O mar em Aquilino Ribeiro
Em ensaio que deveio célebre[1],
Urbano Tavares Rodrigues, ao rechaçar quaisquer rótulos limitativos para um
escritor plural como Aquilino Ribeiro, vinca desde a primeira página o desejo
de acrescentar ao inventário dos topoi aquilinianos,
e dos seus processos narrativos, a tópica do mar, tanto mais que não abundariam
no escritor beirão “grandes quadros do mar”, nem “sequer grandes referências”,
passando então para a exploração do romance de temática marinha A Batalha
sem fim (1932) que ocupará a parte final do ato hermenêutico, não sem antes
passar por obras como O homem que matou o
diabo e O arcanjo negro (1947).
No conjunto, a lição é a de que Aquilino, para além de escassamente recorrer ao
mar como processo criativo, só de longe o faz participante de um quadro que
nunca chega a ser vivência profunda. Mas será assim?
Não, não só não concordo com a
desafeição tipificada em Aquilino no atinente ao mar, não obstante os alguns
exemplos apresentados de um certo usus,
como acho mesmo que a avançada tópica do mar é estratégica em boa parte da
criação do autor de A Casa Grande de Romarigães (1957), independentemente da vertente
genológica. Por exemplo, em É a guerra
(1934) recolho as seguintes e
mostratativas imagens:
1.
“Às dez da noite, Paris sussura como o mar.” (p.
38).
2.
“Avenidas e bulevares enxameiam de gente, muita
gente que vai e vem ao fluxo de mar.” (p. 40).
3.
“É que cada um luta por se não deixar subverter
no mar interior de pranto.” (p. 52).
4.
“Destruí-la é como apagar um fanal no mar
escuro.” (p. 295)
É a guerra é um livro duro, que permite,
por exemplo, apodar Aquilino de germanófilo no contexto da Primeira Guerra
Mundial. Deixa ainda esta admirável obra entrever alguns aspetos negativos
assacáveis ao próprio escritor, como, por exemplo, os “problemas” da coloração
da pele de João Chagas, da pessoa em si, que poderão permitir perigosas
extrapolações. Mas um homem é isto: o seu momento e a sua sensibilidade, sem
redes ou escoras.
Voltemos,
no entanto, à tópica do mar:
“Não
saí hoje à rua por isto tudo e ainda porque os movimentos do mar das multidões,
muito mais se os observarmos duma janela com os olhos enquanto o cérebro vai
seguindo em seus reflexos, são tão brutais e incompreensíveis como o fluxo e
refluxo do mar. Não sou poeta, adoro o mar quando me banho nele, mas deixa-me
totalmente indiferente quando o contemplo do alto das arribas. Não penetro a
razão, como devo dizer, cosmológica de massa de água tão extensa e insubmissa à
vontade do homem. Pois a multidão é para mim como o mar, cega em seus impulsos,
absurda nas finalidades.” (p.272)
Mar
adentro, é esta a poesia de Aquilino Ribeiro - um vasto e sussurrante mar com
aproximação a Alberto Caeiro. O mar, pois então…
viseu,
25 de junho de 2016
martim de gouveia e sousa
[1]
Refiro-me ao ensaio “A tópica do mar em Aquilino Ribeiro”, que Urbano Tavares
Rodrigues apresentou, em Viseu, na I Jornada Aquiliniana organizada pelo
C.E.A.R., e que veio a ser publicado nas revistas Colóquio/Letras (nº115-116, de maio-agosto de 1990) e Cadernos Aquilinianos (nº1, de maio de
1992), bem como noutras compilações ensaísticas do autor de Bastardos do sol.
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