

As mais belas e directas palavras são as dos poetas. Os filósofos não hesitam e proclamam-no. Outros, por Antero repulsados da casa da poesia, abusam de um verso retirado à sorte de um poema que não conhecem. A nossa pátria é a poesia portuguesa. E deflagra-se a ironia de um não espantado silêncio.
Grito de dentro: Emanuel Félix não morreu, porque longe, porque perto do hálito do mar. Subiu ao fogo do éter, elevando-se nas sílabas de uma arte poética que diz: “Na madrugada o operário / De madrugada o poeta / Recolhem as palavras mais precisas / Para o tempo que vem que se avizinha... // Enquanto um sol de fogo se levanta...” (A Palavra O Açoite, 1977).
Emanuel Félix Borges da Silva nasceu, em Angra do Heroísmo, no dia 24 de Outubro de 1936. Por lá permaneceu, descuidado do Continente que pouco o cultivou. Dedicado desde cedo a páginas literárias, publicou o primeiro livro de poesia com apenas 17 anos. Em 1956, conheceu na sua ilha o poeta norte-americano David Morton. Desse encontro, resultou a aventura concretista de 7 Poemas (1958). Dirigiu com qualidade inatacável os três números publicados da revista açoriana Gávea (1958). Publicou, para além dos títulos mencionados, O Vendedor de Bichos e Poemas de Melibeia (1965), Sete Poemas Chineses (1967, com desenho caligráfico de Ling Hsien Phu), Angra no Último Quartel do Século XVI (1970), A Viagem Possível (Poesia-1965/1981) (1984), Seis Nomes de Mulher (1985), António Dacosta – Esboço de um Roteiro Sentimental (1988), O Dragoeiro (Dracaena Draco da Macaronésia) Chave da Grande Obra em Jerónimo Bosch (1988), O Instante Suspenso (1992), A Viagem Possível (1993, 2ª ed.), Os Trincos da Memória (1994), Iconografia e Simbólica do Espírito Santo nos Açores (1995), Habitação das Chuvas (1997) e 121 Poemas Escolhidos (2003).
Poeta, ensaísta, contista, cronista, crítico literário e de artes plásticas, artista plástico, professor de todos os graus de ensino e investigador, Emanuel Félix acumulou ainda, depois de estudos em Paris, Anderlecht e Lovaina, um importante saber científico sobre obras de arte, que aprimorou ainda em conhecidos museus europeus. Também auditor cultural, conferencista e associado de inúmeras instituições culturais, o poeta açoriano deixou ainda centenas de artigos disseminados por publicações nacionais e estrangeiras.
O poeta, esse, “de olhos cor de infinito” e com o “destino pássaro e árvore”, cruza o momento da morte com a sabedoria dos conhecedores do avesso das coisas. Não mais dizendo do que o ouro de cada dia, a palavra de Emanuel Félix escuta “o coração da noite” e nasce com a manhã e morre com o momento único do nada dizer-se de novo. Che cos’è la poesia? Com Derrida, desmobilizo o saber e a ele renuncio, seguindo o ditado da poesia que ouço: há um fogo nítido, vindo do corpo e do seu retiro, que é alegria súbita e voz do mar; há um gelo que é o sentido das coisas e a finitude de tudo; há um homo faber que é poeta desde o abismo do tempo e que diz a perfeição mais lustral.
Álamo de Oliveira di-lo “Poeta perfeito”. Digo que connosco se fazendo, cada dia se fazendo. Em poema consabido, o poeta açoriano diz que a morte é “uma coisa que tudo simplifica”. Os signos agudos de cada poema aí ficam, sem explicação. “Ame o homem a pedra / e pronto”. O resto é o nascimento da prosa…
6 comentários:
Poderoso poeta... Abraço!
nunca a Morte. aqui. nunca o gelo.
antes o degelo da verdadeira poesia.
a encher-nos de água.
beijo Martim.
Sempre gostei de Emanuel Félix... Boa-tarde e beijos!
Muito interessante!... J. Bandeira.
Muito interessante!... J. Bandeira.
gosto de ler.te
fico "horas perdida"
jocas maradas
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