2008-02-05

"Remodelação vinga Dalila Rodrigues", por Carlos Vieira e Castro


José Sócrates - o “Sócras”, como já ouvi várias vezes dizer a camponeses mais duros de ouvido ou menos destravados da língua - optou por fazer uma remodelação não demasiado extensa (para alívio de Maria de Lurdes Rodrigues e Mário Lino), não dando, assim, a entender uma assunção da incompetência do governo no seu todo, e, logo, da sua liderança e do seu programa de governo em particular, nem demasiado minimalista, para que não se pensasse que sacrificava o mártir Correia de Campos na fogueira do descontentamento popular.

O ministro da Saúde ainda estrebuchou nos últimos dias, multiplicando-se em entrevistas e intervenções a tentar explicar o que já toda a gente tinha percebido: a sua obsessão pela redução da despesa levou-o a exceder a direita mais assumida acelerando o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com o fecho de maternidades, SAPs e serviços de urgências, sem ter concluído a instalação da Rede Nacional de Serviços de Urgência e os meios de emergência pré-hospitalar, ao mesmo tempo que continuava a financiar os grandes grupos financeiros privados, oferecendo, de bandeja, 10 novos hospitais aos bancos e ao grupo Mello. Uma administradora do grupo BES/Saúde, disse publicamente que “melhor negócio do que a saúde, só o das armas”.

À contestação do povo, de Norte a Sul, acrescentou-se a iniciativa do Bloco de Esquerda de promover uma petição para obrigar a Assembleia da República a responsabilizar-se pela defesa do SNS geral, universal e gratuito. O primeiro subscritor é António Arnaut, socialista e ex-ministro dos Assuntos Sociais, fundador do SNS, e em oitavo lugar surge o nome de Manuel Alegre. Há até quem pense que Sócrates foi buscar Ana Jorge para dividir o movimento de Alegre.

Isabel Pires de Lima deixa atrás de si um “rasto de destruição e retrocesso” na Cultura portuguesa, como é referido na petição que já ia perto de três mil artistas, criadores e agentes culturais, dirigida ao primeiro ministro a exigir a sua demissão. São quase mais mil pessoas do que as que subscreveram a petição on-line de apoio a Dalila Rodrigues, repudiando o seu afastamento de directora do Museu Nacional de Arte Antiga, onde estava a fazer um trabalho notável, como já tinha feito no Museu Grão Vasco.

“Há horas felizes!” Não para a ex-ministra da Cultura, que até se pode sentir aliviada por ter sido autorizada pela Comissão de Ética da AR a regressar ao Parlamento, mas, sobretudo para Dalila Rodrigues que, na passada quinta-feira, um dia depois de Isabel Pires de Lima ter sido despedida, lançou em Viseu, no Teatro Viriato, o seu livro sobre “Grão Vasco”. Trata-se de uma edição muito cuidada da “Aletheia Editores”, com um excelente grafismo. Dalila Rodrigues, numa linguagem acessível, repõe a verdade sobre alguns mitos biográficos do mestre renascentista e analisa a evolução da sua obra, relacionando-a com as paisagens e as personagens que rodeavam o “Grande Vasco”. Para os viseenses será ainda uma oportunidade de viajar no tempo pelas ruas e ambientes da Viseu quinhentista de que ainda restam belos vestígios.

Muita gente esteve presente no Teatro Viriato, com representantes oficiais, civis, militares e religiosos (o bispo de Viseu esteve na mesa, ao lado da editora Zita Seabra, do “sponcer” Fernando Ruas, e do anfitrião Paulo Ribeiro, talvez numa espécie de alusão histórica à importância que teve a Igreja, a principal encomendante das obras de Gão Vasco e à “a acção decisiva do bispo D. Miguel da Silva não apenas no percurso artístico do pintor, mas nas reformas que promoveu na cidade”, como diz a autora no livro). Porém, não devemos esquecer que foi no Renascimento que começou a separação da Igreja e do Estado, com o próprio Estado Papal (com os Bórgias, por exemplo) a lançar-se na secularização à medida que ia aumentando o seu poder terreno e o seu pecaminoso epicurismo. Boccaccio e Maquiavel testemunharam-no.

Mas, no meio de tanta gente, uma ausência inundou o espaço acanhado do “foyer” do Teatro Viriato: a da actual directora do Museu Grão Vasco. Ouvi dizer que uma consulta médica a obrigou a fazer-se representar por um elemento da equipa técnica do museu. Equipa que, aliás, esteve presente em peso, num reconhecimento pela competência de Dalila Rodrigues na direcção de uma equipa que tinha estado e continua a estar subaproveitada e sujeita a pressões e perseguições. Ana Pais Abrantes respondeu, em entrevista ao Diário Regional, às críticas de Dalila Rodrigues à ausência de projecto da actual directora, afirmando que tinha feito várias iniciativas: para além de trabalhos de restauro, promoveu o “Museu porta a porta” que “foi muito bem recebido pelo Hospital de S. Teotónio”. Não duvido que o Hospital, ao ver o estado do museu, lhe tenha dado prioridade máxima no serviço de urgência.

Até Fernando Ruas, a quem Dalila agradeceu o apoio ao livro, disse ter saudades das parcerias que fez com o Museu no tempo em que ela foi directora.

“DÚVIDA”

Foi um sucesso a apresentação da peça “Dúvida”, de John Patrick Shanley, no Teatro Viriato, que esgotou a lotação durante os cinco dias em que esteve em cena. O texto excelente, vencedor de vários prémios, foi magnificamente servido pela encenação de Ana Luísa Guimarães e pela eficácia do cenário. Mas a afluência do público fica a dever-se, sem dúvida, mais ao reconhecimento dos protagonistas como dois dos nossos melhores actores contemporâneos – Eunice Muñoz e Diogo Infante, do que ao êxito que a peça experimentara no Teatro Maria Matos.

Os actores construíram os personagens com realismo e sobriedade, sem cair no exagero caricatural, armadilha comum em papeis estereotipados, com são os de padres e freiras.

A peça anda à volta das suspeitas de uma freira, directora de um colégio religioso de Nova Iorque, de que um padre praticara abusos sexuais sobre o único aluno negro. Tema actual não só em Portugal, como principalmente, nos EUA, onde cerca de 3.000 padres foram denunciados por abusos sexuais, tendo a Igreja Católica dos Estados Unidos pago já três mil milhões de dólares de indemnizações às vítimas da pedofilia dos padres. A peça coloca ainda como pano de fundo a rígida hierarquização da Igreja católica e o papel subalterno e marginal da mulher.

Pena é que o Teatro Viriato não veja reforçado o seu orçamento, como Dalila Rodrigues afirmou, em entrevista, ser imprescindível para Viseu se afirmar mais no campo cultural, de forma a que os viseenses possam assistir mais vezes a espectáculos desta categoria. No entanto, não deixa de ser verdade que já temos assistido a espectáculos de qualidade igual ou até superior a este com muitos lugares vazios na plateia. Aconselho os viseenses a estarem mais atentos à programação do Teatro Viriato.

1 comentário:

hora tardia disse...

bom dia Martim.
vim. do rio. passei ao lado de "si".
senti o cheiro da terra.

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e regressei aqui. para lhe deixar um abraço.

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sentido.