2006-12-31
por último
esgotando o ano as águas
sabendo que a cidade branca
a memória hão-de silenciar-me.
resisto séculos passados
e contra o silêncio escrevo
não temendo a defecção
ou os lugares desabitados.
antes das chuvas sinto a pele
abrindo estiolando na carne
as vinhas desordenadas
apodrecidas já dentro do corpo.
voltarei a lisboa ao poema litoral
cortando a noite o desejo breve
e nada direi da solidão do vento
nem do mar afundado na terra.
do ano que finda anoitece a lua
o fogo das ravinas o abismo cego
dos nomes dezembrinos rindo
esmagados pela violência do betão.
eu ainda não conheço as palavras
e menos sei do rumor emparedado.
2006-12-30
2006-12-27
Poema para Rodrigo Emílio
lembro-me da noite longa
devorando o rio e a água,
dos instantes breves
rodeando o passado,
os bancos dos jardins.
Vejo-Te aí plantado,
no sítio da velha casa
nos fungos dentro,
matizando o pão nu.
Sei agora neste Dezembro
silenciosamente vivo
que este canto seco
é um punhal ardendo.
Eis-me aqui depós a noite
no princípio do amor
debruçado no emiliano vento
esperando uma resposta quente.
O Inverno não finda ainda.
Eis-me aqui ardendo,
encostado ao frio da noite,
sozinho esperando apenas.
Após a litania o verbo não responde.
2006-12-24
votos de um Santo Natal
Meu Deus, aqui estou. E no mais não repares,
por ser esta noite a Noite que é!
Em versos Te rezo. E no mais não repares,
por ser esta noite a Noite mais calma!
- Conduz-me aos mais altos lugares
da minha fé!
- Conduz-me aos mais altos lugares
da minha alma!
[Rodrigo Emílio, Pequeno Presépio de Poemas de Natal]
2006-12-23
a dita cuja
2006-12-21
cassiopeia
oblíquo sobre o quarto rindo
espalhando a luz pelas frinchas?
do corpo do lume quase brando
convulsionado eis que a nuvem
explode no punho dentro da fenda.
um rosto espreita junto a pound
obscurecido pelo bailado do jongleur
pela espessura das trevas pelo olhar.
do tecto dúctil a flauta alonga o canto
caindo firme dentro do poço estelar
irisada cassiopeia sobre o manto.
2006-12-20
previsão
uma luz azul rompe
cerce a pele o dia
e o suor da morte
nem de ressequida cor
lembra o caminho frente.
aspira-se a noite
o rumor brando
no espelho diurno
olhos abertos
perplexos na água.
os animais na fonte
as sombras verdes
fúlgidas já ardendo
no pescoço arrepiado.
e então a casa longe
aberta a porta lá
a maternal presença
escorrendo pelo lenço.
chove o amor vindo
declinante prazer
esquecido leito de pedra.
ao longe isto foi previsto.
2006-12-19
Conto de Natal
2006-12-17
diaporama
a chuva ácida ou o fluir
do azeite nas articulações
levarão ao remoto início.
posiciono-me como se
não houvesse objectos
como se o néon dentro de ti
fosse uma jarra no coração.
conheço agora o teu outono
o rito breve e o inverno
declinado por ti dentro.
no silêncio do incontacto
nua pensas no que somos
vidro quebrado verde
e opaco que passa rói
ferindo a pele a carne.
talvez nada passe fora
e tudo dentro sangrando
nos frios guindastes
da cidade explodida.
2006-12-16
2006-12-15
nos olhos
esquecida dos ruídos da vida
e baila para ti possuindo-te
enquanto o inverno rói os ossos.
na noite uma luz branca acena
ilusão cega sobre a pálpebra.
2006-12-14
a mão
fundas calam a morte
a aurora e o lume.
os lábios o brando mel
fluem do orvalho quentes
como a boca e o sopro.
uma pétala cai na mão
enchendo a concha o velho mar.
2006-12-13
2006-12-12
Trechos do prefácio do livro de Joseph Ratzinger, «Jesus de Nazaré»
CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 23 de novembro de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos alguns trechos do prefácio do primeiro volume do livro «Jesus de Nazaré», que Joseph Ratzinger -- Bento XVI -- publicará na próxima primavera. As passagens foram facilitadas por Rizzoli, editor a quem foram concedidos os direitos internacionais.
Prefácio
Eu creio que precisamente este Jesus -- o dos Evangelhos -- é uma figura historicamente sensata e convincente. Só se aconteceu algo extraordinário, só se a figura e as palavras de Jesus superavam radicalmente todas as esperanças e as expectativas da época, só assim se explica a Crucifixação e sua eficácia.
Aproximadamente vinte anos depois da morte de Jesus, encontramos já plenamente desdobrada no grande hino a Cristo que é a Carta aos Filipenses (2, 6-8) uma cristologia, na qual se diz de Jesus que era igual a Deus mas que se desnudou a si mesmo, se fez homem, se humilhou até a morte na cruz e que a ele incumbe a homenagem da criação, a adoração que no profeta Isaías (45, 23) Deus proclamou que só a Ele se devia.
A investigação crítica faz com bom critério a pergunta: o que aconteceu nestes vinte anos desde a Crucifixão de Jesus? Como se chegou a esta Cristologia?
Fez-nos conhecer uma grande quantidade de fontes e de concepções através das quais a figura de Jesus pode fazer-se presente com uma vivacidade e uma profundidade que há poucas décadas não podíamos nem sequer imaginar. Eu tentei ir além da mera interpretação histórico-crítica, aplicando novos critérios metodológicos, que nos permitem uma interpretação propriamente teológica da Bíblia e que naturalmente requerem fé, sem que por isso eu queira renunciar à seriedade histórica. Creio que não é necessário dizer expressamente que este livro não é em absoluto um acto magisterial, mas a expressão de minha busca pessoal do «rosto do Senhor» (salmo 27, 8). Portanto, cada um tem liberdade para me contradizer. Só peço às leitoras e aos leitores uma antecipação de simpatia, sem a qual não existe compreensão possível.
2006-12-10
as palavras
a pique sobre o bosque sublimado
ou o lume raro esventrar o corpo
silenciando o momento a velha usura.
nem nunca uma palavra tanto disse
dizendo diferente com ipseidade.
rara palavra buril sem buril caindo
dentro da noite outra palavra sendo.
palavra dizendo a palavra minha
que recolho no corpo teu.
2006-12-08
se calhar um dia
o mar agreste
vai entrar em ti
sem que o notes
e a vida aérea
não mais será
que rio turvo.
Mesmo que
súbitos céus
iluminem a mão
um dedo queimado
entrará em ti
vibrante.
Também depois
do outono do ritmo
das estações o tempo
há-de extinguir-se.
Como a inseparada
morte estação perdida
em carris de flores.
2006-12-07
Prestar contas
Para todos os efeitos, o Orçamento do Estado encontra-se aprovado. Terminada a maratona das comissões e dos diferentes sectores, da qual, como é hábito quando existe maioria, nada de visível resultou, a aprovação na generalidade é um simples ritual. O que mais espanta neste momento único do ano político é a ausência de avaliação, de exame do que foi feito e de discussão sobre os resultados. Os governos garantem que estão a fazer as melhores escolhas e as poupanças necessárias, enquanto as oposições declararam que seria necessário gastar mais aqui ou ali, conforme as simpatias e as preferências políticas. Fazer as contas ao passado, analisar o que foi gasto, saber se o ano anterior (que ainda não acabou...) deu bons ou maus resultados: eis preocupações ausentes. E mesmo que haja quem se interesse por tal observação pode perder a esperança: não há dados nem factos que o permitam. Na verdade, a discussão do Orçamento serve apenas para aprovar o que se vai gastar, não serve para prestar contas, muito menos para avaliar a bondade das despesas futuras. Poder-se-á pensar que existe também o procedimento da aprovação da Conta Geral do Estado. Mas esse gesto é totalmente inútil: ocorre fora do tempo, já não permite retirar conclusões e a sua aprovação é um pró-forma.Interessa-me em especial o sistema educativo. Como tudo na sociedade e na vida, também este deveria prestar contas. Com uma razão suplementar: trata-se da maior organização (só comparável, apesar das diferenças, ao serviço de saúde), do maior sistema integrado que existe em Portugal e que não presta contas. Isto, partindo do princípio que prestar contas significa que tal se faça a alguém ou alguma entidade que não seja a mesma que a entidade obrigada. Ora, mais do que outros sectores da vida pública, os organismos da educação prestam contas a si próprios. As universidades prestam contas às universidades. As escolas prestam contas às escolas. Os professores prestam contas aos professores. E todos prestam contas, vagamente, ao ministério que é responsável por todos. Pensar que o ministério presta contas ao conselho de ministros e este ao Parlamento é, como se sabe, uma figura de retórica. A confiança parlamentar pode ser considerada uma maneira de prestação de contas, mas sabemos que esta operação se situa num plano político global e abstracto que não resolve o problema de que aqui se trata. Um governo pode merecer apoio partidário e parlamentar, mas o que está em causa não são entidades concretas, nem organismos reais, muito menos acções específicas.Eventualmente, pode aceitar-se a excepção do Tribunal de Contas. Este órgão ainda consegue analisar as contas do Estado e de alguns serviços. De vez em quando, aliás, os seus relatórios e as suas sentenças são de excepcional valor. Mas sabemos que as competências deste tribunal superior são deliberadamente limitadas. Mesmo se, recentemente, o TC conseguiu alguns notáveis melhoramentos, que lhe permitem melhor desempenhar as suas funções. O Tribunal de Contas está proibido de avaliar os resultados e de analisar os fundamentos das escolhas e dos objectivos.Prestar contas não é apenas mostrar as despesas e as receitas, assim como a respectiva honestidade ou falta dela. É também mostrar o que se faz e o que se não faz. Se se fez bem ou mal. Se se fez tudo o que deveria ser feito ou não. Se os resultados são os previstos ou perversos. Se, da acção de um organismo público, resulta melhoria para a população e o país, ou se, pelo contrário, nada de bom acontece ou as situações pioram. Prestar contas equivale a ser avaliado em todos os aspectos da acção e da gestão. Tem de se mostrar o que se gastou, onde, como, porquê e quanto.Nas universidades, não se presta contas ao país, nem aos órgãos democráticos legítimos. Como também não se presta contas às empresas, às sociedades profissionais ou às comunidades locais. Os dirigentes universitários prestam contas ao ministro, que deles tem a tutela, isto é, que por eles também é responsável. O que quer dizer que se trata de um processo em circuito fechado. Além disso, os dirigentes prestam contas a si próprios, aos seus colegas professores e, para serem eleitos periodicamente, aos funcionários e aos estudantes. Nas escolas básicas e secundárias, o panorama é o mesmo. Uma escola, cada escola, não presta contas aos pais dos alunos, muito menos às comunidades a que pertencem. Não presta contas às autarquias, nem a qualquer outra entidade social ou profissional. Uma escola responde perante o ministério que sobre ela tem autoridade. Os erros e os êxitos de uma escola são os erros e o êxito do ministério. Ninguém tem o direito ou a possibilidade de intervir, observar e avaliar. O circuito fechado é a regra na educação, este pequeno mundo composto de milhares de escolas, de centenas de faculdades, de milhões de alunos e estudantes, de centenas de milhares de professores e de milhões de pais, mas que ninguém avalia a não ser o ministério que por ele é responsável. Em teoria, o ministério presta contas ao Parlamento, mas esse processo é absolutamente inútil. Não só porque ali apenas conta a confiança partidária, mas também porque prestar contas, por atacado, por milhares de escolas, é um procedimento inconsequente.E não se diga que as escolas prestam contas aos alunos. Não é verdade. As leis actuais, que permitem aos alunos de 12 anos de idade criar associações para debater com os professores e as direcções a qualidade do ensino e a gestão das escolas, são leis imbecis e demagógicas que, literalmente, só uma opereta permitira. Quanto aos níveis superiores de ensino, aquilo de que se trata é simplesmente uma regra política essencial: os professores que querem ser eleitos dão aos estudantes o que eles querem. Além, evidentemente, de criticar o ministério.Nada muda só por motivos interiores. Não há melhoramento sem intervenção exterior. Ninguém se reforma se a isso não for obrigado por entidades sem interesse directo na conservação. Quem presta contas a si próprio está no caminho da corrupção ou do desperdício. Quem governa, ministro, reitor, director ou professor não pode ser juiz em causa própria, muito menos fiscal. Eis regras básicas que tornariam bem mais saudável a vida pública nacional, mas que são absolutamente ignoradas no nosso país. Ora, enquanto as escolas não prestarem contas a entidades autárquicas, às comunidades e aos pais; e enquanto as universidades não prestarem contas a entidades civis, profissionais, científicas e culturais; podemos ter a certeza de que os orçamentos são mal gastos, que a irresponsabilidade reina e que a impunidade é a regra. E podemos estar seguros de que o desperdício de recursos é colossal. E que os esforços de reforma são inúteis.A verdade, todavia, é que parece ser isso o que os portugueses querem. Muitos, pelo menos.
[António Barreto, Público, 19 de Novembro de 2006]
Leitura de Bacharéis - Índice dos Processos
Leitura de Bacharéis - Índices dos Processos
O núcleo da Torre do Tombo denominado Leitura de Bacharéis é essencialmente constituído por processos de habilitação para servir os Lugares de Letras. Os candidatos aos lugares da magistratura tinham de prestar provas no Desembargo do Paço, antes das quais era instaurada uma inquirição à vida do candidato bem como à sua ascendência. As inquirições, dirigidas pelo Corregedor da Comarca, continham um questionário tipificado que as testemunhas deveriam responder. Os candidatos eram na sua maioria recém-formados pela Universidade de Coimbra que pretendiam seguir a carreira da magistratura. A habilitação era também obrigatória para tabeliães e escrivães.Estes processos de habilitação – tal como os destinados a servir o Santo Ofício ou para admissão nas Ordens Militares – ricos em informação genealógica, são importantes documentos para a História Social do País e para a História do Direito Português. O núcleo é constituído por 11.491 processos inventariados que se encontram organizados por ordem alfabética e distribuídos por 289 maços, com datas compreendidas entre 1640 e 1833.Em “Leitura de Bacharéis - Índices dos Processos” que agora apresentam, Lourenço Correia de Matos e Luís Amaral coligiram em livro os índices - por primeiro nome e pelo último apelido, o que multiplica consideravelmente as possibilidades de pesquisa - actualizaram e uniformizaram a grafia dos nomes e apelidos. Os autores consultaram todos os processos que nos índices originais continham abreviaturas, de forma a conseguir identificá-los e bem assim, todos aqueles cujos apelidos, por menos comuns ou mais estranhos, suscitaram dúvidas de interpretação. Enriquecido com um prefácio do Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, a publicação deste trabalho – prevista para a segunda quinzena de Dezembro – é da responsabilidade das Edições do Guarda-Mor.Ao acolher e apoiar o projecto e a publicação deste livro, a Associação dos Amigos da Torre do Tombo – que contou com o patrocínio da Sociedade de Advogados Franco Caiado Guerreiro & Associados – contribui mais uma vez para a divulgação e valorização dos fundos do Arquivo Nacional, apresentando um instrumento de trabalho útil a todos os investigadores.
Em formato A4, capa dura e 314 páginas, “Leitura de Bacharéis - Índices dos Processos”, de Lourenço Correia de Matos e Luís Amaral, pode ser aqui encomendada, beneficiando do preço de lançamento 25 euros até ao dia 5 de Dezembro. Depois do lançamento, a obra será disponibilizada ao preço de 35 euros.
2006-12-06
2006-12-05
5 de dezembro
enquanto neve cai na pauta intensa.
adagio alla breve cobre a pedra
abraçando as vozes a morte vindo.
filatelicamente o denteado
da pele o acetinado da noite.
com febre digital a ilha dos pavões
contempla o sonho a velha galera.
do fundo tempo um corcunda anão
atira ao tímpano um grito longo
do umbigo então a cidade morta.
uma força ainda no espelho dos olhos
curta agora a sombra cai em saint-marx
abalando o mundo e os seus vestígios.
Real Panteão dos Bragança: arte e memória - Paulo Dias
Saída: Novembro 2006
Antília Editora Lda.
2006-12-04
indecisão
e o braço pende pacificado.
longe um sino traz a paz
voando pelos ares etéreo.
dentro da casa as madeiras
respiram junto do tempo.
a toalha de linho no rosto
goteja a pele o breve sal.
então a chama e a floresta do gelo.
2006-12-03
em sorrento
nem a pele repousa neste inverno
sem o fogo do espírito monológico
que fende o gelo vinda a clara neve.
abre-se também voltaire em nietzsche
e a suspeita mais que a verdade o tempo
que corre no propósito nesta estrada
de coragem e ousadia nos teus pés.
ouço-te na terra dentro do deserto.
2006-12-02
A esquerda e o aborto
A ditadura dos inspectores
Eduardo Prado Coelho e o desmando educativo
"O umbigo da Ministra da Educação deve ser tão GRANDE que não a deixa ver/ouvir opiniões diferentes da sua. Há qualquer coisa que não está a funcionar bem no Ministério da Educação. Existe uma determinação em abstracto do que se deve fazer, mas compreensão muito escassa da realidade concreta. O que se passa com o ensino do Português e a aprendizagem dos textos literário é escandaloso. Onde deveria haver sensibilidade, finura e inteligência na compreensão da literatura, há apenas testes de resposta múltipla completamente absurdos. Assim não há literatura que resista. Há tempos, dei o exemplo da regulamentação por minutos e distâncias de determinadas provas.O ministério respondeu-me que se baseavam na mais actualizada bibliografia e que tinham tido reacções entusiásticas perante tão inovadoras medidas. Não me convenceram minimamente. Trata-se de dispositivos ridículos e hilariantes, que provocam o mais elementar bom senso.O problema reside em considerar os professores como meros funcionários públicos e colocá-los na escola em sumária situação de bombeiros prontos para ocorrer à sineta de alarme. Mas a multiplicação de reuniões sobretudo e mais alguma coisa não permite que o professor prossiga na sua formação científica. Quando poderá ler, quando poderá trabalhar, quando poderá actualizar-se? Não é certamente nas escolas que existem condições para isso. Embora na faculdade eu tivesse um gabinete, sempre partilhado com mais quatro ou cinco pessoas, nunca consegui ler mais do que uma página seguida. Não existem condições de concentração. Pelo caminho que as coisas estão a tomar, assistiremos a uma barbarização dos professores cada vez mais desmotivados, cuja única obssessão passa a ser defenderem-se dos insultos e dos inqualificáveis palavrões que ouvem à sua volta. A escola transforma-se num espaço de batalha campal, com o apoio da demagogia dos paizinhos, que acham sempre que os seus filhos são angelicais cabeças louras. E com a cumplicidade dos pedagogos do ministério. Quando precisaríamos como de pão para a boca de um ensino sólido, estamos acriar uma escola tonta e insensata. Neste benemérita tarefa tem-se destacado o secretário de Estado Valter Lemos. É certo que a personagem se diz e desdiz, avança e volta atrás, a maior das facilidades. Mas o caminho para onde parece querer avançar é o de uma hostilização e incompreensão sistemática da classe dos professores. Com isto prejudica o país, e prejudica o Governo, com um primeiro-ministro determinado e competente, mas que não pode estar atento a todos os pormenores. E prejudica o PS, mas não sei se isto preocupa. Vem agora dizer que o professor deve avisar previamente que vai faltar, o que no limite significa que eu prevejo com alguns dias antecedência a dor de dentes ou a crise de fígado que vou ter. E que deve dar o plano da aula que poria em prática caso estivesse em condições. Donde, as matérias são totalmente independentes de quem as ensina, basta pegar no manual, e ala que se faz tarde. Começa a tornar-se urgente uma remodelação do Governo, mas isso é tema delicado a que voltarei mais tarde."
2006-11-30
a mão
no marfim do rosto
um osso breve a mão
corre o peito esconde
o veludo da pele a unha
da noite entalada na língua.
cega a chama vem aos olhos.
2006-11-29
Memória do "13º Encontro de Estudos Portugueses" (início)
António Manuel Ferreira A.M.F. e Eduardo Pitta
Rebeca Sanmartín Bastida e A.M.F. Francisco Maciel Silveira
María Aboal Flavia Maria Corradin
Jaime Gralheiro A.M.F. e Eugénia Pereira
Parecendo este "Encontro" ter nascido sob a égide de Al Berto, é impossível esquecer o Poeta que tão bem falou sobre o tempo devorador, isto é, sobre o tempo-ruína:
"O TEMPO FOI SEMPRE A MINHA RUÍNA" (O Medo).
2006-11-28
Memória do "13º Encontro de Estudos Portugueses" (conclusão)
João Minhoto Marques
A.M. F. e Paulo Pereira A.M.F. e José Manuel Cymbron
A. M. F. e Carlos Morais A. M. F. e Pablo Ballesteros
A. M. F. e Pedro Corga Cândido Oliveira Martins
Decorreu, na Universidade de Aveiro, entre os dias 23 e 24 de Novembro, o 13º Encontro de Estudos Portugueses, desta vez subordinado ao tema “Escrever a ruína”.
A sessão de abertura esteve a cargo, como tem sido hábito, de Eugénio Lisboa, não espantando também que a sua brilhante comunicação, intitulada “A particular tristeza das ruínas”, versasse sobre um conto regiano, retirado de Histórias de Mulheres, em que se tornou visível a particular resistência dos restos visíveis e a suspensão operada, como se a menina Olímpia não tivesse consciência do tempo.
Abriu de seguida o painel do resto da manhã, debruçando-se António Manuel Ferreira sobre os “sinais de ruína na poesia de Joaquim Manuel Magalhães” (tal era o título da comunicação), frisando o conferencista a capacidade do poeta imergir na vida, bem como a sua capacidade tensional de apresentar ora uma inquietação erótica, ora uma serena satisfação causada por um erotismo real, apresentando-se ainda plasmado na obra do poeta um caminho melancólico, mas enérgico; trouxe, de seguida, Eduardo Pitta uma interessante descida aos abismos da poesia de Al Berto, desenvolvendo a proposição “Al Berto: o ersatz da ruína”; o painel da manhã terminou com a intervenção de Rebeca Sanmartín Bastida, que veio falar sobre a ruína em La Celestina de Fernando Rojas, frisando nesta obra espanhola de impacto mundial os aspectos macabros e eróticos.
Ao início da tarde, Francisco Maciel Silveira trouxe ao auditório o fascinante trajecto de Nelson Rodrigues, escritor brasileiro polifacetado, seguindo-se Maria Aboal, que falou sobre a ruína do corpo na biografia San Francisco de Asis de Emília Pardo Bazán, e Flavia Maria Corradin, que trouxe até nós a força produtiva do dramaturgo Jaime Gralheiro. Interesse momento foi ainda a intervenção do advogado-escritor, que, estando presente, participou do animado debate final.
No dia 24, Eugénia Pereira debruçou-se sobre Léah e outras histórias de José Rodrigues Miguéis, aí encontrando a académica a deflagração irónica como culto à memória e a memória como viático para a ruína; João Minhoto Marques trouxe as imagens ruinosas da desilusão lúcida em Nuno Júdice; Paulo Pereira apresentou a comunicação “Contar contra a ruína”, baseada no romance Lilias Fraser, de Hélia Correia, onde se historiografa a vida da escocesa Lilias Fraser entre a batalha de Culloden, na Escócia, em 1746, e o encontro, em Lisboa, no final do século, entre Lillias e Blimunda, personagem de Memorial do Convento, de José Saramago; José Manuel Cymbron fechou a sessão matinal, abordando diversos traços da ruína nacional em Camões e Miguel Torga.
Pela tarde, Carlos Morais falou sobre a força trágica clássica que incide, sob acção dos deuses, no caminho do homem; Pablo Ballesteros abordou a decomposição do corpo sifilítico segundo um tratado médico-literário do quatrocentista López Villalobos; Pedro Corga incidiu a sua prelecção sobre o romance de Ana Teresa Pereira Matar a imagem, aí detectando linhas ruinosas; por último, Cândido Oliveira Martins desenvolveu a titulação “Alegoria da ruína: Eça de Queirós reescrito por Mário Cláudio”.
Parabéns à Universidade de Aveiro e ao Professor Doutor António Manuel Ferreira, que permitiram mais um brilhante encontro com a cultura…
2006-11-27
um dia a morte
e da pedra apenas uma lágrima
a pique ungindo o corpo a chama
decepados pelo aço do asfalto
e as cinzas dentro das águas
sangrando na roupa no punho breve.
um tremor apenas menos da morte.
[contra desleituras, à memória de Rafael Machado e Filipa Machado, pai e filha de nós levados]
"A mulher cristã na vida pública portuguesa"
A associação Jovens Profissionais Católicos
http://jpcatolicos.blogspot.com/
e a Capelania da Universidade Católica
convidam para a conferência
“A mulher cristã na vida pública portuguesa”
“Testemunho de uma cristã no meio do mundo”
Dra. Maria José Nogueira Pinto
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA – LISBOA
Faculdade de Direito – Auditório 1
DIA 27 de NOVEMBRO (2ª Feira) às 21h15m
2006-11-26
2006, Novembro: Cesariny em Elsinore
NAVIO DE ESPELHOS
O navio de espelhos
não navega, cavalga
Seu mar é a floresta
que lhe serve de nível
Ao crepúsculo espelha
sol e lua nos flancos
Por isso o tempo gosta
de deitar-se com ele
Os armadores não amam
A sua rota clara
(Vista do movimento
dir-se-ia que pára)
Quando chega à cidade
nenhum cais o abriga
O seu porão traz nada
nada leva à partida
Vozes e ar pesado
é tudo o que transporta
E no mastro espelha
douma espécie de porta
Seus dez mil capitães
têm o mesmo rosto
A mesma cinta escura
o mesmo grau e posto
Quando um se revolta
há dez mil insurrectos
(Como os olhos da mosca
reflectem os objectos)
E quando um deles ala
o corpo sobre os mastros
e escruta o mar do fundo
Toda a nave cavalga
(como no espaço os astros)
Do princípio do mundo
até ao fim do mundo.
Mário Cesariny (1923-2006), A Cidade Queimada.
arde em gaia
linfa cerebral que dentro brilha, vês?
as aves de néon cobrem o douro
e a superfície aquática magentada
nada espera do dia acabado.
então as nuvens descem à corrente
como o douro é mississipi dentro do copo
e nem o jack daniel's é gelo nem o club hard
nem a pele estala no dorso da pedra
que tudo se espera da noite entrada.
um vidro gótico fende o braço os dentes
e o algodão da alma brilha no escuro.
súbito silêncio arde nas crateras da praça e irrompe o fumo
perto das narinas as pautas musicais acantonadas
o estrondo eufónico sangrando.
e um corpo e uma pele rubros.