2016-06-26

Escritores leem escritores: Vergílio Ferreira lê Eça de Queirós

«Tomo  A cidade e as serras, releio pela centésima vez algumas páginas da segunda parte. E um prazer infinito inunda-me na alegria da serra, no prazer sensório da realidade inventada pela magia da palavra do maior artista dela na nossa literatura. E a cada passo estremeço de uma delícia indizível na "água nevada e luzidia" da fonte, no grande salão em que o ar circulava "como num eirado", no vinho  "seivoso", no grande salão vazio "com uma sonoridade capitular". Todo o "estilo" de Eça se nos dirige aos sentidos que vibram não com a realidade conhecida mas com o prazer que está lá e só na memória se conhece ou na translação dessa realidade que nela vibra e só num sobressalto se conhece como presença oblíqua e incerta. Assim o vinho e a água e tudo o mais é na escrita de Eça que nos sabem  maravilhosamente - não no vinho e água que bebemos.» (Conta-corrente (1969-1976), Amadora, Livraria Bertrand, 1981 (2), p. 267.)     

2016-06-25

O mar em Aquilino Ribeiro



O mar em Aquilino Ribeiro
Em ensaio que deveio célebre[1], Urbano Tavares Rodrigues, ao rechaçar quaisquer rótulos limitativos para um escritor plural como Aquilino Ribeiro, vinca desde a primeira página o desejo de acrescentar ao inventário dos topoi aquilinianos, e dos seus processos narrativos, a tópica do mar, tanto mais que não abundariam no escritor beirão “grandes quadros do mar”, nem “sequer grandes referências”, passando então para a exploração do romance de temática marinha A Batalha sem fim (1932) que ocupará a parte final do ato hermenêutico, não sem antes passar por obras como O homem que matou o diabo e O arcanjo negro (1947). No conjunto, a lição é a de que Aquilino, para além de escassamente recorrer ao mar como processo criativo, só de longe o faz participante de um quadro que nunca chega a ser vivência profunda. Mas será assim?
Não, não só não concordo com a desafeição tipificada em Aquilino no atinente ao mar, não obstante os alguns exemplos apresentados de um certo usus, como acho mesmo que a avançada tópica do mar é estratégica em boa parte da criação do autor de  A Casa Grande de Romarigães (1957), independentemente da vertente genológica. Por exemplo, em É a guerra (1934) recolho as seguintes e mostratativas imagens:
1.       “Às dez da noite, Paris sussura como o mar.” (p. 38).
2.       “Avenidas e bulevares enxameiam de gente, muita gente que vai e vem ao fluxo de mar.” (p. 40).
3.       “É que cada um luta por se não deixar subverter no mar interior de pranto.” (p. 52).
4.       “Destruí-la é como apagar um fanal no mar escuro.” (p. 295)
É a guerra é um livro duro, que permite, por exemplo, apodar Aquilino de germanófilo no contexto da Primeira Guerra Mundial. Deixa ainda esta admirável obra entrever alguns aspetos negativos assacáveis ao próprio escritor, como, por exemplo, os “problemas” da coloração da pele de João Chagas, da pessoa em si, que poderão permitir perigosas extrapolações. Mas um homem é isto: o seu momento e a sua sensibilidade, sem redes ou escoras.
Voltemos, no entanto, à tópica do mar:
“Não saí hoje à rua por isto tudo e ainda porque os movimentos do mar das multidões, muito mais se os observarmos duma janela com os olhos enquanto o cérebro vai seguindo em seus reflexos, são tão brutais e incompreensíveis como o fluxo e refluxo do mar. Não sou poeta, adoro o mar quando me banho nele, mas deixa-me totalmente indiferente quando o contemplo do alto das arribas. Não penetro a razão, como devo dizer, cosmológica de massa de água tão extensa e insubmissa à vontade do homem. Pois a multidão é para mim como o mar, cega em seus impulsos, absurda nas finalidades.” (p.272)

Mar adentro, é esta a poesia de Aquilino Ribeiro - um vasto e sussurrante mar com aproximação a Alberto Caeiro. O mar, pois então…
viseu, 25 de junho de 2016
martim de gouveia e sousa




[1] Refiro-me ao ensaio “A tópica do mar em Aquilino Ribeiro”, que Urbano Tavares Rodrigues apresentou, em Viseu, na I Jornada Aquiliniana organizada pelo C.E.A.R., e que veio a ser publicado nas revistas Colóquio/Letras (nº115-116, de maio-agosto de 1990) e Cadernos Aquilinianos (nº1, de maio de 1992), bem como noutras compilações ensaísticas do autor de Bastardos do sol.

2016-06-22

Pensamento assistido por Vergílio Ferreira (IV)


«Como é detestável falar de arte para o grande público. Detestável mesmo vivê-la em grandes grupos. A arte é um ato solitário, uma questão a resolver entre nós e nós. Como todos os excessos de ser. A arte é um excesso de nós.» (Vergílio Ferreira, Conta-corrente /1969-1976)- I, Amadora, Livraria Bertrand, 1981 (2), p. 216.)

2016-06-17

Pensamento assistido por Alberto Manguel (III)


"A arte avança por meio de derrotas, e a ciência aprende maioritariamente com os erros. As nossas ambições são definidas tanto pelo que não alcançamos como pelo que alcançamos, e a Torre de Babel continua inacabada, mais como um monumento à nossa exultante audácia do que como um memorial aos nossos falhanços." (Alberto Manguel, Uma história da curiosidade, Lisboa, Tinta-da-China, MMXV, p. 58.)

2016-06-16

Pensamento assistido por Vergílio Ferreira


"Mau sinal, a rapidez. Não se atingem as raízes do sentir."
(Vergílio Ferreira, Conta-corrente (1969-1976)- I, Amadora, Livraria Bertrand, 1981 (2), p. 165.)

2016-06-14

Pensamento assistido por Alberto Manguel (II)

«Escrever um livro é resignarmo-nos a falhar, por muito honroso que seja esse falhanço.»
(Alberto Manguel, Uma história da curiosidade, Lisboa, Tinta-da-China, MMXV, p. 18.)

2016-06-13

Pensamento assistido por Vergílio Ferreira


"Em arte, até o ver bem é fingido; mas só com essa ficção é que se vê."
(Vergílio Ferreira, Conta-corrente (1969-1976), Amadora, Livraria Bertrand, 1981 (2ª), p. 164.)

2016-06-12

Pensamento assistido por Tomaz de Figueiredo

"Eu sei que os padres-mestres da prosa despida, os campeões do charro, me empurram supostas arqueologias. Sou de pedra. É cascar."
(Tomaz de Figueiredo, Dicionário falado. Variações linguísticas, Lisboa, Editorial Verbo, 1970, p. 64.)

2016-06-11

Pensamento assistido por Alberto Manguel


"Ensinamo-nos a perguntar «quanto custa?» e «quanto tempo demora?», em vez de «porquê?».
(Alberto Manguel, Uma história da curiosidade, Lisboa, Tinta-da-China, MMXV, p. 12.)

2016-06-09

Pensamento assistido por Tomaz de Figueiredo (2)


"Não acusou Aquilino, em Abóboras no Telhado, que hoje, em Portugal, todo o bicho-careta se diz escritor?" (Tomaz de Figueiredo, Dicionário falado. Variações linguísticas, Lisboa, Editorial Verbo, 1970, p. 48.)

Pensamento assistido por Tomaz de Figueiredo


"Porque vezo é dos vaidosos despreçarem dos que se atirem ao que eles são incapazes."
(Tomaz de Figueiredo, Dicionário falado. Variações linguísticas, Lisboa, Editorial Verbo, 1970, p. 7.)

2016-06-05

Pensamento assistido por Herberto Helder

"Ouço o mar e o vento à frente e atrás da montanha solitária e poderosa. Depois encosto a cara à terra profundíssima para escutar o seu húmido sussurro atravessando-a toda e passando por mim. E então poderei morrer."
(Herberto Helder, Os passos em volta, 4ª edição emendada, Lisboa, assírio e alvim, 1980, p. 145.)

Pensamento assistido por Vergílio Ferreira (V)


"Uma das tragédias do casamento é que quando alguém se casa não se casa só com uma pessoa, casa-se sempre com uma data de gente."
(Vergílio Ferreira, Conta-corrente (1969-1976)- I, Amadora, Livraria Bertrand, 1980, p. 76.)

2016-06-04

Pensamento assistido por Vergílio Ferreira (IV)


"Porque é que são geralmente os professores ignorantes os que mais exigem?"
(Vergílio Ferreira, Diário inédito (1944-1949), Lisboa, Bertrand Editora, 2008, p. 84.)

2016-06-02

Pensamento assistido por Vergílio Ferreira (III)


"Porque escrevo eu livros? Ora! Pela mesma razão que um albardeiro faz albardas, quando as faz por gosto." (Vergílio Ferreira, Diário inédito (1944-1949), Lisboa, Bertrand Editora, 2008, p. 48.)