2005-12-28
2005-12-23
iniciação à lucidez
desce de olhos abertos os degraus e encontra os estádios que quiseres. junto ao paraíso, no rodar do punho, eis o inferno: no núcleo da pedra morres de novo e subtilmente te cristalizas. e só agora ascendes ao alentejano diabo que te fita do frontão e te diz com vómitos de fogo que assim és porque da terra vieste, iniciado.
2005-12-16
2005-12-15
demonização
2005-12-14
2005-12-11
2005-12-08
2005-12-07
o voo ígneo da águia real
das turfeiras mais próximas a velha ave levanta voo. de coroa e nuca fulvas levanta a cabeça sem olhar o inimigo. alares as asas aguçam-se profundas. na arena o público respira fundo. agora é o voo picado e o mundo na tua mão. amarelo o bico engancha-se no corpo. sereno o olhar pendura-se no peito. em silêncio a pique cai o amigo inglês.
2005-12-06
língua de fogo
no branco nu da chávena uma língua roda. não tem pressa nem já tempo. viaja sábia e desliza no espelho do gelo. no cone do horizonte dois amigos espreitam. quem assim brinca com as palavras observa. na rasteira do medo o gume do raro vocábulo despede e volteia. uma vez mais o prazer vem do café. fundo do tempo doce e bolacha só para um. a conta não cresce como a língua fundo no peito. agora dizes o sopro sobre a voz. sei de um caso. e nós em volta disparados ao céu. a perícia está no corpo. uma vez mais volteia a mente contra o frio da sala de fim de almoçar. agora volteia a língua a sua dança, bailarina carne que ao café desce. não limbo nem castigo na volúpia. só esse brilho e o sabor do mel. o autocarro comprime o velho arco. o conhecimento chega depois das duas da tarde. passam duas na montra deste bar e a pequena pedra desce a pique. três se levantam contra a noite. brilha o sol em s. francisco e volta a água para dentro da fonte. um estrondo breve no granito do dia. da pedra à boca só um instante. mastigação funda cai ao estômago. quem dentro da língua de fogo?
2005-12-04
2005-12-01
2005-11-27
Ruínas
um dia o sol dentro das cinzas. um brilho de azeite inundava o dia. um espaço uma casa um livro aberto contra a luz. e também morada da sombra. onde as letras na fonte, onde a música do corpo? o cérebro vem à cidade, talvez lembrando o vício. do pobre fogo das palavras só a inveja se alimenta. e no entanto este polvo intacto e esta mágoa cruzam o sangue e explodem nas gavetas do corpo. quando assim a ordem e a biblioteca? quando a ruína fora da noite? e a mesma cor dentro da língua?
2005-11-23
Branquinho da Fonseca em Aveiro
2005-11-22
A genialidade trágica de Rodrigo Emílio
volta a voz. dita assim "como carvão aceso numa urze em flor":
"(...Enquanto eu desço os teus braços
Numa sede de dedos inocentes...)"
(Rodrigo Emílio, As lágrimas ancoradas à sombra do amor)
2005-11-20
a mitologia do sangue em Luís Calheiros
à sombra dos dias um traço corta a folha breve. não há esgar que não seja tormento. os liames das parcas retesam os músculos e a carne. também em tempos fui provérbio. agora subo por este catre que é o abismo da criação. vou preso e talvez seguro. nem a pedra me trava o passo. de repente um breve lume. assim a pintura e o suplício.
2005-11-14
a água em cuja pele
coisas existem inominadas. junto ao flanco do pensamento o olhar directo corta o gelo. nem o mar do inverno arrefece o objecto. da única treva opressa um sopro esbarra na retina. nada importa já. nem mais estradas dentro da noite. o sol vem a pique dentro do cérebro. um relâmpago fende a espessura dos ossos. agora a mão no rosto, pensativa. as pedras rodam em volta. os gestos repousam na sombra. o porão do passado estende-se na varanda. rápida a chuva. por fim, a água em cuja pele.
2005-11-10
2005-11-08
olhar para dentro
2005-11-07
Perfuração
2005-11-05
2005-11-03
epitáfio
um pacto
dia a dia renovado
Jamais a paz dos gestos
sempre a guerra
do silêncio envenenado
(António Manuel Ferreira, barca d'alva, 1995)
2005-11-01
no fio da navalha
cai no chão o corpo espacejado. nem lâmina ou gume o corrompe. pesado jaz no jardim. estátua morta desafia os céus e o voo ácido das pombas. no horizonte ondulam sinais de bronze. a morte eterna vem agora no volteio das folhas outoniças. súbito o vento empurra a folhagem e mostra o brilho frio. a pedra amolece contra a rajada. um pouco de morte ainda. dentro da noite.
2005-10-30
Adivinha de Tirésias
vem do desprezo o olhar que não vê. frio, glacial, o sangue enrijece- -lhe a pose. vindo à idade adulta, nada se sabe, nem eco. vindo o inverno, um dia, quando se olhar em vulgar charco, contra breve chuvisco, verá um rosto que o secará. aí, rasteiro gnomo tomar-lhe-á o corpo, privando-o da linfa. aí, nascerá um cacto azul mais belo do que um nenúfar. em cada verão, então, brotará do solo um líquido sanguíneo que irromperá dentro de ti...
proposta quase inicial de ave azul
Junto a Vergílio, o dia nasceu. ainda breve, quase nada faltou. nem desânimo. esta é a capa das costas do número 1 anunciando a incrível literatura. tomados de espanto, o tempo passa e a memória é mais longa. um dia, não será assim. então, colhe este sinal mudo no espaço íntimo de ti e abandona-te ao inverno que te confunde.
2005-10-29
a mesma ideia: FIDELIDADE OU LEALDADE
"Os grous são tão fiéis e leais ao seu rei que à noite, quando ele dorme, percorrem o prado para vigiar à distância; outros ficam ao pé dele, com uma pedra na pata para que se o sono os vencesse a pedra caísse fazendo tal ruído que os acordaria. Outros dormem todos juntos em volta do rei e fazem-no todas as noites em turnos para que nunca faltem ao seu rei." [H, 9 r]
2005-10-28
tesouras & alicates
é com a língua que corto o vento. a força dos alicates esmaga-me os ossos. novo e cego narciso, é com o corpo que dedilho os elementos. o lume desce à garganta e o mito ilumina-se nas paredes do estômago. na mala levo comigo os poemas dos outros. no espelho da água fito a imagem. a primeira, vinda sobre a pele dos dias. cada avanço é um som opaco, sem pegada. em ti me perco, já sem regresso. as lâminas da tesoura tombam e nem sequer um pouco da morte.
2005-10-26
cicatrizes
eis as cicatrizes do corpo da cidade. perto da memória, nem só fungos. há o gelo dos charcos e o fumo do esquecimento. quantas vozes e ecos debaixo das velhas tílias? perdeu-se um lenço desde a velha casa. nascendo o dia, ouve-se ainda o bulício da praça. o mundo envelheceu face à limpidez da imagem. e, no entanto, as formigas negras cresceram, incómodas. duas mulheres pisam o hálito quente da terra. uma festa, longínqua, declina. na velha estação, ao fundo do corpo, a chuva irrompe pela madrugada, queimando os dedos e as veias. o despertador acorda no espelho matando a alegria da revelação. dentro de mim, o comboio mata a cidade.
2005-10-25
2005-10-24
Navarrianas
a maligna voz do descontentamento,
vendo Gomes increpando o ser vulgar.
Que podia agora ela face aos tormentos,
que não fosse sua demissão logo exarar
e, debitando débeis uns lamentos,
logo correr para florido outeiro,
sempre fugindo à frente do Monteiro!
espantosa Christina Rossetti
2005-10-23
2005-10-22
OUTUBRO VEM...
Outubro...
Ó ar de desfalecimento,
és uma lírica suspensa à volta!
A voz do vento,
triste, cansada, em tom cansado e lento,
não sei que frases de rimance solta.
António Sardinha, A Epopeia da Planície
rapsódia de outubro
2005-10-21
REAL! REAL!
A EL-REY
De capa e volta, de calção e vara,
hei-de ir, Procurador do meu Concelho,
falar ao Senhor-Rey com fala clara,
dizer-lhe uma oratória que aparelho!
António Sardinha, A Epopeia da Planície.
CHOVE EM VISEU
2005-10-20
AVE AZUL - nº 1 - Outono de 1999
canto luminoso
porque marginal, da margem sombria da sabedoria, releio "canto desabitado" de António Gil sob a luz da euforia:
"refaço-a a partir do vago compasso da ventania, do estalar da vaga, do solo ressumando a litania dos dias já completos..."
António Gil, Canto desabitado
2005-10-19
2005-10-18
DA INTENÇÃO
2005-10-17
o mito de Narciso
2005-10-16
2005-10-15
DEFINITIVAMENTE, JOEY
2005-10-14
ÁRDUA POESIA
2005-10-13
2005-10-12
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