LIMIARES DA ESCRITA
A
Vida Bohemia (amor e satyra): José
Branquinho & o descaso
Sulcando os mares da poesia e o peso de
mais de um século, resulta estranhíssimo que a mais do que produtiva lira de
José Branquinho não seja exalçada pelos sabedores da coisa literária e antes
seja praticamente sonegada. Não se entendendo, desde há muito e cada vez mais,
a cultura como central energética, não espanta até que alguns dos nossos
melhores nomes – e só os de cultura me interessam… - permaneçam pendurados numa
qualquer rua, sem outras referências e mobilizadores enquadramentos. Afinal, os
nomes mais não são do que meros usos utilitários ao sabor da usura política.
José Branquinho nasceu em Viseu, no ano
de 1871, tendo estudado na cidade, por cá cumprindo algumas etapas liceais,
antes de entrar na vida ativa como amanuense do Comissariado de Instrução
Primária distrital. Dividindo-se a sua atividade profissional pelas cidades de
Viseu, Porto e Lisboa, o legado de José Branquinho é todo ele poético e
cultural – dispersa permanece ainda uma importante colaboração do poeta em
publicações periódicas. Acometido por doença mental, Branquinho, que era
revisor do Diário de Notícias,
suicidar-se-á em 1916, engrossando um já caudaloso rio de «suicidados da
sociedade» com indesmentível genialidade – lembrar Ângelo de Lima, António
Gancho ou Sebastião Alba é aqui mero exercício…
Mas esqueçamos o condicionalismo que
tantas vezes permeou autores maiores e deixemo-nos levar por esta Vida Bohemia (1901), uma edição da tipografia
viseense Folha, que abre sob a alçada de homenagem do Autor a seu Pai,
Francisco Gomes de Macedo Branquinho («Se alguma coisa vale ou significa este
livro, sejam esse valor e significação testemunho de amor filial, e homenagem
ao seu inquebrantável carácter.») e se alonga por rotas de dor e de confissão.
Assim acontece com o esclarecido e ominoso primeiro poema, «Eu», que logo
parece desvelar o futuro a haver do então poeta nascente:
Como tantos de
vós, na minha infância encalma,
Percorri a
cantar a estrada da loucura
Em doce devaneio;
Simples de
coração e de ilusões na alma,
Feita de paz e anseio.
De esse passado ardente,
De esperanças
ideais numa ideal ventura,
Dos sonhos
infantis que já não sonho agora,
Sinto que no meu seio
A saudade mora!
E segue o poeta por via lacrimosa
lembrando o tempo das ilusões e das quimeras, rindo e chorando dos ritos da
dor, fingindo como se não fingisse: «E finjo que não amo o que em verdade
adoro! / E minto para mim, e rio de mim mesmo!» (explicit do poema «Eu»).
Sem grandes sinais de abismos
extrapoéticos, mostra-nos ainda o poeta lugares da cidade de Viseu que todos
conhecemos (o Fontelo, o Cemitério, o Rossio…) ou espaços culturais que se
querem habitados (Victor Hugo, Augusto Hilário, João de Deus…). Hábil e
certeiro, era temível a verve lírica e satírica de Branquinho, como acontece no
poema «Sua Ex.ª (Tipos… de fora)», a lembrar, nalguns pontos, o grande Cesário
Verde.
Lutando contra as mágoas persistentes,
José Branquinho merecia um outro futuro e um outro modo de atenção. Mas quem
quer olhar para esta existência que assim vai na levada? [Correio Beirão, nº 7]
Sem comentários:
Enviar um comentário