2006-09-02

90 anos depois...

Diz Almeida Garrett nunca ter entendido Shakespeare enquanto o não leu em Warwick, ao pé do Avon, “debaixo de um carvalho secular, à luz daquele baço e branco nublado céu de Albion...”. E como isso é verdade em relação à aldeia de Vergílio Ferreira!

É que o espírito de Melo é também o lugar do espírito de Vergílio Ferreira. E, assim, desconhecer Melo é não privar com o Inverno, com as chuvas, com os ventos, com a neve irradiante de pureza, com os espaços exactos e transfigurados, com os becos e vielas onde se escutam as vozes do silêncio e onde melhor se entende o grande espaço de sedução que é a criação vergiliana.

Vergílio Ferreira nasceu em Meio, em 1916, e aí viveu dez anos, os quais constituíram, nas suas palavras, o período mais marcante. Não é de estranhar, portanto, que aí colha como motivos de evocação - no que esta palavra encerra de sentimental, de cordial… - a montanha, as nuvens, as águas, os rebanhos, os cães, os pastores, as estrelas, os caminhos torcicolados, a lua, as casas - e como elas lá estão presentes, ainda que deslocadas e ocasionalmente transfiguradas!...

Deste espaço genésico se projecta Vergílio Ferreira para a orla marítima. Diga-se, em consequência, que de Melo se vê o mar. Da geografia sentimental vergiliana fazem ainda parte Coimbra (recuperada sempre pelo toque da guitarra) e Évora, que logo se lhe gravou. Em moldura, a montanha e o mar.

Vergílio Ferreira é hoje, que passam 90 anos sobre o seu nascimento, um dos mais profundos escritores de língua portuguesa. Na arrancada para o cume do mundo ficcional estiveram o Primo Basílio de Eça de Queirós ("Depois deste livro não se pode fazer mais nada" , exclamou um dia o adolescente Vergílio Ferreira) e o encontro com o romance-problema de Dostoievski. Escritor luminar, porque preocupado com a claridade das questões e com o motivo dessas mesmas interrogações, continuará Vergílio Ferreira a surpreender-nos com a sua escrita oriunda dessa tensão cartesiana e pascaliana.

Em evocação, por dentro. Para Sempre. Até ao Fim.

5 comentários:

hfm disse...

Para sempre.

Anónimo disse...

Vergílio Ferreira será sempre um dos escritores necessários... Abraço!

porfirio disse...

:
Vergílio Ferreira
é um elo
do mais
reforçado aço
nas correntes
portuguesas!

bom fim-de-semana
-
abraços

Su disse...

gostei de ler.te. gosto de VF
hoje postei uma frase dele no "argumentum ad ignorantiam"

jocas maradas

margarida disse...

E eu convencida que nascera em Janeiro...

Bela evocação, Em Nome da Terra.