2013-07-25

[FARPINHAS] - NOVE

[FARPINHAS] - NOVE

Cavaco, como habitualmente, não age. Procura um arranjinho que esconda a enorme tragédia dos dois últimos anos. Gaspar fugiu e barricou-se no Banco de Portugal; Portas desejou fugir mas o partido e a mãe não deixaram; Durão Barroso, refugiado desde há muito na Europa profunda, solta umas míseras admonições sobre a responsabilidade dos políticos; o PS, que tanto nos fez sofrer, parece resistir (resistirá?) ao fechamento do regime até às calendas gregas.
É de bafio que falo, deste bafio instilado pela Presidência da República, que não vê e sabe aquilo que quer. O cinismo da proposta é tão evidente que é mais uma chantagem que se acena a um povo que se quer amorfo, quieto e sossegado, como acontecia nas velhas câmaras de gás.

Abram as janelas, arejem o país e deem a palavra a quem não deve ser diminuído por um Presidente que age ilegitimamente. Eleições, eleições já, antes que seja tarde…  

2013-07-24

[FARPINHAS] – OITO

[FARPINHAS] – OITO

O processional é um caso nacional. O processional segue, rasteja, persegue, ajoelha, prostra-se, afunda-se, cala-se, obedece, abana mesmo a cabeça. O processional existe em qualquer lugar português. Há mesmo uma longa fila à espreita: são bufos, fanáticos, hesitantes, não comem nem carne nem peixe às sextas. Abusam do seu rastejo – diminuídos, deselegantes, tarados, eles rojam-se aos pés da ordem, beijam quaisquer poderes e engolem quaisquer críticas como vulgares petiscos, não olham a meios e sabem os fins.
Insinuante nas praças e nos areópagos, o processional aguenta qual atlante o seu momento. O processional roja-se no momento certo, agitando as mãozinhas moles e abanando a cauda muito domesticada. Em presença do chefe, o processional é mais do que sombra ou anjo da guarda.

O processional não existe, está em processo. O processional jaz num recesso muito ressesso.

2013-07-23

[FARPINHAS] – SETE

[FARPINHAS] – SETE

Há uma preguiça em tudo: mudar não é mudar; o irrevogável é o que torna atrás e aproveita; dar a opinião é bajular; ter caráter é mentir; intrigar é medrar; ser é não ser; fugir ao tédio é ajoelhar baboseiras parlamentares; ter vida para além da morte é ouvir umas ensaiadas palmas nos Jerónimos; fazer justiça é não agir; governar é ter rigor de nada, falhar todas as contas, calcular muito bem os rigores dos outros; baixar melancolicamente a cabeça é um rasgo de genialidade.
Os poderes não descansam, desconfiam – acolitados de seres treinados e musculados nas academias, os poderes espreitam, lateralizam, enviesam-se. Distantes das pessoas, pairam nos ardis, afogando-se nediamente nos cumprimentos interesseiros.

Com o poder, o poder não tem poder. Sem poder, o poder não há de poder fugir.  

2013-07-21

[FARPINHAS] – SEIS

[FARPINHAS] – SEIS

Quando o calor vence a cidade dos homens, pouco se pode esperar. Tudo parece feliz, repousado, indiferente. Debaixo das tílias do Rossio, a imprensa local conversa em surdina sobre o infausto atmosférico. Em volta, nada merece um reparo, uma investigação, um hausto de liberdade, de independência. Os pasquins ressonam uns com os outros e talvez se apercebam da extinção de uns cães vadios. Sob as folhas do Rossio, o povo morre do modo que pode e ninguém vê. Há uma regularidade na imprensa que assusta: se política, rema sempre para um dono; se informativa, repete sem exaustão o que todos sabem.
A promiscuidade não existe, nunca houve uma jornalista Ana Leal, nem GPS, nem tão pouco frades das Caldas. Viseu não tem nada que saber – nem políticos, nem poderosos por aqui estendem a sua malha. Os pasquins divertem-se a progénie da ostra, a materna e paterna, pois claro!
O meu amigo Jorge diria estar um calor quente. E isso é notícia, porque o sentimos na pele. Mas estranho é que outras reações sentidas o não sejam. Na senda do progresso, não há delapidação regional, não há nada. Os jornais dão comendas, glorificam, idolatram. Inscritas no foro, grosseiras pegadas assinalam as corridas, os serviços, as ligações, as ilicitudes, a desinformação.

Sem liberdade, os prelos nada dizem, apodrecendo na rotina. 

2013-07-20

[FARPINHAS] – CINCO

[FARPINHAS] – CINCO
Cantante com uma filosofia de Offenbach, o marialva descama a sua energia contra tudo e contra todos – são ares, modos, vestes, diferenças, indiferenças, tribalismos, ajuntamentos, manifestações, ruídos e estranhos vigores que o indispõem. Para ele não há acasos soberanos, só normas, só etiquetas, só rótulos. Há quem lhe chame isto, porque, se assim, isto.
A ficção de Vergílio Ferreira ensina que tal palavrão é equivalente do mágico vocábulo «inoque», do mesmo modo que se assemelha à consagrada «coisa» do grande prosador Tomaz de Figueiredo. O marialva é, em simultâneo, isto, inoque e coisa. Mas que coisa? É vê-lo a pavonear-se seráfico vertendo usos para os homens e recatos para as mulheres, agitação para uns e frigidez para umas. O marialva do século XXI não ama, adora; olhando, é proprietário e sendo olhado, julga-se vítima enganada. O marialva quase sempre desconfia, chegando a desconfiar de si. Quando reza, o que normalmente acontece, fá-lo compungidamente como um feudal agrário aceitando a ordem cósmica. O seu mundo são perdições e deuses cegos. Muitas vezes, julga-se mártir, quando não consegue ferir de morte o belo sexo. O marialva é um abusador, usa e não quer ser usado.

Dominando a teologia da cidade, o marialva é suspeito de não respeitar e de nas mulheres ver objetos. Enamorado de si, o marialva afogar-se-á na autocontemplação.

2013-07-18

[arde]

[arde]

todas as frutas na mão são este ardor
luminoso raio brotando das margens
mais feridas e das furtivas sombras.

este ardor refresca o improvável dia
ardendo na tarde em que o escrevo
este dia nu que salta nos silêncios.

quente a escrita é uma ilha grega
uma fogueira ardendo nas praças
uma intensidade maior como cavafis.


ardente a vida neste sol se dá – assim.

2013-07-12

[FARPINHAS] – QUATRO

[FARPINHAS] – QUATRO

O devoto rebenta em cada esquina: tenta vestir bem, engalanado nas marcas depressivas, ele veste bem a partir dos lábios. Cruza as redes sociais com a emoção de alguém que espreita e chega a espalhar «likes» por todos os rostos da florescência dos poderes. Cauteloso, resguarda-se, desatina-se consigo, emudece, não dá um passo de seu, encosta-se, sorri-se, acha-se piada, envaidece-se de si, é umbilicalmente um ser para ser. Ajoelha à conveniência como amante de fenómenos atmosféricos - incapaz de um rasgo não calculado, é mole, pastoso e ordinário como embalagem de «ketchup» enfrentando o sol.
O devoto devota-se às suas devoções maleáveis e apodera-se do momento, saudando euforicamente tudo o que é poder e o que o poderá ser. Sem dor, o devoto não ousa levantar a voz nas ocasiões de o fazer e revolta-se contra alvos errados, nédio de bajulações.

O devoto é perigoso, porque é devoto de si.    

2013-07-07

[FARPINHAS] - TRÊS

[FARPINHAS] – TRÊS

É um lugar clássico no mundo português: o ex. Ideologizado um dia, bem casado noutro, o ex pulveriza as ágoras das cidades, presentificando-se, subjugando-se, alinhando nas filas dos poderes, lapando-se aí, à espera. O ex é tudo isso e segue crassos exemplos: o do presidente que ganha por aquilo que não faz e não aceita os proventos do que faz mal; o da segunda figura da nação, há muito reformada e sendo ex e sendo desex; o do engenheiro que o fora e deixara de ser e ainda o é, mas não é; o do sarcófago tornado bento pelo bafio autárquico, com laivos de estivador passivo, sempre ativo na sua vida partidária, sempre alapado na volúpia poderosa.

O ex existe. Cataléptico de sonhos vencidos, ele alimenta o sonho de não estar iludido, de não ser totalmente uma besta. Em breve, sendo-o, nascerá um nome.

2013-07-06

[FARPINHAS] - DOIS

[FARPINHAS]- DOIS

As férias são assim um alegre passadiço sensaborão, não fosse a acuidade auditiva fornecedora de múnus «bon à tirer». Sentemo-nos, pois, e degustemos a música em volta – é todo um mundo de diminutivos que desaba sobre a esplanada, afundando-nos no sobrevivente mundo queirosiano que tão judiciosamente nos instrui o quotidiano.
Sem exato valor real, de cromatismo duvidoso, o diminutivo tomba e retomba em gráceis gorjeios de labiosinhos apertados. O esplendor começa aí: um inefável beijinho grande cola-se ao telemóvel enquanto os imensuráveis pratinhos trazem a sopinha e as entradinhas, que tão inhas são. Ao reto juízo vêm ainda os vinhinhos, as aguinhas e inhas sobremesas, que também são inhas, só faltando o cafezinho, cada um melhor que o outro para não magoar os adeusinhos.

Potentemente criador, o português típico enfeixa-se num corpo único de Euzebiozinho e balbucia um eufórico diminutivo dominador. Quem, nominalmente civilizado, reverbera um diminutivozinho?

2013-07-04

«Le Magazine Littéraire» 533 traz recensão a livro de Tabucchi sobre Fernando Pessoa («La Nostalgie, l´Automobile et l´Infini. Lectures de Pessoa»)


Tabucchi e Pessoa no último Magazine Littéraire.

[FARPINHAS] - UM

[FARPINHAS] - UM

Asmodeus tem destas coisas que são impuridades e velhas ganâncias, verticalizando e horizontalizando suas frechinhas como beijos reparadores. É de restauro que falo, de desubiquação, de desumbicalismo, de desnecessidade. Neste mundo centrado, em centro que somos, nós não somos o centro, mesmo que estejamos em casa de banhos quentes. Mordentes, as palavras mordem – e agora para ti falo -, se te julgares aí alvo esperante, legítimo recetáculo de dardo quente, envolto em penumbroso mundo univocal, anódino, desconfiado. Não definhes, vive; não te aborreças, sorri; não te lamentes, produz; não te fatalizes, convoca-te; não te entorpeças, agita-te; não te intrigues, sê luminoso; não te inscientes, cultiva-te; não te banalizes, desperta-te.

Este é o sinal na tua epiderme: convoca-te.

2013-07-03

[hoje a morte]


[hoje a morte]

sílaba a sílaba a morte
um silêncio tenso raso
a indeclinação do rosto
o espanto fixo do rito
a morte sílaba a sílaba
o silêncio disso – a morte
entrando pelas vísceras
negando a luz pulmonar
limitando a fluidez os nós
íntimos dos equilíbrios
o desabamento aos pés
corroída a medula tomba
os ossos teclado são sombra
são os ossos as vísceras
todos os tecidos na morte
percorridos por sombria aracne
pedra sobre pedra no chão
um corpo aí no chão um corpo
este de um país queimado nada
sendo de história abandonado
à espera de outras horas e dias.


eu quero meu outro país…

2013-07-01

A demissão de um certo Gaspar - uma farsa sem físico



















UMA FARSA SEM FÍSICO

Em volta, as instituições de poder afundam desde há muito e até o genial Gaspar (diziam) apressou uma queda há muito desejada. Mole, inábil, flébil, seguindo o afundanço de um partido unido a outro que muito preza, Cavaco Silva cai uma vez mais da cadeira. Morto há muito, o Presidente é a peste e a morte. Quem vem daí acabar com esta farsa sem físico?