Como João Pedro Grabato Dias, digo que a ética “tem sempre simples regra / que se cumpre por extenso e sem sofisma.” Arte maior é a fruição da bebida alcoólica que deve encontrar no consumidor um tecto e um plafond coado pela justeza e pela moderação. Como o sal na comida (o Bispo Alves Martins o disse) ou antes pouco que muito, é o vinho um alimento, sem ressaibo salazarista, que vem de longe e se vê ao perto, misturado nos suskindianos perfumes e odores da vida. Do fogo da terra e da aridez do trabalho braçal, nem sempre o humano lobriga o rito da criação – que pode o homem contra o rigor dos tempos e a vontade insondável das forças clandestinas?
Encostado desde longe à escalada do homem, preso mesmo à deflagração das contingências míticas da impossibilidade, o vinho inunda as veias do mundo e levanta consigo o seu fautor. Diz-me que vinho bebes e dir-te-ei quem és é reflexão que desnuda o obstinado rigor dos melhores néctares e mostra a idiossincrasia do bebedor informado.
Supletivo face aos concorrentes, nem sempre a específica virtude vínhica tem mais adeptos que outras bebidas mais rápidas e mais frescas. Os jovens que cruzam as nossas escolas sabem-no bem, arriscando o quotidiano em troca de bebidas vorazes que não conhecem a lisura do vinho contido. E essa é uma lição a ser ministrada urgentemente: a de que beber não é uma obrigação, antes interessando o equilíbrio do vinho moderadamente bebido na sã e luminosa conversação.
Beber, beber devagar, como Derrida aconselha a ler devagar, eis um objectivo para muitas vidas a ser inscrito hoje em ordem do dia que cada educador deve obrigatoriamente ensinar. Hoje é já tarde e é já tempo, num país sem os modos trabalhados, de se beber com a medida certa da exacta bebida.
No princípio era o vinho. Das uvas as mãos do homem sangraram dentro do lagar. E do sangue e do mosto se fez o brilho de cada fio luminoso. Há convites ao epicurismo das libações báquicas que, poderosos, parecem atirar o humano para o vício e para a incontinência. Lembro o celebérrimo fragmento de Alceu (frg. 346 Lobel-Page) que convida a que “Bebamos!” o vinho “que dissipa as aflições”:
Encostado desde longe à escalada do homem, preso mesmo à deflagração das contingências míticas da impossibilidade, o vinho inunda as veias do mundo e levanta consigo o seu fautor. Diz-me que vinho bebes e dir-te-ei quem és é reflexão que desnuda o obstinado rigor dos melhores néctares e mostra a idiossincrasia do bebedor informado.
Supletivo face aos concorrentes, nem sempre a específica virtude vínhica tem mais adeptos que outras bebidas mais rápidas e mais frescas. Os jovens que cruzam as nossas escolas sabem-no bem, arriscando o quotidiano em troca de bebidas vorazes que não conhecem a lisura do vinho contido. E essa é uma lição a ser ministrada urgentemente: a de que beber não é uma obrigação, antes interessando o equilíbrio do vinho moderadamente bebido na sã e luminosa conversação.
Beber, beber devagar, como Derrida aconselha a ler devagar, eis um objectivo para muitas vidas a ser inscrito hoje em ordem do dia que cada educador deve obrigatoriamente ensinar. Hoje é já tarde e é já tempo, num país sem os modos trabalhados, de se beber com a medida certa da exacta bebida.
No princípio era o vinho. Das uvas as mãos do homem sangraram dentro do lagar. E do sangue e do mosto se fez o brilho de cada fio luminoso. Há convites ao epicurismo das libações báquicas que, poderosos, parecem atirar o humano para o vício e para a incontinência. Lembro o celebérrimo fragmento de Alceu (frg. 346 Lobel-Page) que convida a que “Bebamos!” o vinho “que dissipa as aflições”:
Deita-o nas taças, uma parte para duas,
cheias até à borda, e que um cálice
empurre o outro.”
Este poema, do século VII-VI a. C., é, não obstante, um hino à contenção, tanto mais que a divisão em partes implica a mistura com a água. Em simultâneo, a hora de beber é um prémio que humano alcança depois de um dia de trabalho e de cansaço.
Mas se algum poema – e lembro que poesia apresenta uma sintagmática discursiva próxima da densidade filosófica (afinal, quantos poetas filósofos e quantos filósofos poetas?) – é verdadeiro exemplo do ideal da moderação grega e da desejada contenção é um fragmento de Anacreonte (VI-V a.C.) que muito pode hoje dizer aos jovens e adultos que gostando do vinho, se respeitam, respeitando a bebida e a sua qualidade:
Anda rapaz, traz-me uma taça
para eu beber um gole,
deitando dez medidas de água,
e cinco de vinho.
Quero festejar Baco
de novo, sem insolência.
Vamos pôr de parte
as maneiras cíticas,
com suas palmas e alarido,
e, em vez disso, beber moderadamente,
ao som de belos hinos.
Tal moderação não contende com o prazer de beber, antes exacerba o bom gosto e a glória interior. Dominar um vinho e ceder o corpo aos seus influxos é uma arte maior que nem todos podem experimentar. Teógnis, poeta coevo de Anacreonte, destaca como um dos grandes prazeres da vida o “beber bem”:
Gosto de beber bem, cantando ao som da flauta,
gosto de ter nas mãos a lira de sons melodiosos.
Aliás, ao mesmo tempo, Píndaro não esquece o carácter divino do vinho, referindo-se aos vencedores dos jogos olímpicos como “cobertos de prata, / com taças para o vinho.”
E não deixa de ser interessante que Dioniso, o mais anarquista filho de Zeus, tenha ensinados aos homens o fabrico do vinho e a celebração festiva dos momentos, para que depois, em sua honra, tenha sido inventada a tragédia. É nesta tensão que a aprendizagem do vinho deve começar por ser feita: beber vinho, afinal, não deve ser tragédia, antes um ritual elaborado de bem-estar e de exercício livre da cidadania.
Como na velha Grécia, seja o bebedor um homem livre e equilibrado, que possa, com a sua moderação, ensinar a arte maior de bem beber. Dessa justa fusão nascerá, por certo, um homem mais preparado e previdente, verdadeiramente apto para o desempenho de uma cidadania activa.
“Beber, mas devagar” – eis uma divisa que o pensamento grego fundou e que, passados anos, ganha nova importância formativa. Cada passo firme neste trajecto comunitário é um momento ético que cada educador deve estimular.
Possa o exemplo mostrar a todos o carácter insubstituível de uma bebida que cruzou os tempos com um vigor que nenhum desvario ousou esconder.
A moderação é um ideal que o jovem de hoje deve abraçar sem receio. Esta “história do vinho” acertada pelo diapasão da justa medida é um tema inserível no âmbito da educação para a cidadania, defendendo-se a resistência a todos os consumismos alienantes.
Em época de crise de valores e de relativismos injustificáveis, serve ainda a temática abordada para a enfatização da necessidade do respeito por todos, no sentido da constituição de uma identidade individual positiva, que convalide como elemento identitário da nação um produto chamado vinho, que é, sem dúvida, forte como o grito poético das mulheres afegãs.
Eis, pois, outro claro sinal da justa asserção de Walter Benjamin que postula que a “cervejaria é a chave de qualquer cidade.”
5 comentários:
:
e eu faço-te um brinde, amigo
abraço
e
bom domingo!
Belíssimo texto! Abraço...
À cerveja e ao texto. Abraço do Canavarro.
sabes q gosto de ler.te?
pois é....adoro. perco.me. vero.
jocas maradas
Antes pouco que muito. antes muito que pouco. antes pouco que pouco. antes muito que muito.
Anda rapaz, traz-me uma taça.
Dou-te um abraço.
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