2006-07-03

a ilustre casa de Ramires: o escritor viseense Ramiro Ramires

Este é um texto contra o néon do esquecimento. Queira o destino que ele seja indício claro de que todo o deslembrado literário é uma interpelação constante. Aliás, o descaso está para mim no centro epistemológico das paixões, qual acto de higiene que defende da centrifugação do real “délabré” que cerca e toma a ágora da cidade.
Convoco Ramiro Ramires para que nos defenda da roda soturna da matéria e dos actos habituais deslegitimidores. Só a diferença redime o humano e só por ela se afirma o etos do homem necessário. Assim é o caso desta “fábula”, que continuo.
Ramiro de Castro Cunha e Silva, dito Ramiro Ramires dentro da arte, nasceu em Viseu, no dia 25 de Julho de 1908. Filho do cónego José Marques Ritto e Cunha, licenciado em Teologia pela Universidade de Coimbra, não espanta que o seu estro se elevasse a nível superior, tanto mais que do progenitor colhera, por certo, o amor às “belas letras” e a vocação de intelectual – aproveito este passo para sublinhar que o Cónego Ritto é um outro nome cultural que urge redimensionar.
Depois de frequentar o Liceu de Viseu, Ramiro de Castro entrega-se à administração do património familiar, não descurando nunca a escrita, a pintura e o cinema. Em termos cívicos, foi filiado na organização clandestina “Socorro Vermelho Internacional”, tendo sido acusado, em Agosto de 1937, de propagandear ideias subversivas.
Sentindo a pintura adentro de um autodidactismo que sempre cultivou, a sua expressão plástica passa pela mimese, que ele sentia como uma arte do pressentimento e da adivinhação, ou seja, como recriação interior. Mas não só – também cultivou o trabalho original.
Pintor e artista plástica desde muito novo, Ramiro Ramires – e isso principalmente aqui me traz – foi também escritor. Deixou-nos cinco obras de diferentes modos e géneros, eivadas todas de força imprópria do mero polígrafo e reclamando à posteridade um exercício de recentramento na cultura localista, . Assim, em 1978, sai a lume Combate na retaguarda, livro amargo e certeiro sobre a descolonização portuguesa e sobre a presença de Portugal no Mundo ( e não só), que recolhe crónicas publicadas desde 1964; o texto dramático “Quando as feras dormem”, contendo um codicioso paratexto intitulado “Ler Teatro” e um dizer dramático escrito “com o sangue do coração do homem”, é publicado em 1980; no ano seguinte, em 1981, publica-se “O argumento cinematográfico”, que inclui trabalhos anteriores, tais como uma adaptação cinematográfica do romance “A Ilustre Casa de Ramires” de Eça de Queirós (que obteria, em 1945, um 1º prémio do S. N. I. e contém interessante texto introdutório, de 1957, sobre as relações entre o romance e o cinema), bem como uma interessante reflexão inicial sobre o cinema, a propósito do argumento “O Paraíso Perdido” (1967), ou uma ideia para um filme de longa metragem de nome “O Comendador” (1964); a comédia burguesa “Feliz Aniversário”, escrita em 1940, vem à tona viva do mundo logo de seguida, vazando em letra uma estimável inquirição dramática sobre a natureza humana; por último, “Passeios em Fontelo” inscreve na memória afectiva do leitor o “cursus” imaginário do escritor junto ao secreto desejo do sentimento – por si falam também os espaços verdes do nosso Fontelo, na quietude pasmada das folhas e no bulício do sopro de cada Inverno. Ouvem-se ainda os lugares da cidade e as suas histórias. Ouve-se o surdo deambular que escuta o centro de nós. Ouvem?
Nem só das aves a voz mais nítida. Ramiro Ramires, falecido em 31 de Outubro de 1985, aproxima-se, no exercício do espírito crítico, da luminosidade racionalista de Sílvio Lima. Lembra mesmo, no acto de apreensão da ideia fugitiva, o que de mais encantador existe na “aparição” vergiliana. Cito o escritor viseense: “Sai-me do cérebro uma ideia, e logo foge, para o alto e lá fica brilhando serena e perfeita à espera que eu a exprima.”
Em época de dissolução e de fáceis conseguimentos, espanta que a cidade esqueça os melhores dos seus! Amiel, no entanto, corrige-me a acidez e ensina-me que “é preferível estar só do que com indiferentes.”

4 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

é verdade a última frase Martim!!!!!!!


tão verdade.

mas aqui nunca a solidão se expande.


aqui a memória é uma flor. sempre e genialmente acarinhada.


obrigada.

beijos.

Anónimo disse...

Bela memória de um escritor desconhecido. Abraço...

Anónimo disse...

Adorei saber... Boa-tarde!

porfirio disse...

boa-noite

:
interessante a história
tanto como de impressionante
a imagem tem
.

abraço