2005-12-28

VITRIOL


rosacrucianamente sopro, leitor atento, para dentro do poço as palavras aladas e digo do fundo peito, em murmúrio: "visita interiore terram, rectificando invenies ocultum lapidem."

2005-12-23

iniciação à lucidez

desce de olhos abertos os degraus e encontra os estádios que quiseres. junto ao paraíso, no rodar do punho, eis o inferno: no núcleo da pedra morres de novo e subtilmente te cristalizas. e só agora ascendes ao alentejano diabo que te fita do frontão e te diz com vómitos de fogo que assim és porque da terra vieste, iniciado.

2005-12-16

nascem os deuses

"É logo que o sangue se devora
que nascem os deuses."
(António de Navarro, Vigília Distante.)

2005-12-15

demonização

caillois transmuta o dito e o teatro continua aberto. expulso o demónio, rápido retorna e maligno. negro, o diabo está no ponto. quem ficará mais tempo neste lugar?

2005-12-11

do teu corpo nascem as florestas

do teu corpo nascem as florestas. e às florestas voltas depois de cada osso mandibular. nem o sangue coalha dentro do luar. dente por dente e dedo por dedo. a gordura do tempo és tu, pássaro comendo a asa e os dias por chegar.

esther

da escuridão a luz: o classicismo contemporâneo de kowalik. rompa-se o silêncio.

2005-12-10

the cross we choose to bear - release at last my love

em silêncio, leia-se mais este Piotr Kowalik adaptado.

2005-12-08

ode ao corpo

kowalik escreve o corpo assim.

2005-12-07

o voo ígneo da águia real

das turfeiras mais próximas a velha ave levanta voo. de coroa e nuca fulvas levanta a cabeça sem olhar o inimigo. alares as asas aguçam-se profundas. na arena o público respira fundo. agora é o voo picado e o mundo na tua mão. amarelo o bico engancha-se no corpo. sereno o olhar pendura-se no peito. em silêncio a pique cai o amigo inglês.

2005-12-06

língua de fogo

no branco nu da chávena uma língua roda. não tem pressa nem já tempo. viaja sábia e desliza no espelho do gelo. no cone do horizonte dois amigos espreitam. quem assim brinca com as palavras observa. na rasteira do medo o gume do raro vocábulo despede e volteia. uma vez mais o prazer vem do café. fundo do tempo doce e bolacha só para um. a conta não cresce como a língua fundo no peito. agora dizes o sopro sobre a voz. sei de um caso. e nós em volta disparados ao céu. a perícia está no corpo. uma vez mais volteia a mente contra o frio da sala de fim de almoçar. agora volteia a língua a sua dança, bailarina carne que ao café desce. não limbo nem castigo na volúpia. só esse brilho e o sabor do mel. o autocarro comprime o velho arco. o conhecimento chega depois das duas da tarde. passam duas na montra deste bar e a pequena pedra desce a pique. três se levantam contra a noite. brilha o sol em s. francisco e volta a água para dentro da fonte. um estrondo breve no granito do dia. da pedra à boca só um instante. mastigação funda cai ao estômago. quem dentro da língua de fogo?

uma fenda no nevoeiro

abre-se o silêncio ao fogo da paixão. um corpo destro está na mesa. alongado por mim dentro sobre o prato. longe são os gritos da infância. em volta a linfa cobre a linfa e o homem é de novo bicho do homem.

2005-12-01

chuva em azul



chove no dia azul fora de ti.

um pouco mais de verde



Ao Jerónimo, porque sim
é verde o grito do teu canto. ou azul a chama do teu corpo. nem sol nestas terras desnudadas. só estrelas plantadas no teu leito. é terra o sítio do teu sangue. é voz comprimida que se expande. há vida verde-azul em amar-te.

2005-11-27

Ruínas


um dia o sol dentro das cinzas. um brilho de azeite inundava o dia. um espaço uma casa um livro aberto contra a luz. e também morada da sombra. onde as letras na fonte, onde a música do corpo? o cérebro vem à cidade, talvez lembrando o vício. do pobre fogo das palavras só a inveja se alimenta. e no entanto este polvo intacto e esta mágoa cruzam o sangue e explodem nas gavetas do corpo. quando assim a ordem e a biblioteca? quando a ruína fora da noite? e a mesma cor dentro da língua?

2005-11-23

Branquinho da Fonseca em Aveiro



RESTAURAÇÃO

Se me vierem procurar: não estou. Quando me
fecho em casa é para ser só eu: delicado e bru-
tal, humilde e altivo, sacrificado e egoísta: o
bem e o mal! humano! Sem atitudes seguidas.

(Branquinho da Fonseca, presença 18 )

2005-11-22

A genialidade trágica de Rodrigo Emílio

volta a voz. dita assim "como carvão aceso numa urze em flor":
"(...Enquanto eu desço os teus braços
Numa sede de dedos inocentes...)"
(Rodrigo Emílio, As lágrimas ancoradas à sombra do amor)

2005-11-20

a mitologia do sangue em Luís Calheiros

à sombra dos dias um traço corta a folha breve. não há esgar que não seja tormento. os liames das parcas retesam os músculos e a carne. também em tempos fui provérbio. agora subo por este catre que é o abismo da criação. vou preso e talvez seguro. nem a pedra me trava o passo. de repente um breve lume. assim a pintura e o suplício.

2005-11-14

a água em cuja pele

coisas existem inominadas. junto ao flanco do pensamento o olhar directo corta o gelo. nem o mar do inverno arrefece o objecto. da única treva opressa um sopro esbarra na retina. nada importa já. nem mais estradas dentro da noite. o sol vem a pique dentro do cérebro. um relâmpago fende a espessura dos ossos. agora a mão no rosto, pensativa. as pedras rodam em volta. os gestos repousam na sombra. o porão do passado estende-se na varanda. rápida a chuva. por fim, a água em cuja pele.

2005-11-10

da memória e do esquecimento


esquecer para melhor dizer, eis um passo sempre irrecusável.

2005-11-08

olhar para dentro


«123 Não queiras saber tudo. Deixa um espaço livre para te saberes a ti.»
(Vergílio Ferreira, Pensar )

2005-11-07

Perfuração



à sombra da casa rói o tímpano. e nem asa ou chama dentro do corpo. assim a medida de meus dias:

casca encostada ao fogo e um dedo nos lábios. por ti esperando, pérfido abutre.

2005-11-05

alexandrino



"a língua submetida a meus caprichos"
(antónio franco alexandre, uma fábula)

2005-11-03

epitáfio


Impôs-me o tempo
um pacto
dia a dia renovado
Jamais a paz dos gestos
sempre a guerra
do silêncio envenenado
(António Manuel Ferreira, barca d'alva, 1995)

2005-11-01

no fio da navalha

cai no chão o corpo espacejado. nem lâmina ou gume o corrompe. pesado jaz no jardim. estátua morta desafia os céus e o voo ácido das pombas. no horizonte ondulam sinais de bronze. a morte eterna vem agora no volteio das folhas outoniças. súbito o vento empurra a folhagem e mostra o brilho frio. a pedra amolece contra a rajada. um pouco de morte ainda. dentro da noite.

2005-10-30

Adivinha de Tirésias


vem do desprezo o olhar que não vê. frio, glacial, o sangue enrijece- -lhe a pose. vindo à idade adulta, nada se sabe, nem eco. vindo o inverno, um dia, quando se olhar em vulgar charco, contra breve chuvisco, verá um rosto que o secará. aí, rasteiro gnomo tomar-lhe-á o corpo, privando-o da linfa. aí, nascerá um cacto azul mais belo do que um nenúfar. em cada verão, então, brotará do solo um líquido sanguíneo que irromperá dentro de ti...

proposta quase inicial de ave azul

Junto a Vergílio, o dia nasceu. ainda breve, quase nada faltou. nem desânimo. esta é a capa das costas do número 1 anunciando a incrível literatura. tomados de espanto, o tempo passa e a memória é mais longa. um dia, não será assim. então, colhe este sinal mudo no espaço íntimo de ti e abandona-te ao inverno que te confunde.

2005-10-29

a mesma ideia: FIDELIDADE OU LEALDADE


"Os grous são tão fiéis e leais ao seu rei que à noite, quando ele dorme, percorrem o prado para vigiar à distância; outros ficam ao pé dele, com uma pedra na pata para que se o sono os vencesse a pedra caísse fazendo tal ruído que os acordaria. Outros dormem todos juntos em volta do rei e fazem-no todas as noites em turnos para que nunca faltem ao seu rei." [H, 9 r]

2005-10-28

tesouras & alicates


é com a língua que corto o vento. a força dos alicates esmaga-me os ossos. novo e cego narciso, é com o corpo que dedilho os elementos. o lume desce à garganta e o mito ilumina-se nas paredes do estômago. na mala levo comigo os poemas dos outros. no espelho da água fito a imagem. a primeira, vinda sobre a pele dos dias. cada avanço é um som opaco, sem pegada. em ti me perco, já sem regresso. as lâminas da tesoura tombam e nem sequer um pouco da morte.

2005-10-26

cicatrizes

eis as cicatrizes do corpo da cidade. perto da memória, nem só fungos. há o gelo dos charcos e o fumo do esquecimento. quantas vozes e ecos debaixo das velhas tílias? perdeu-se um lenço desde a velha casa. nascendo o dia, ouve-se ainda o bulício da praça. o mundo envelheceu face à limpidez da imagem. e, no entanto, as formigas negras cresceram, incómodas. duas mulheres pisam o hálito quente da terra. uma festa, longínqua, declina. na velha estação, ao fundo do corpo, a chuva irrompe pela madrugada, queimando os dedos e as veias. o despertador acorda no espelho matando a alegria da revelação. dentro de mim, o comboio mata a cidade.

2005-10-24

Navarrianas


Na primeira figura punha o olhar,
a maligna voz do descontentamento,
vendo Gomes increpando o ser vulgar.
Que podia agora ela face aos tormentos,
que não fosse sua demissão logo exarar
e, debitando débeis uns lamentos,
logo correr para florido outeiro,
sempre fugindo à frente do Monteiro!

espantosa Christina Rossetti

"Not a word for you,
Not a lock or kiss,
Good bye.
We, one, must part in two;
Verily death is this:
I must die."

2005-10-23

LENI RIEFENSTAHL



eis o rosto das melhores visões. das anteriores, também...

2005-10-22



é tão difícil dizer o corpo. assim estas imagens, iguais, o tornam fácil.
quem deste modo, quem?

OUTUBRO VEM...


Outubro...
Ó ar de desfalecimento,
és uma lírica suspensa à volta!
A voz do vento,
triste, cansada, em tom cansado e lento,
não sei que frases de rimance solta.
António Sardinha, A Epopeia da Planície

rapsódia de outubro

de ideia em riste, vem a manhã. cobre o País um manto de esperança. que nevoeiros em volta? que dor ainda a do terreiro do paço? quanta casa em silêncio? quando esta ideia?...

2005-10-21

REAL! REAL!

A EL-REY

De capa e volta, de calção e vara,

hei-de ir, Procurador do meu Concelho,

falar ao Senhor-Rey com fala clara,

dizer-lhe uma oratória que aparelho!

António Sardinha, A Epopeia da Planície.


CHOVE EM VISEU


"NÓS OUVÍAMOS HORAS A FIO MÚSICA DE MOZART, MÚSICA DE BEETHOVEN, SEM PRONUNCIARMOS SEQUER UMA PALAVRA."


THOMAS BERNHARD, O sobrinho de Wittgenstein, 1982.


2005-10-20

AVE AZUL - nº 1 - Outono de 1999


"Um fio louro
Abre um riso na dor duma nuvem escura...
O Céu também esconde em risos a Amargura!"
FAUSTO GUEDES TEIXEIRA

http://www.elogiodapalavra.blogspot.com

canto luminoso

porque marginal, da margem sombria da sabedoria, releio "canto desabitado" de António Gil sob a luz da euforia:

"refaço-a a partir do vago compasso da ventania, do estalar da vaga, do solo ressumando a litania dos dias já completos..."
António Gil, Canto desabitado

2005-10-19

crash

não há tecla. o computador não fala. momentos de silêncio.

2005-10-18

DA INTENÇÃO

Intentions de Oscar Wilde (first edition)

intento cada dia nova página saída do fundo das intenções. nada me move nem orgulho até.
apenas fio vascular do centro de mim. e emoções controladas pela influência pacificadora. assim o fogo da palavra. martim disse.

2005-10-17

o mito de Narciso


estrofes e mitos; beijo-te, não é? nada estava escrito,
nenhuma verdade comum aos planetas,
éramos só nós sem nenhum segredo,
vivos e completos, serenos, mortais.
António Franco Alexandre, Uma fábula

2005-10-16

OASIS, uma questão de qualidade


para quem ainda duvide, eis os Oasis, vitoriosos, nos Q-awards...

2005-10-15

DEFINITIVAMENTE, JOEY


















"Stop thinking about it // Dwelling is driving me crazy / Obsessing don´t you know where that´s at / Yeh, you don't know what you want but you want it"

UMA IDEIA


a ideia chega, sábado após sábado, luminosa...

2005-10-14

ÁRDUA POESIA


Tahar Ben Jelloun, poeta e ensaísta marroquino, diz que a poesia não se pode explicar. estranha, portanto, é a sina dos hermeneutas...

2005-10-13

A HORA SOCRÁTICA


A CERCA DE DOIS ESTÁDIOS DO INFERNO, SÚBITO CHEGA UM GRITO DE GUERRA E O SOM DAS TROMBETAS. CORRENDO, IRROMPE UM CORPO DE TROPAS HOPLITAS. LÉPIDAS, GRITAM A CHEGADA DA SOCRÁTICA HORA. OS VALENTES DE MONTE EMÍDIO TOMBAM, DE PERNAS EM RISTE. A SEUS PÉS MURCHAM AS ROSAS. PODEREMOS DESEJAR MAIS?

2005-10-12

MANUEL DE FREITAS

A IMAGEM DIZ O DENTRO DA POESIA

o gume do olhar
lembra ao pobre mortal
que cada regresso
é o gelo da morte
e o início do canto

a Franco Alexandre, dentro da hora difícil