Fernão Lopes nasceu em Lisboa, por volta de 1380, e na mesma cidade viria a falecer, passados que eram dois lustros sobre meados do século XV.
Olhando o lapso temporal que se nos apresenta, de cerca de oito decénios, o que valerá a pena aclarar nessa "noite" já distante que para a frente anunciou, como superiormente o entreviu um Vergílio Ferreira, que há "um entendimento secreto entre o todo que nos define e a terra que o moldou" ?
De origem com toda a probabilidade humilde, Fernão Lopes, não obstante essa condição, poderá ter frequentado o Estudo Geral, donde, aliás, lhe deverá ter advindo o à vontade com que cita autores de renome (Aristóteles, Cícero, Ovídio, Eusébio, Santo Agostinho, Petrarca...) e manuseia estilemas. Esta erudição, e dando-se o caso, não desprezível, de ter somente cursado uma escola conventual ou catedral, chegar-lhe-ia de modo directo pelo contacto com os livros da biblioteca régia. Antes da chegada à Corte, é tabelião geral, sendo, a partir de 1418, guardador das escripturas da Torre do Tombo; em 1419, é, primeiramente, "escrivão dos livros" de D. João I e, depois, de D. Duarte; de seguida, é escrivam de puridade do Infante Santo, a quem lavrará o testamento antes da aventura de Tânger; por incumbência de D. Duarte, corre o ano de 1434, tem conhecimento oficial da função de dever escrever, como "vassalo de el-rei", com direito a tença de 14000 libras, as crónicas dos reis da primeira dinastia - e dizemos oficial, porque o cronista já o saberia oficiosamente desde 1418, data em que tomou conta do arquivo régio; posteriormente, a rainha regente D. Leonor subscreve a mesma tença, a qual virá a ser aumentada em 500 réis por D. Afonso V; é substituído como cronista, no ano de 1451, por Gomes Eanes Azurara; em 1454, deixa de ser "guarda-mor" da Torre do Tombo, em virtude de ser "tam velho e flaco que por si nom pode bem servir o dito oficio"; e, por último, aí parecendo esgotar-se o estado da questão, é sabido que ainda vivia em 1459 .
Da sua acção literária, movida pela busca da verdade objectiva que faz com que João Mendes, inspirado por Edward Spranger, veja nele um homem "teorético", resultam, com existência física comprovada, a Crónica de D. Pedro, a Crónica de D. Fernando e a Crónica de D. João I . Estas crónicas, forjadas por uma heurística da revelação, transportam consigo, sempre sob o signo da verdade que a tudo o custo importa trazer à tona, quadros vivos da sua época: como esquecermos a luta contra a "afremosentada falsidade" do estilo que ele, de facto, possuía, ou, então, e em jeito meramente exemplificativo, a presença verdadeira e justa, emocionantíssima, daquela "arraia meúda", daquele "bom pôboo" que tão bem soube emergir das trevas?
E depois, nessa gesta depós a VERDADE e a JUSTIÇA, nessa tendência pretendida e nem sempre alcançada - mas o que contava era sempre o império teorético, pronto a desvelar e exalçar das trevas, mesmo que sujeito àquele "entendimento secreto" -, toda a obra lopiana ressuma uma contínua tensão de verso e reverso, de luz e escuridão, de heroísmo e precatamento, de defesa e desvinculação, de doçura e amargura ou de razão e sentimento.
Eis, pois, mais uma humana lição para os tempos modernos…
2 comentários:
boa noite amigo
:
fernão apontava o dedo a disfarces
mas também ele era moeda de duas faces
.
abraço
Bela recordação do "Mestre Escrevedor". Abraço...
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