2006-06-17

poema em prosa para vergílio ferreira

artsandscience.concordia.ca
A palavra liberta-se e avisa da porosidade da vida. Os seus fungos mesmo. O frio corta a montanha. Quase nada para dizer. A última palavra, a mais perfeita, do centro se levanta, inchando das veias cavernosas do corpo que já não sinto. Agora, em imagem, a babugem das ondas ilustra o corpo longe de mim, tempo inexacto, já distante, fugidio. Amanhece. De súbito, o sol cai a pique na seara. É tempo de te dizer aparição. Ouve, escuta: dentro de mim estás tu, eu contigo, eu já sem mim. Anoitece. Chuva breve, um cão que uiva, um irmão que sofre. Vou-te dizer: caminho longe, que tudo morre, neste vagão, quase mutante, face sangrenta, em manhã submersa, aparece, quase cântico final, ou estrela polar, na noite, a chamar-me, alegria breve, nítida, quase nula, que apenas homens te tomem, rápidos, na sombra, como um signo-sinal que para sempre, da esplanada do mundo, até ao fim, em nome da terra, te olhem na face, dizendo e escrevendo esta carta de palavras: Hoje a obsessão foi mais forte. Uma imensa vontade de escrever-te. Pudesse ao menos na minha memória doente recuperar o que tant... disse sem que o pensasse ter dito. E agora eu fora de mim no outro que não sou. A aldeia e a brisa do mar e os ecos transfigurados das gentes. Contra a montanha, um universo. O vento, a chuva, as casas gastas e esboroadas, a neve lustral no palco das danças espectrais por sob o céu recoberto de estrelas e embalado pela presença tutelar da lua. A palavra, o silêncio comunicante dentro do corpo. Coa-se a palavra vinda da força planetária e da explosão no éter. Do turbilhão das origens. Do por dizer ao que dizer, o emblema habita-nos e diz-nos a literatura que sempre interessa. O mar paira, a onda semelha a vida e enrola, mar deserto, voz que sobe lá dos confins da aldeia-universo, força constante que não fenece e que avança, frio na alma e na memória, sopro que acontece nesta música que não esmorece na casa deserta donde escrevo estas palavras alarmadas que para vós recupero. Entre mim e a fronteira da pele.

3 comentários:

Su disse...

amei ler.te
perco.me neste teu cantinho.. nas palavras sentidas
jocas maradas

isabel mendes ferreira disse...

entre mim e a fonteira da alma perdi o caminho de regresso....


mas nunca este. o daqui.


obrigada, Martim.

porfirio disse...

:
bela homenagem
e na pele
bem dentro
.
.
.

abraço amigo