2006-07-02

Alexandre da Conceição (1842-1889), aqui

O engenheiro e poeta Alexandre da Conceição (1842-1889) repousa, desde há muito, no cemitério central da cidade de Viseu. Escritor pouco lembrado, ficará talvez na história da cultura portuguesa por ter empreendido uma contenda insultuosa e dura com Camilo Castelo Branco. Tal polémica – modelar, segundo assevera posteriormente o próprio Camilo – permite evocar a tensão política do último quartel do século XIX entre progressistas e conservadores: se o Autor de “Amor de Perdição” representava o tradicionalismo reaccionário, Conceição era a voz do republicanismo emergente que proclamava o valor fecundo da democracia.
Toda a confusão se gerara, afinal, através de uma crítica publicada, por Alexandre da Conceição, no jornal “O Século” de 5 de Janeiro de 1881, em que, referindo-se a “A Corja” de Camilo Castelo Branco, fala de “uma banalidade suja” e de “um esgare grotesco e lastimoso” sobre o realismo e Eça de Queirós. Camilo, replicando em “Ribaltas e Gambiarras”, diz-se admirador de Eça e apoda o poeta-engenheiro de “sonoroso”, aconselhando-o mesmo a acrescentar a Alexandre da Conceição o nome “Imaculada”, devendo passar a assinar-se Alexandre da Conceição Imaculada.
As réplicas sucedem-se, passando Camilo por “grosseiro e banal” de estilo “fradesco e obsoleto”, Conceição por “um pequeno atacado das bexigas doidas do positivismo” dado a “balbuciações da língua portuguesa” e a “meninices em ortografia”, de novo Camilo por “deplorável repugnante”, Conceição por “furúnculo anónimo”, seguindo-se, até Abril desse ano de 1881, uma troca acesa de argumentos “ad hominem” entre os dois literatos.
Mas Alexandre da Conceição merece ainda ser relembrado como poeta, dado que tanto “Alvoradas” (1865), exaltantemente romântico, como o póstumo “Outonais” (1892), de imprecação revolucionária, são obras que têm atributos positivos que o tempo não pode sepultar. Lembro até que as sinestesias detectáveis no seu poema “Orquestra” levaram alguma crítica a ver nele um precursor do simbolismo.
Formatado no romantismo (“Eu fui do romantismo um crente confessado”) e dele se afastando para experimentar o espírito moderno, Alexandre da Conceição vai manifestando uma evidente decepção com a literatura coeva e experimenta mesmo um regresso à pureza das velhas convenções românticas.
Quando releio o poema “Morta” da derradeira colectânea do Poeta, prefaciada por Teófilo Braga, sempre concluo que há poemas que não enganam e vozes que mais merecem do que este silêncio que às melhores palavras entrego:

Como a flor delicada, ou nuvem cor-de-rosa
Que um temporal desmancha e o vento dissipou,
Assim ela também, fina flor luminosa,
Branca nuvem, no azul se desfez e passou.

Alexandre da Conceição está perto de nós, estranhamente esquecido…

3 comentários:

feniana disse...

"furúnculo anónimo"!!! :) chorei a rir. com estes "mimos", 100% camilianos até vale a pena ser insultado ;)

estimado martim: obrigada por esta lição. aprendi. eu, ignorante confessa, desconhecia o alexandre da conceição(imaculada)...eh.eh.eh

fui mazinha, mas foi por amor a camilo (e paixão a eça).

deixo-te um abraço

Anónimo disse...

Obrigado pela memória. E abraço...

porfirio disse...

boa-noite martim

:
e nós temos a sorte de seres
o vector de polinização
dos mortos iluminados
.

grande abraço