada
momento.
Sobre los orígenes y procedimientos del sorteo, reclutamiento y
servicio militar en general se ha escrito bastante, sin embargo no existen muchas
investigaciones sobre el impacto en la sociedad tradicional española de un
acontecimiento que, sin duda, marcaba claramente el paso de la pubertad a la madurez
del individuo. Los trabajos relacionados con el tema que se incluyen demuestran la
importancia que lo militar, y concretamente la popular "mili", tenían en la vida
cotidiana de nuestras comunidades rurales: la entrañable figura del "quinto" y su
protagonismo durante el año de su "quinta" en fiestas y demás celebraciones
colectivas, así como la categorización como "rito de paso" y las similitudes con los
rituales en otras sociedades ancestrales; la espontaneidad de las "canciones de
quintos", crónica fiel del sentimiento popular y ejemplo de transmisión de tradición
oral en sociedades rurales en tiempos remotos; la repercusión de la aplicación de la
legislación sobre reclutamiento en estas mismas sociedades y las "industrias"
nacidas en su entorno....

Las sociedades de quintos: su vinculación con los
ritos de paso y con el ciclo festivo español.
Consolación González Casarrubios
y Pablo González-Pola de la Granja

Las canciones de quintos: evolución,
poética, sociología.
José Manuel Pedrosa

¡Viva los quintos! Llegar a
ser quinto en la sociedad tradicional.
Cristina Borreguero
Beltrán

Ritos y rituales cuarteleros.
Fernando Puell de la
Villa

Catálogo

Edita
Fundación Joaquín
DíazMinisterio de Educación, Cultura y DeporteUrueña, 200226x17
cm141 páginas. Fotografías. IlustracionesEncuadernación en tela editorial
grabada con sobrecubierta

25 €

2008-02-13

"O Processo Desaparecido: Dossier Regicídio", de Mendo Castro Henriques, Maria João Medeiros, Jaime Regalado, João Mendes Rosa e Luiz Moniz Bandeira







Isento e documentado, eis um livro, já em 2ª edição, fundamental para a compreensão das convulsões do início do século XX. Não posso ainda deixar de agradecer a honrosa inserção de um texto publicado neste blogue sobre o escritor viseense António de Albuquerque. Porque daqui saído, aqui o deixo de novo aos leitores, com melhor roupagem e outro estro acompanhando.



2008-02-10

línguas de fogo

um gancho frio abre o corpo
que espacejado jaz no asfalto
e súbita uma lâmina brilha
contra a pele assim arada...

que morte outra cristalina
assim dentro da noite súbita?

nem o cão o sonha a cerveja
blindada dentro do estômago
quente afagando as vísceras
o melhor amigo íntimo sangue.

breve só a sede o sal na língua.

2008-02-08

"Padre António Vieira, 400 anos", por José Eduardo Franco



Pastel de Portinari
Jesuíta nascido a 6 de Fevereiro de 1608 ficou na história da literatura, da política e da Igreja Portuguesa .

I - Padre António Vieira (1608-1697), nome grande da cultura, da literatura, da política e da Igreja Portuguesa. Teria bem merecido ficar entre os 10 maiores portugueses de sempre no controverso programa da RTP. Um desses 10 grandes portugueses eleitos pelos telespectadores, Fernando Pessoa, elevou Vieira ao estatuto de "Imperador da Língua Portuguesa" nas suas simbólicas biografias poéticas que consagrou na sua Mensagem:

"O céu estrela o azul e tem grandeza
Este, que teve a fama e a glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também".

A sua vida dava uma longa metragem de Hollywood, um fascinante filme de acção rodado em vários cenários: casas e ruas de Lisboa, cortes, ambientes de viagens marítimas em frotas navais a atravessar o atlântico, colégios, igrejas, floresta amazónica, palcos de guerras, naufrágios e aventuras, viagens por terra e por mar pela Europa Central,…
António Vieira nasceu em Lisboa junto da Sé. Aos 6 anos teve que se transferir para o Brasil. Acompanhou com a família o seu pai que tinha sido destacado para desempenhar funções na Alfândega de Salvador da Baía, então capital daquela colónia portuguesa. Entrou para o colégio da Companhia de Jesus daquela cidade, desejando ser missionário e dedicar a vida à conversão dos ameríndios. Tornou-se jesuíta e evidenciou-se rapidamente como um mestre da palavra: um ardente evangelizador e defensor dos índios, nomeadamente lutando contra a voragem esclavagista que grassava então nas terras de Vera Cruz.
Brilha no Brasil como pregador de palavra competente, firme e incisiva. Os seus sermões de crítica social acusam a consciência dos poderosos, convertem populações indígenas, animam as tropas portuguesas contra as investidas da pirataria, particularmente das frotas holandeses e apelam para uma igreja mais evangélica.
Mas em 1641, proclamada a Restauração da Independência de Portugal, foi convidado a acompanhar a delegação enviada pelo vice-rei, Marquês de Montalvão, a fim de jurar fidelidade e reconhecimento ao monarca português, D. João IV. Em Lisboa teve a oportunidade de revelar os seus dotes oratórios como pregador e logo conquistou a admiração não só do povo, mas também do rei que o convidou para ser seu pregador pessoal. Foi então nomeado para o importante cargo de Pregador Régio, a fim de pregar regularmente à família real e à corte.
Instituído neste papel tão influente, desempenhou um papel decisivo no aconselhamento político do governo do reino. A pertinência e inteligência das suas propostas causaram a admiração de muitos, mas também as hostilidades de alguns quantos instalados nos seus interesses. O rei, que o admirou sempre e lhe devotou uma amizade incondicional desde a primeira hora, incumbiu-o de missões diplomáticas extraordinárias nos chamados Países Baixos, na Holanda, para defender os interesses do Portugal restaurado e angariar meios para garantir a protecção dos territórios ultramarinos, com especial atenção para o grande território do Brasil.
Na sequência das suas viagens diplomáticas propôs uma série de projectos reformistas no plano económico e social. Merecem especial menção os seus projectos de criação de companhias comerciais monopolistas, à luz do modelo das companhias holandeses e inglesas. Estas propostas vieirianas anteciparam um século os projectos pombalinos de reforma da economia portuguesa. Mais ousada e avançada para a época foram as suas propostas de reforma da Inquisição, particularmente visavam o fim das denúncias anónimas e do confisco de bens, a abolição da discriminatória distinção social entre cristãos-velhos e cristãos-novos e a concomitante apologia do regresso a Portugal dos judeus expulsos no século anterior. Acreditava que o nosso país tinha erradamente perseguido e dispensado um grupo social empreendedor que fez a grandeza do Portugal dos Descobrimentos. Os descendentes de judeus estavam então na Holanda com a sua conhecida capacidade de empreendimento económico a sustentar a expansão do emergente império holandês, enquanto Portugal jazia em dificuldades enormes para garantir a sobrevivência do seu império ultramarino agora à mercê de piratas e da cobiça conquistadora dos novos impérios europeus.

II - Aliando o seu idealismo evangélico ao pragmatismo político, Vieira criticou fortemente o poder e os métodos do Santo Ofício português que tinha excluído os descendentes de judeus e mouros, entretanto convertidos sob a designação de cristãos-novos. Aquele tribunal impedia aqueles grupos étnicos de contribuir para a afirmação do país. Desejava uma inquisição mais pedagógica e menos persecutória.
Em favor dos índios brasileiros apresentou propostas de reforma administrativa das aldeias missionárias, mais conhecidas por reduções ou aldeamentos missionários, de modo a conceder aos padres missionários poder não só espiritual mas também temporal sobre os missionandos. Pretendia assim proteger de forma mais eficaz as populações indígenas das frequentes incursões esclavagistas dos colonos.
Todavia, este jesuíta genial, que enchia as igrejas a abarrotar e esvaziava os teatros quando pregava, não foi compreendido por muitos dos seus contemporâneos, devido às suas propostas e à sua visão crítica da sociedade, da Igreja e do exercício do poder.
A Inquisição acabou por prendê-lo e condená-lo, depois da morte do seu protector D. João IV, nos anos 60 do século XVI. As razões alegadas para a sua condenação não só tiveram a ver com a sua defesa dos Judeus, mas também com o facto de ter concebido uma utopia universalista que sonhava uma nova era ecuménica de fraternidade e compreensão entre todos os povos, culturas e sensibilidades religiosas. Esta utopia ficou conhecida pelo nome de Quinto Império.
Com base na mensagem de Cristo idealizou para o mundo a construção de uma espécie de civilização do amor, onde o respeito e a fraternidade para com os outros, para com o diferente, assim como a relação harmónica com a natureza fossem as formas de estar quotidianas. A sua utopia cristã de reunião de todos os homens num abraço universal de paz é considerada a mais generosa utopia sonhada na Europa do seu tempo. Era uma utopia que propunha uma solução para os conflitos que se agudizavam em vários pontos do globo naquele tempo da emergente era da protoglobalização.
No entanto, a sua condenação pelo Santo Ofício português acabou por ser anulada pelo Papa, na sequência de uma viagem de peregrinação que Vieira fez a Roma no final da década de 60 e onde permaneceu depois até 1675. Durante a sua estadia em Roma, depois de ter aprendido rapidamente italiano, voltou a destacar-se como um pregador brilhante, de tal modo que conquistou a admiração do Papa e até da Rainha Cristina da Suécia então exilada com a sua corte na Cidade Eterna. O Sumo Pontífice convidou-o para pregar à corte papal, a Rainha Cristina quis insistentemente nomeá-lo seu pregador pessoal. Mas o desejo do grande pregador português não era ficar longe de Portugal por maior que fosse o prestígio dos convites de tão poderosos senhores europeus para permanência longe do seu país.
O Papa deixou-o regressar e fez mais do que Vieira poderia esperar: usou da sua autoridade para moderar os excessos da inquisição portuguesa. Reconhecendo as injustiças e erros praticados nos processos judiciais do tribunal, o Sumo Pontífice chegou a suspender a inquisição durante 7 anos (1675-1681), na sequência da apresentação provada dos relatórios críticos de António Vieira sobre os modos de procedimentos da Inquisição. Foi de facto Vieira quem pioneiramente contribuiu para que a inquisição fechasse as portas pela primeira vez em Portugal.
De regresso às terras lusas, Vieira desejava cumprir, nos últimos anos da sua vida, aquele que era o seu ideal de juventude: dedicar-se à evangelização dos índios. Volta então para o Brasil e volta a realizar expedições missionárias na Amazónia e a criar aldeias missionárias nos sertões brasileiros. Por fim será nomeado pelo Superior Geral para exercer as funções de Visitador das Missões do Norte do Brasil.
Vieira além de ter elevado a língua portuguesa a uma perfeição nunca vista, explorando ao máximo as suas capacidades de expressão, de polissemia, de subtileza, contribuiu para sonhar um futuro melhor para Portugal e para a humanidade, de tal modo que o historiador francês Raymond Cantel considerou-o, nos anos 60 do século XX, precursor dos projectos contemporâneos de criação de organismos internacionais para o entendimento entre os povos do mundo, como é o caso da ONU.
Vieira, figura maior da missionação, das relações entre Portugal e o Brasil e com a Europa, cantado pelos Brasileiros e considerado um luminar da literatura portuguesa e europeia do tempo do Barroco, é um português e um homem de igreja de coração universal cuja vida e obra ainda muito pode inspirar os nossos contemporâneos que desejam um mundo mais justo e fraterno.

José Eduardo Franco, Historiador

2008-02-07

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI PARA A QUARESMA 2008


«Cristo fez-Se pobre por vós» (cf. 2 Cor 8, 9)

Queridos irmãos e irmãs!

1. Todos os anos, a Quaresma oferece-nos uma providencial ocasião para aprofundar o sentido e o valor do nosso ser de cristãos, e estimula-nos a redescobrir a misericórdia de Deus a fim de nos tornarmos, por nossa vez, mais misericordiosos para com os irmãos. No tempo quaresmal, a Igreja tem o cuidado de propor alguns compromissos específicos que ajudem, concretamente, os fiéis neste processo de renovação interior: tais são a oração, o jejum e a esmola. Este ano, na habitual Mensagem quaresmal, desejo deter-me sobre a prática da esmola, que representa uma forma concreta de socorrer quem se encontra em necessidade e, ao mesmo tempo, uma prática ascética para se libertar da afeição aos bens terrenos. Jesus declara, de maneira peremptória, quão forte é a atracção das riquezas materiais e como deve ser clara a nossa decisão de não as idolatrar, quando afirma: «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Lc 16, 13). A esmola ajuda-nos a vencer esta incessante tentação, educando-nos para ir ao encontro das necessidades do próximo e partilhar com os outros aquilo que, por bondade divina, possuímos. Tal é a finalidade das colectas especiais para os pobres, que são promovidas em muitas partes do mundo durante a Quaresma. Desta forma, a purificação interior é corroborada por um gesto de comunhão eclesial, como acontecia já na Igreja primitiva. São Paulo fala disto mesmo quando, nas suas Cartas, se refere à colecta para a comunidade de Jerusalém (cf. 2 Cor 8-9; Rm 15, 25-27).

2. Segundo o ensinamento evangélico, não somos proprietários mas administradores dos bens que possuímos: assim, estes não devem ser considerados propriedade exclusiva, mas meios através dos quais o Senhor chama cada um de nós a fazer-se intermediário da sua providência junto do próximo. Como recorda o Catecismo da Igreja Católica, os bens materiais possuem um valor social, exigido pelo princípio do seu destino universal (cf. n. 2403). É evidente, no Evangelho, a admoestação que Jesus faz a quem possui e usa só para si as riquezas terrenas. À vista das multidões carentes de tudo, que passam fome, adquirem o tom de forte reprovação estas palavras de São João: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como pode estar nele o amor de Deus?» (1 Jo 3, 17). Entretanto, este apelo à partilha ressoa, com maior eloquência, nos Países cuja população é composta, na sua maioria, por cristãos, porque é ainda mais grave a sua responsabilidade face às multidões que penam na indigência e no abandono. Socorrê-las é um dever de justiça, ainda antes de ser um gesto de caridade.

3. O Evangelho ressalta uma característica típica da esmola cristã: deve ficar escondida. «Que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita», diz Jesus, «a fim de que a tua esmola permaneça em segredo» (Mt 6, 3-4). E, pouco antes, tinha dito que não devemos vangloriar-nos das nossas boas acções, para não corrermos o risco de ficar privados da recompensa celeste (cf. Mt 6, 1-2). A preocupação do discípulo é que tudo seja para a maior glória de Deus. Jesus admoesta: «Brilhe a vossa luz diante dos homens de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos Céus» (Mt 5, 16). Portanto, tudo deve ser realizado para glória de Deus, e não nossa. Queridos irmãos e irmãs, que esta consciência acompanhe cada gesto de ajuda ao próximo evitando que se transforme num meio nos pormos em destaque. Se, ao praticarmos uma boa acção, não tivermos como finalidade a glória de Deus e o verdadeiro bem dos irmãos, mas visarmos antes uma compensação de interesse pessoal ou simplesmente de louvor, colocamo-nos fora da lógica evangélica. Na moderna sociedade da imagem, é preciso redobrar de atenção, dado que esta tentação é frequente. A esmola evangélica não é simples filantropia: trata-se antes de uma expressão concreta da caridade, virtude teologal que exige a conversão interior ao amor de Deus e dos irmãos, à imitação de Jesus Cristo, que, ao morrer na cruz, Se entregou totalmente por nós. Como não agradecer a Deus por tantas pessoas que no silêncio, longe dos reflectores da sociedade mediática, realizam com este espírito generosas acções de apoio ao próximo em dificuldade? De pouco serve dar os próprios bens aos outros, se o coração se ensoberbece com isso: tal é o motivo por que não procura um reconhecimento humano para as obras de misericórdia realizadas quem sabe que Deus «vê no segredo» e no segredo recompensará.

4. Convidando-nos a ver a esmola com um olhar mais profundo que transcenda a dimensão meramente material, a Escritura ensina-nos que há mais alegria em dar do que em receber (cf. Act 20, 35). Quando agimos com amor, exprimimos a verdade do nosso ser: de facto, fomos criados a fim de vivermos não para nós próprios, mas para Deus e para os irmãos (cf. 2 Cor 5, 15). Todas as vezes que por amor de Deus partilhamos os nossos bens com o próximo necessitado, experimentamos que a plenitude de vida provém do amor e tudo nos retorna como bênção sob forma de paz, satisfação interior e alegria. O Pai celeste recompensa as nossas esmolas com a sua alegria. Mais ainda: São Pedro cita, entre os frutos espirituais da esmola, o perdão dos pecados. «A caridade – escreve ele – cobre a multidão dos pecados» (1 Pd 4, 8). Como se repete com frequência na liturgia quaresmal, Deus oferece-nos, a nós pecadores, a possibilidade de sermos perdoados. O facto de partilhar com os pobres o que possuímos, predispõe-nos para recebermos tal dom. Penso, neste momento, em quantos experimentam o peso do mal praticado e, por isso mesmo, se sentem longe de Deus, receosos e quase incapazes de recorrer a Ele. A esmola, aproximando-nos dos outros, aproxima-nos de Deus também e pode tornar-se instrumento de autêntica conversão e reconciliação com Ele e com os irmãos.

5. A esmola educa para a generosidade do amor. São José Bento Cottolengo costumava recomendar: «Nunca conteis as moedas que dais, porque eu sempre digo: se ao dar a esmola a mão esquerda não há de saber o que faz a direita, também a direita não deve saber ela mesma o que faz » (Detti e pensieri, Edilibri, n. 201). A este propósito, é muito significativo o episódio evangélico da viúva que, da sua pobreza, lança no tesouro do templo «tudo o que tinha para viver» (Mc 12, 44). A sua pequena e insignificante moeda tornou-se um símbolo eloquente: esta viúva dá a Deus não o supérfluo, não tanto o que tem como sobretudo aquilo que é; entrega-se totalmente a si mesma. Este episódio comovedor está inserido na descrição dos dias que precedem imediatamente a paixão e morte de Jesus, o Qual, como observa São Paulo, fez-Se pobre para nos enriquecer pela sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9); entregou-Se totalmente por nós. A Quaresma, nomeadamente através da prática da esmola, impele-nos a seguir o seu exemplo. Na sua escola, podemos aprender a fazer da nossa vida um dom total; imitando-O, conseguimos tornar-nos disponíveis para dar não tanto algo do que possuímos, mas darmo-nos a nós próprios. Não se resume porventura todo o Evangelho no único mandamento da caridade? A prática quaresmal da esmola torna-se, portanto, um meio para aprofundar a nossa vocação cristã. Quando se oferece gratuitamente a si mesmo, o cristão testemunha que não é a riqueza material que dita as leis da existência, mas o amor. Deste modo, o que dá valor à esmola é o amor, que inspira formas diversas de doação, segundo as possibilidades e as condições de cada um.

6. Queridos irmãos e irmãs, a Quaresma convida-nos a «treinar-nos» espiritualmente, nomeadamente através da prática da esmola, para crescermos na caridade e nos pobres reconhecermos o próprio Cristo. Nos Actos dos Apóstolos, conta-se que o apóstolo Pedro disse ao coxo que pedia esmola à porta do templo: «Não tenho ouro nem prata, mas vou dar-te o que tenho: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda» (Act 3, 6). Com a esmola, oferecemos algo de material, sinal do dom maior que podemos oferecer aos outros com o anúncio e o testemunho de Cristo, em cujo nome temos a vida verdadeira. Que este período se caracterize, portanto, por um esforço pessoal e comunitário de adesão a Cristo para sermos testemunhas do seu amor. Maria, Mãe e Serva fiel do Senhor, ajude os crentes a regerem o «combate espiritual» da Quaresma armados com a oração, o jejum e a prática da esmola, para chegarem às celebrações das Festas Pascais renovados no espírito.

Com estes votos, de bom grado concedo a todos a Bênção Apostólica.

Vaticano, 30 de Outubro de 2007.

BENEDICTUS PP. XVI © Copyright 2007 - Libreria Editrice Vaticana

[Agradecimentos a Pedro Aguiar Pinto]

2008-02-06

Vivência da Quaresma (Associação de Pais dos Alunos do Colégio São João de Brito)


Caros Amigos
A Associação de Pais dos Alunos do Colégio São João de Brito editou, mais uma vez este ano, as folhas que seguem no ficheiro anexo para nos ajudar a viver a Quaresma, preparando a grande Festa da Ressurreição do Senhor.
Fizemos esta edição electrónica para conseguir chegar a muita gente. Por isso aqui vo-la envio, com um pedido: Partilhem com os vossos amigos e familiares, enviando-o também para eles e convidando-os a juntarem-se a todos nós nesta oração.
E, no Domingo de Páscoa, levemos a todos a grande notícia: O Senhor ressuscitou! Aleluia!
Está também disponível para “download” na nossa página: www.apacsjb.no.sapo.pt <http://www.apacsjb.no.sapo.pt/>
Um abraço
João Cordovil Cardoso
Lisboa – Portugal

Lançamento de "O Discurso do Método", novo livro de poesia de Nuno Rebocho


Centro Cultural Teatro da Maloposta

Canto Escuro, editora

e Nuno Rebocho convidam

lançamento de “O Discurso do Método”

novo livro de poesia de Nuno Rebocho

dia 8, sexta-feira, 21H30 no Centro Cultural da Malaposta* (Odivelas)

apresentação pelo escritor e poeta Mário Máximo

poemas ditos por Vítor Nobre e pelo autor

O Discurso do Método é uma edição Canto Escuro, com posfácio de Jorge Velhote e capa sobre um quadro do pintor Jorge Marcel

Deste livro escreveu Jorge Velhote: “As palavras estão carregadas de vidros golpeantes para uso de mãos de ourives e consequentemente derramam sangue sobre a linguagem e assim escutamos a mudez dos objectos, dissonantemente, e, na sua finitude, estes poemas desencadeiam franjas biográficas, ligações entre máscaras e sentimentos, um devir erótico, essencialmente trágico, porque o vazio da morte do que escreve ressuscita a repetição do corpo, do seu próprio e exclusivo corpo, o enigma de um devir efémero, ferida subjacente à paisagem como um ombro cósmico onde se colocam os dedos do desejo: -- mistério dionisíaco para organização do caos e da linguagem, terror tão intenso e consentido”.

- a residir actualmente em Cabo Verde, o autor de “A Arte de Matar” e de “Cantos Cantábricos” vem a Portugal para a apresentação do seu novo livro

* ao pé da estação do metro “Senhor Roubado”

2008-02-05

"Remodelação vinga Dalila Rodrigues", por Carlos Vieira e Castro


José Sócrates - o “Sócras”, como já ouvi várias vezes dizer a camponeses mais duros de ouvido ou menos destravados da língua - optou por fazer uma remodelação não demasiado extensa (para alívio de Maria de Lurdes Rodrigues e Mário Lino), não dando, assim, a entender uma assunção da incompetência do governo no seu todo, e, logo, da sua liderança e do seu programa de governo em particular, nem demasiado minimalista, para que não se pensasse que sacrificava o mártir Correia de Campos na fogueira do descontentamento popular.

O ministro da Saúde ainda estrebuchou nos últimos dias, multiplicando-se em entrevistas e intervenções a tentar explicar o que já toda a gente tinha percebido: a sua obsessão pela redução da despesa levou-o a exceder a direita mais assumida acelerando o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com o fecho de maternidades, SAPs e serviços de urgências, sem ter concluído a instalação da Rede Nacional de Serviços de Urgência e os meios de emergência pré-hospitalar, ao mesmo tempo que continuava a financiar os grandes grupos financeiros privados, oferecendo, de bandeja, 10 novos hospitais aos bancos e ao grupo Mello. Uma administradora do grupo BES/Saúde, disse publicamente que “melhor negócio do que a saúde, só o das armas”.

À contestação do povo, de Norte a Sul, acrescentou-se a iniciativa do Bloco de Esquerda de promover uma petição para obrigar a Assembleia da República a responsabilizar-se pela defesa do SNS geral, universal e gratuito. O primeiro subscritor é António Arnaut, socialista e ex-ministro dos Assuntos Sociais, fundador do SNS, e em oitavo lugar surge o nome de Manuel Alegre. Há até quem pense que Sócrates foi buscar Ana Jorge para dividir o movimento de Alegre.

Isabel Pires de Lima deixa atrás de si um “rasto de destruição e retrocesso” na Cultura portuguesa, como é referido na petição que já ia perto de três mil artistas, criadores e agentes culturais, dirigida ao primeiro ministro a exigir a sua demissão. São quase mais mil pessoas do que as que subscreveram a petição on-line de apoio a Dalila Rodrigues, repudiando o seu afastamento de directora do Museu Nacional de Arte Antiga, onde estava a fazer um trabalho notável, como já tinha feito no Museu Grão Vasco.

“Há horas felizes!” Não para a ex-ministra da Cultura, que até se pode sentir aliviada por ter sido autorizada pela Comissão de Ética da AR a regressar ao Parlamento, mas, sobretudo para Dalila Rodrigues que, na passada quinta-feira, um dia depois de Isabel Pires de Lima ter sido despedida, lançou em Viseu, no Teatro Viriato, o seu livro sobre “Grão Vasco”. Trata-se de uma edição muito cuidada da “Aletheia Editores”, com um excelente grafismo. Dalila Rodrigues, numa linguagem acessível, repõe a verdade sobre alguns mitos biográficos do mestre renascentista e analisa a evolução da sua obra, relacionando-a com as paisagens e as personagens que rodeavam o “Grande Vasco”. Para os viseenses será ainda uma oportunidade de viajar no tempo pelas ruas e ambientes da Viseu quinhentista de que ainda restam belos vestígios.

Muita gente esteve presente no Teatro Viriato, com representantes oficiais, civis, militares e religiosos (o bispo de Viseu esteve na mesa, ao lado da editora Zita Seabra, do “sponcer” Fernando Ruas, e do anfitrião Paulo Ribeiro, talvez numa espécie de alusão histórica à importância que teve a Igreja, a principal encomendante das obras de Gão Vasco e à “a acção decisiva do bispo D. Miguel da Silva não apenas no percurso artístico do pintor, mas nas reformas que promoveu na cidade”, como diz a autora no livro). Porém, não devemos esquecer que foi no Renascimento que começou a separação da Igreja e do Estado, com o próprio Estado Papal (com os Bórgias, por exemplo) a lançar-se na secularização à medida que ia aumentando o seu poder terreno e o seu pecaminoso epicurismo. Boccaccio e Maquiavel testemunharam-no.

Mas, no meio de tanta gente, uma ausência inundou o espaço acanhado do “foyer” do Teatro Viriato: a da actual directora do Museu Grão Vasco. Ouvi dizer que uma consulta médica a obrigou a fazer-se representar por um elemento da equipa técnica do museu. Equipa que, aliás, esteve presente em peso, num reconhecimento pela competência de Dalila Rodrigues na direcção de uma equipa que tinha estado e continua a estar subaproveitada e sujeita a pressões e perseguições. Ana Pais Abrantes respondeu, em entrevista ao Diário Regional, às críticas de Dalila Rodrigues à ausência de projecto da actual directora, afirmando que tinha feito várias iniciativas: para além de trabalhos de restauro, promoveu o “Museu porta a porta” que “foi muito bem recebido pelo Hospital de S. Teotónio”. Não duvido que o Hospital, ao ver o estado do museu, lhe tenha dado prioridade máxima no serviço de urgência.

Até Fernando Ruas, a quem Dalila agradeceu o apoio ao livro, disse ter saudades das parcerias que fez com o Museu no tempo em que ela foi directora.

“DÚVIDA”

Foi um sucesso a apresentação da peça “Dúvida”, de John Patrick Shanley, no Teatro Viriato, que esgotou a lotação durante os cinco dias em que esteve em cena. O texto excelente, vencedor de vários prémios, foi magnificamente servido pela encenação de Ana Luísa Guimarães e pela eficácia do cenário. Mas a afluência do público fica a dever-se, sem dúvida, mais ao reconhecimento dos protagonistas como dois dos nossos melhores actores contemporâneos – Eunice Muñoz e Diogo Infante, do que ao êxito que a peça experimentara no Teatro Maria Matos.

Os actores construíram os personagens com realismo e sobriedade, sem cair no exagero caricatural, armadilha comum em papeis estereotipados, com são os de padres e freiras.

A peça anda à volta das suspeitas de uma freira, directora de um colégio religioso de Nova Iorque, de que um padre praticara abusos sexuais sobre o único aluno negro. Tema actual não só em Portugal, como principalmente, nos EUA, onde cerca de 3.000 padres foram denunciados por abusos sexuais, tendo a Igreja Católica dos Estados Unidos pago já três mil milhões de dólares de indemnizações às vítimas da pedofilia dos padres. A peça coloca ainda como pano de fundo a rígida hierarquização da Igreja católica e o papel subalterno e marginal da mulher.

Pena é que o Teatro Viriato não veja reforçado o seu orçamento, como Dalila Rodrigues afirmou, em entrevista, ser imprescindível para Viseu se afirmar mais no campo cultural, de forma a que os viseenses possam assistir mais vezes a espectáculos desta categoria. No entanto, não deixa de ser verdade que já temos assistido a espectáculos de qualidade igual ou até superior a este com muitos lugares vazios na plateia. Aconselho os viseenses a estarem mais atentos à programação do Teatro Viriato.

Promoção no Restaurante Dona Sancha

Apresentamos a V.Ex.ª um espaço de restauração e eventos situado numa Vetusta Quinta, cujo passado milenar se confunde com a própria região, a Quinta foi incluída na primeira delimitação da região do Dão (Carta de Lei de 18 de Setembro de 1908). À boa maneira medieval, esta Quinta, fazia parte do património da Coroa.

Em 1207 é doada por D.Sancho I a Martinho Salvador e sua mulher Sancha Pais como recompensa pelos bons serviços que estes lhe prestaram, nomeadamente por terem criado a infanta D.Teresa e por terem sido amos do Infante D.Fernando.

O restaurante é fruto da reconstrução de um armazém agrícola ao qual se deu o nome de Dona Sancha.

O acolhimento e feito no bar da entrada ou no “Café da Aldeia”com uma parreira a receber os visitantes, lá dentro come-se o que de melhor tem a cozinha regional…e não só! O vinho da casa – É o Dão.

A calma impera e a paisagem é relaxante.

O restaurante com piscina com uma excelente exposição solar dispõe de duas salas bar e café sendo que as salas têm uma capacidade para 90 pessoas, a vocação natural para as refeições, eventos como casamentos, baptizados, almoços e jantares de empresas

festas de aniversário, animação gastronómica, cultural e desportiva ( raids TT).

Sob marcação prévia realizamos a sua preferência gastronómica e respeitamos o horário da sua conveniência.

Almoços e jantares de quadros e executivos de terça-feira a sexta-feira (pacote empresa).

Estamos a 10 minutos de Viseu servidos pela A25, saídas 20 Viseu ou saída 21 Fagilde vindos de Mangualde ou utilizando a nacional Viseu – Mangualde direcção Povolide – Quinta de Villa Meã.

Esperamos por si

Com os melhores cumprimentos

João Giestas Figueiral.

Tel.:232932074/938332190

"Obrigado aos 'sábios' de Roma", por Rui Ramos ("Público", 2008.01.23)


No dia em que não pudermos ouvir Bento XVI, seremos mais obscurantistas e menos livres Há dias que quase toda a gente os anda a condenar. Parece-me que chegou a altura de lhes agradecer. Falo dos "sábios" que a semana passada, guiados por um velho estalinista e apoiados pela polícia de choque da "antiglobalização", dissuadiram o Papa de visitar a Universidade "La Sapienza" de Roma. No fim, deram-nos a todos um pretexto para rever matéria sobre teoria e história da tolerância. Não era esse o objectivo? Foi esse o efeito. E permitam-me que também aproveite a boleia. Quem sabe? Talvez os "sábios" tenham aprendido alguma coisa e não nos proporcionem tão cedo outra oportunidade.
Parece que há gente, na Europa, a quem as religiões voltaram a meter medo. Depois do 11 de Setembro, a religião tomou o lugar que o nacionalismo tinha no tempo da guerra da Jugoslávia. Não havia então semana sem mais um livro a denunciar o perigo do nacionalismo, a desconstruir o seu insidioso apelo, e a examinar as suas sinistras raízes. Agora, é a vez da fé em Deus. Subitamente, vemos andar novamente por aí as velhas casacas e chapéus de coco do anticlericalismo. Acontece que, em vez de marcharem contra o jihadistas, ei-los a avançar contra as igrejas cristãs, e especialmente contra a católica. Enganaram-se de século? É por hábito? Ou dá-lhes mais jeito mostrar contra o Papa a coragem que lhes falta perante os jihadistas? Pois: morrer pelas ideias, mas de morte lenta.
Sim, na Europa, até ao século XIX, as igrejas de Estado resistiram ao pluralismo e à sua expressão. Mas a intolerância e a perseguição que milhões de europeus sofreram nos últimos duzentos anos não se ficaram a dever às religiões tradicionais, mas às modernas ideologias laicas. Os deuses dos que não acreditam em Deus foram sempre os mais sedentos. Em nome do Ente Supremo, da ciência ou do racismo pagão, republicanos jacobinos, marxistas-leninistas e fascistas "moralizaram", proibiram e abasteceram largamente cemitérios e valas comuns. Os que prezam a liberdade de "errar" (e não apenas a de pensar "correctamente") têm uma dívida para com quem criticou os velhos dogmas, como Voltaire, mas também para com quem resistiu aos novos, como João Paulo II. Neste mundo, a liberdade de pensamento não tem pais exclusivos.
O fundamentalismo laicista trata toda a convicção religiosa como o vestígio absurdo de uma idade arcaica, intolerável fora do espaço privado. Mas a fé não é fácil, não é uma opção primitiva nem simplesmente um preconceito. Ou antes: pode ser tudo isso, mas pode também corresponder à mais forte exigência intelectual e à disponibilidade para enfrentar profundamente as mais difíceis de todas as dúvidas. Exactamente, aliás, como o ateísmo: há quem o viva como um dogma beato, muito contente consigo próprio, ou quem o tenha adoptado como a forma mais conveniente de não pensar. Muitos são hoje ateus pelas mesmas razões por que teriam sido beatos no século XVII. E se mandam calar Bento XVI é porque, há quatro séculos, teriam mandado calar Galileu.
As campanhas contra a religião como um óbice à concórdia e à modernidade erram frequentemente de alvo. A Irlanda e a Palestina são confrontos de nacionalismos com origens seculares. O jihadismo, como argumentou John Gray, deve tanto ou mais às ideologias laicas europeias do que à tradição islâmica. E na última década, partidos de inspiração religiosa contribuíram muito mais para a modernização e liberdade da Índia e da Turquia do que os seus adversários laicos. Nos EUA, a religião pertence ao espaço público, sem que o Estado deixe de continuar separado de qualquer igreja.
Hoje em dia, é nos crentes que certos princípios fundamentais para a nossa liberdade encontram a voz mais desassombrada. Por exemplo, a ideia da dignidade e da autonomia da pessoa como limite para experiências políticas e sociais. Numa cultura intoxicada pela hubris da ciência e das ideologias modernas, certas religiões conservaram, melhor do que outros sistemas, a consciência e o escrúpulo dos limites. O mesmo se poderia dizer da questão da verdade, que a ciência pós-moderna negou, sem se importar de reduzir o debate intelectual ao choque animalesco de subjectividades.
Não, não é preciso fé para perceber que das religiões reveladas (e doutras tradições de iniciação espiritual) depende largamente a infra-estrutura de convicções e sentimentos que sustenta a nossa vida. O seu silenciamento no espaço público não seria um ganho, mas uma perda. No dia em que não pudermos ouvir Bento XVI, seremos mais obscurantistas e menos livres. Obrigado aos "sábios" de Roma por nos terem dado ocasião para lembrar isto.

2008-02-03

'A Casa Encantada': "Memórias do regicídio" - por João Bénard da Costa (3 de Fev. de 2008)


De 1 de Fevereiro de 1908, o dia do regicídio, eu não posso, obviamente, ter memórias. Faltavam mais de vinte e sete anos para eu nascer. Vinte e sete anos e seis dias para ser exacto, o que nada adianta ao caso.
De 1 de Fevereiro de 1908, o dia do regicídio, eu não posso, obviamente, ter memórias. Faltavam mais de vinte e sete anos para eu nascer. Vinte e sete anos e seis dias para ser exacto, o que nada adianta ao caso. Tais memórias também as não bebi no leite, porque a minha mãe ainda nem ano e meio levava de vida nessa tarde de morte. O meu pai, então com onze anos e quase cinco meses, lembrava-se de algumas coisas. Vivia no Barreiro, ainda todo de negro vestido, por morte de um irmão a quem a família dedicara um luto quase perpétuo. A tragédia do Terreiro do Paço somava-se, na memória dele, a esse drama familiar. Mais choros, mais ranger de dentes, que o príncipe real, príncipe da Beira, duque de Bragança e de Saxónia e capitão honorário de Lanceiros 2, pouco mais velho era que o dito meu tio e nesses princípios do século, na corte ou na pacata burguesia, ninguém falava dos que morrem novos para ter um belo cadáver ou ninguém via nessas prematuras mortes sinal do muito amor dos deuses. As notícias levavam tempo a atravessar o rio, mesmo entre o chamado Sul e Sueste e o Barreiro, e, segundo o meu pai, já era noite quando se soube na outra banda do regicídio. Se possível, as notícias chegaram ampliadas, falando-se em muitas dezenas de mortos no Terreiro do Paço. Com a propensão para a tragédia que sempre caracterizou esse ramo da minha família, temeu-se pela vida do meu avô paterno, que viera a Lisboa nessa tarde e tardava a chegar. Monárquico, teria sido abatido também? As minhas primeiras memórias do regicídio - essas dos contos paternos - vinham assim envoltas num novelo que ligava mortes familiares a mortes reais, e fizera tremer pelo pater familiae no mesmo dia em que a morte chegou ao pai da família real. Mania das grandezas? Muito pelo contrário. Mania das pequenezas, que para imaginar supremos infaustos os tinha que reduzir a proporções caseiras. Do género de reacções que, um ano mais tarde, quando D. Manuel II visitava as Beiras, levava o povo a comentar: "Coitadinho, tem um ar tão triste. Ficou assim desde que lhe mataram o pai." E era certo que D. Manuel II, por cognome "o Desventurado" (antónimo do rei venturoso que também se chamava Manuel) sempre teve um ar triste, mesmo muito mais tarde, no exílio. Não me lembro de uma fotografia dele em que, rei ou infante, se risse e o príncipe Yussupov, que nas memórias o diz ter conhecido bem, sublinha-lhe, justa ou injustamente, a ausência de sentido de humor em que o matador de Rasputine, pelo contrário, abundaria. Mas ainda estamos muito longe de Twickenham. Volto ao Terreiro do Paço. Se não pude aprender muito nem com os meus pais, pela tenra idade deles, nem com os meus avós paternos, que nunca conheci, não me faltaram, graças a Deus, tios e tias mais velhos (entre os quarenta e os vinte anos nesse 1908) que me fizeram minuciosas descrições do atentado e seus locais. Muito criança ainda, à ida ou à vinda da casa que fora desses avós e no meu tempo era a casa das tias, a passagem pelo Terreiro do Paço, próximo dessa casa, sempre me causou uma esquisita impressão. O Terreiro do Paço, ao longo da minha vida, já foi pintado de várias cores. Nesses anos dos meus bibes, se a memória não me falha, estava pintado de rosa velho, e essa cor parecia-me ainda carregar restos da tarde de sangue. Nunca gostei da Rua do Arsenal, e as arcadas daquele lado do paço não eram propriamente do género que me fizessem dizer também que debaixo delas se passava a noite bem. Imagens mais vividas (e mais vívidas) estão-me ainda ligadas à casa do Jardim do Tabaco, de todas as memórias ancestrais. Era uma casa enorme, com imensos e escuríssimos corredores, e ao jeito da época sucediam-se várias salas e salinhas, escritórios e quartos ditos "de estar". Nas salas quase nunca se entrava, guardadas para soleníssimas ocasiões que no meu tempo eram cada vez mais raras. Só uma vez na vida me lembro de ter visto aqueles espaços todos abertos e contagiantes. Foi quando uns primos afastados, oriundos de Santiago do Cacém, pediram a casa emprestada, porque as dimensões se prestavam como poucas a um "assalto de Carnaval". Hoje, nada me parece mais estranho que uma festa de Carnaval naquela casa de lágrimas sagradas e oratórios secretos. Mas, embora contrariada, ao que parece, a minha tia que, por morte dos pais ficara dona da casa, não ousou negá-la à parentela e a memória dessa festa perdurou por largos anos. Mas isto vinha a propósito das salas, saletas e salinhas. E era numa delas - a primeira à esquerda depois da porta da rua - que, em cima de uma mesa baixa, estava o monumental volumaço D. Carlos - História do Seu Reinado de Rocha Martins. Encadernado a azul, letras douradas na cobertura e fechos de metal, esse livro fora publicado em 1927 e fazia "pendant" (se assim me posso exprimir) com outro de igual formato e igual cor, dedicado a D. Manuel II e publicado pouco depois da morte deste Rei. Rocha Martins não é hoje um nome muito falado. Mas, na primeira metade do século passado, foi um jornalista emblemático, que se vazou em palavras soltas e descompostas a favor ou contra inúmeros e mudáveis amigos ou inimigos. Autodidacta, celebrizou-se com romances históricos, aos 18 anos, que lhe valeram o cognome de "escritor do povo". Depois, esteve com João Franco no Partido Regenerador Liberal e entre os vinte e os trinta anos, ora foi republicano panfletário, ora monárquico exaltado. Diz-se que foi o regicídio que o "impeliu de vez para a causa monárquica sem abandonar o seu culto pela liberdade". Se chamou Fantoches aos barbudos da primeira república, dando deles uma imagem que não coincide propriamente com a das chamadas "virtudes republicanas", para o fim da vida, e nomeadamente em 1945, nas célebres "eleições livres" de Salazar, caiu com violência sobre o regime. Mais ou menos à época em que eu lhe lia os "livros dos reis" (D. Carlos e D. Manuel II), os ardinas apregoavam ao fim da tarde o República (órgão do reviralho possível) gritando: "Fala o Rocha!" E "toda a gente" sabia quem era o Rocha, que, aos sessenta e seis anos, fazia as delícias da oposição, como antes fizera a de tantas outras oposições. Confesso que não consigo ter um juízo claro sobre o homem nem sobre a obra, nem sei em que conta o têm os historiadores de agora. Mas é verdade que lhe devo quase tudo o que em miúdo aprendi sobre os últimos reinados da monarquia ou sobre Sidónio Pais, de quem foi também ardoroso defensor. Livros dele andavam por todas as casas de família, tanto as de tradições monárquicas, tal a que acima evoquei, como as de tradições republicanas que dominavam sobretudo a família da minha avó materna, dividida, é certo, entre "afonsistas" e "camachistas", mas quase todos muito republicanos, almirantes ou generais. Ainda antes do "fala o Rocha", vi, por muitas moradas destas, os fascículos do Europa em Guerra (1940) História da Europa do Armistício à Actualidade, onde me "formei" também em anos 20 e 30. Todos esses livros eram ilustradíssimos, com legendas saborosas sob os retratos de "quem era quem" da política europeia desses anos. Mas o meu primeiro deslumbramento foi o D. Carlos. Muitos dos retratados eram gente "lá de casa" ou de casas conhecidas e eram-me identificados para meu grande espanto, pois não supunha que tão pacata gente tivesse pais ou avós tão eminentemente historiáveis. Mas sobretudo lia o livro com aquele prazer com que se lêem as histórias que já se sabe que acabam mal. À minha volta, adultos faziam o volte sem mostrar os ases (espadilha e basto), ou pondo um ou ambos na mesa. Cheirava bem a bons charutos que o Nunes que mais me chamava a atenção (avô de um António que nada tem que ver com o actual senhor da sinistra ASAE) se chamava José Jacinto e teve o bom gosto de viver em Grândola por muitos e bons anos, sempre como presidente da câmara e sempre republicano. Mas, como esta gente era de outra cepa, quando veio a república zangou-se com quase todos, batendo-se por uma total amnistia aos monárquicos, pois que, para ele, a república não podia servir para ostracizar ninguém. Meses antes de morrer, em 1931, mudou o título das suas Reivindicações Democráticas para Ilusões Perdidas. Não tenho eu o D. Carlos do Rocha à mão e já vou neste despautério.Mas o que sempre mais me apaixonou no livro foi a descrição do regicídio, nessas terríveis cinco de la tarde, a 1 de Fevereiro de 1908. D. Carlos veio de Vila Viçosa, para assistir, nessa noite, à estreia em São Carlos do Tristão e Isolda, quarenta e três anos depois da estreia em Munique, e ainda em versão italiana, com o célebre Francesco Viñas como Tristão. Não deu muitos ouvidos a alguns boatos que corriam na sequência de uma conspirata a 28 de Janeiro que a propaganda republicana, no futuro, exageraria enormemente. Tomou lugar com a rainha e com os dois príncipes numa carruagem aberta, em direcção à Ajuda. O resto é bem conhecido. Mas, no Rocha, dizia-se que quem matou o Rei com um tiro na nuca, pendurando-se na retaguarda da carruagem, foi Alfredo Costa e não o Buíça, como os jornais de agora dizem. Muito mais tarde (anos 20) era popular a quadra de pé quebrado: "Um Costa matou o Rei / outro Costa o Presidente / ainda ficou outro Costa / p"ra dar cabo da gente." Será preciso explicar que o Costa que ficou se chamava Afonso e que José Júlio da Costa foi o nome do assassino de Sidónio Pais? Se calhar é, que cada vez mais são mais necessárias as notas de pé de página. Mas o anonimato do nome fê-lo sumir-se frente ao Buíça, com outras letras, outras armas e outras barbas. Talvez o Buíça não tivesse morto ninguém, se o príncipe D. Luís Filipe se não tivesse levantado para tentar defender o pai. De pé, foi um alvo fácil para a carabina relativamente sofisticada do Buíça. D. Manuel terá sido salvo pela rainha, com o ramo de flores que lhe tinham dado à chegada ao Cais das Colunas. Nesses segundos, a confusão foi indescritível. D. Afonso, irmão do Rei e duque do Porto, apeou-se e desatou a correr como um louco, atrás do coche real. Só por milagre não ficou ali também. Um Je Sais Tout da época (célebre e popular revista francesa) atribuiu-lhe, já no interior do Arsenal improvisado em morgue, o brado fatídico contra João Franco: "Jean, Jean qu"as tu fait de mon roi?" Obviamente apócrifa, a frase encerrava o epitáfio de João Franco que D. Manuel demitiu para escolher a via da "acalmação". Os jornalistas deram largas à imaginação nos supostos diálogos desse fim de tarde fatal, em que o conde de Mafra, D. Thomaz de Melo Breyner, médico, se limitou a confirmar os dois óbitos. O mais significativo é o que teria tido lugar à chegada da rainha D. Maria Pia, rainha mãe. D. Amélia, com quem teria uma rivalidade lendária, disse-lhe: "Mataram o meu filho." Altiva, a outra rainha respondeu-lhe: "E o meu, também." Um diálogo que podia ser escrito por um Rostand português, se o houvesse. Fecho os olhos e continuo a ver os desenhos reconstituídos do interior da carruagem real. Como dizia Talleyrand: "Foi pior do que um crime. Foi um erro." Crime e erro que pagámos com dois regimes de partido único: o da primeira república, de 1910 a 1926, e o do Estado Novo, de 1932 a 1974. Entre um e outro, seis anos de ditadura militar.

2008-02-01

1 de fevereiro vem


não pode o sonho morrer assim
na crua pólvora dos assassinos.

longe no tempo quem atira assim
e se esconde ainda na cobardia?
morto o rei outro se levanta, ó pátria...