Victor Afonso, desde cedo imerso em projectos musicais (Nihil Aut Mors, Exploding Trip Inevitable…) e paramusicais, agraciado mesmo em certames nacionais e internacionais, sempre atento à semiose artística, tem vindo a cavar, não só como músico e compositor, mas também como cinéfilo e animador cultural, um percurso que o tempo vai já coonestando.
Se “oblique musique” desperta a memória e os seus fragmentos através de colagens e experimentações multímodas, “Metamorphosia”, sem esquecer a raiz festejada, opta pelo aprofundamento dos valores seguros já sugeridos, não sendo, por isso, descabido falar-se em sutura, ou seja, em continuidade evolutiva, com desenvolvimentos sem sujeição.
Dividido nostalgicamente em “side_a” e “side_b”, passo construtivo que afirma também o vezo conceptual do trabalho, há em “Metamorphosia” uma minudência sonora e uma manipulação de possibilidades que conduzem o ouvinte à encruzilhada. Talvez mais caótico que o antecessor, certamente mais ousado, a investida de Kubik é uma tentativa de captação da originalidade e da origem lustral da música. Vindas de uma banca de alquimista, as sonoridades (também as vocais) parecem provir do centro do surreal. Acme da construção imperceptiva mas perceptível, há, na linha sonora aprofundada, um horizonte de relâmpagos que mostram e escondem, que afirmam e denegam, que são e não são.
Pleno de colaborações e de contributos (seccionáveis em denominações e influências), há, portanto, neste trabalho uma lógica avessa à mundanidade do comércio e do êxito fácil. Suprindo o aspecto caótico da aventura musical através de uma estrutura matemática e geométrica, visível, por exemplo, na dimensão conclusiva dos três “intros”, na distribuição equitativa de sete temas para cada face ou na consistência do trabalho, que sempre encontra, nos momentos de maior ousadia, elementos disseminados que contribuem para a coerência da proposta.
Arte sem limitações ou estruturação predominante, a presente formulação kubikiana abandona o ouvinte à sua melhor sorte: a de poder concluir da impossibilidade da incomunicação. Tal axioma, sem denegar a autocatarse e a auto-remuneração que uma obra desta qualidade sempre contém, abre a cada interpretante um válido nicho de legibilidade. Ser sujeito é agora ultrapassar a destruição, o silêncio e a ausência que uma obra arrebatadora sempre provoca.
Contribui a Zounds Records para o enriquecimento de cada um de nós. Eleva Kubik o horizonte da plenitude. Resta ao leitor, também ouvinte, negar comigo o hermetismo monadológico de Adorno e contribuir para a construção de sentidos que “Metamorphosia” indubitavelmente merece. O trabalho está aí, por Viseu, nas melhores livrarias e nas boas discotecas, junto ao melhor silêncio do verso de Hölderlin que alude ao sopro divino que nos toca “Como os dedos da harpista / As sacras cordas.”
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