Nem da culpa conservada, nem da recusa mais bárbara vive o Poeta. Do silêncio do círculo, também arco de sal, o logómano lembra o início já dentro do texto.
Abandona-se o texto à partição, dizendo execração, maldição, imprecação, repulsão. Vindo da porosidade dos dias, as palavras e os versos que fazem cada poema dividem-se em “dizer”, “diz” e “disse”, que são formulários criativos tão antigos como o Mundo. Nesse dizer primigénio suspende-se o tempo, sendo presente e passado.
Um primeiro livro de um Poeta como hélio T. não é mera aparição primicial ou festiva. Antes transporta o peso, ainda contido, de um recorrente labor poético disseminado por revistas, antologias e publicações mais ou menos clandestinas. Lembro, a propósito, as mostrações na “plágio”.
Começo, então, junto ao início. A colectânea poemática atribui-se titularmente a modalidade da execração e não deixa, dependencialmente, de o “afirmar”, seja no paratexto epigráfico e catafórico (o Poeta desvela a vida que já não é), seja no corpo textual ou no deslizar dos versos ocorrentes.
Nada dizendo aos dias, funde-se o Poeta com a usura da vã quotidianidade, execrando a rotina da biografia comum. Assinalando esse lugar evitável e, no entanto, assinaladamente pregnante, depressa se cava um “locus solitarius” que haverá de salvar o Poeta. Afinal, a ‘vida com sabor a saibro’, povoada de vozes poéticas (Rilke, Ruy Belo, Sophia, Eugénio, Petrarca, Pessoa, Bernardim, Burroughs, Yeats, Camões, Alba e Pound) e literárias (Camilo, Camus, Beckett), é uma contaminada luta contra a insónia e uma ostensiva entrega a um pouco mais da morte.
Repetem-se as palavras contra os dias, delas sobrando o que deixa de contar – e, assim, surge o renovo do sopro vergiliano ( o de “Aparição”, sim) que desde há tanto simboliza a falência e a vanidade da repetição. E, no entanto, como não notar neste “dizer” uma arte poética que objurga a circunscrição e a vulgar organização do sentido.
O dito que é o “dizer” é sempre morte e luta perdida contra o vazio do tempo libertado: “sempre que dizemos / é de morte que falamos // sempre que dizemos / já somos mais a morte”.
Também a estética do desafogo se liberta do dístico inicial de “diz” (“caminhei. não vi o lago. / agora, afogado, escrevo.”), perpassando na roda dos dias subtis aproximações sentimentais ( lembro o poderoso “aproveitamento temporal do espaço”) e sórdidas paródias pelos territórios do execrável (“amores, os meus”).
O tempo póstumo do “disse” (“o papel da terra consiste em / trucidar a matéria dos vivos”) e também do desapegamento entre a alma e o corpo sugere roçagantes imagens oblíquas do sujeito poético (“auto-retrato” contém um indefinível halo pessoano e o’neilliano) que, preso à acédia, arrasta consigo uma melancolia produtiva (“esta é a poética missiva da eterna / melancolia que nos move e ao mundo.”) e constantes admonições a respeito do sobrevivente tempo da morte (“o mundo roda na roda que o morrerá”) transmutada na possível eternidade das palavras (“Deixa o testemunho pelo que valeu a pena ser / que depois de ti só poderão ficar palavras”) que esvaziarão bem menos do que a vida.
Ínsitos na colecção “Política dos Autores” da Angelus Novus estes “textos de execração” de hélio T. são já um original começo. Há-de o ruinoso tempo romper as penumbras do porvir e acertar com o Poeta talvez um outro lugar. Contra o tempo, todo o Poeta escreve. Contra o gelo dos ossos.
2006-06-04
do círculo do silêncio: os "textos de execração" de hélio t.
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7 comentários:
"AS PALAVRAS OU O QUE DELAS SOBRA
depois de certas vezes escritas
as mesmas coisas (oh vã retórica) deixam de
contar"
hélio T.
aquele abraço
eu tenho eu tenho eu tenho....sorte minha leitura ardente....e leio e releio.
obrigada martim...
bom dia.
beijo-o.
Não li e fiquei com vontade de conhecer... Obrigado!
O poeta tem nome de estrela rock... Boa-noite!
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