mário eloy. óleo s/tela (1937/38).
À Isabel Mendes Ferreira, porque sim
A desafeição é afastamento e frieza improdutiva. Cada palavra nascida é língua e discurso. As razões do coração lutam sempre contra a feudalização da literatura. Pouco importa já mais do mesmo, se que cada leitor produtivo cede aos ventos poliacroásicos e refresca a literatura “diferentemente”.
São avisos do destino aqueles que se insinuam na pouca lida ficção de João Gaspar Simões, esse incansável leitor e crítico que marcou gerações de amantes da literatura e os fez, mal ou bem, consigo concordar ou discordar. A sua hermenêutica historicista e desapegada do estatuto académico gerou opositores e detractores. E, no entanto, se muita razão houve em alguma confutação, que antes dimanava do carácter omnívoro do seu criticismo que do credo estético, certo é que nem muitos foram mais longe (quem e quantos?) ou mais fizeram pela “mostração” literária.
Paro à porta da ficção e relembro. Que Gaspar Simões nasceu na Figueira da Foz, a 25 de Fevereiro de 1903, e veio a falecer em Lisboa, seis dias passados do primeiro mês de 1987. Que foi, pasme-se!, biógrafo, crítico literário, ensaísta, dramaturgo, novelista e romancista. Que, e tal lhe bastaria, foi um dos fundadores da revista presença.
Volto à ficção e assinalo o halo sedutor que se levanta ainda da escrita narrativa de Gaspar Simões. Lembro também que o seu primeiro romance, Elói ou o Romance Numa Cabeça, de 1932, é julgado pela crítica o primeira obra ficcional psicologista da literatura portuguesa, sendo, de acordo com Óscar Lopes, o seu mais claro conseguimento. Tal título veio a conquistar nesse mesmo ano o “Prémio da Imprensa”, conhecendo novas edições revistas em 1941 e em 1959, bem como uma outra, sem data, de início da década de 70, e a última, de 2003. Elói é um arrebatador romance vivido numa cabeça, sem que isso acarrete esmorecimento na construção da personagem homónima. Ligando-se a acção narrada ao acto de narrar, é causa de fascínio aquele presente do indicativo que se inscreve desde a frase inicial: “Elói está deitado.” Mas não só. Também aquela imagem cesarina da leiteira de belas ancas ou a tensão modernista e regiana do eu fraccionado ou ardimento interior por obra do ciúme ou a cela prisional semelhando a caverna de Platão ou a volta à vida num só dia (como em Joyce) ou a recorrente tonalidade homossexual, que atrai ou causa repulsa: “Lembra-se de estar deitado com ele, de barriga para o ar, os olhos fechados por causa do sol, e as mãos nas mãos.”
É quase tempo de acabar. Mostro ainda Internato, romance da clausura e do sitiamento: com o seu halo claustral e a impossibilidade de o homem ser livre, imerso em aparições tenebrosas e em cometimentos que continuam a ensombrar os nossos dias. A literatura ensina, como se sabe: no caso, que a pedofilia, por exemplo, acontecia num transmigrado colégio onde os “meninos bonitos” se esfregavam com o Director dito Barbas e não só. Na literatura , como na vida...
São avisos do destino aqueles que se insinuam na pouca lida ficção de João Gaspar Simões, esse incansável leitor e crítico que marcou gerações de amantes da literatura e os fez, mal ou bem, consigo concordar ou discordar. A sua hermenêutica historicista e desapegada do estatuto académico gerou opositores e detractores. E, no entanto, se muita razão houve em alguma confutação, que antes dimanava do carácter omnívoro do seu criticismo que do credo estético, certo é que nem muitos foram mais longe (quem e quantos?) ou mais fizeram pela “mostração” literária.
Pego, em primeiro, no crítico-ensaísta e aprecio um monumento perene que, “pecando” aqui e ali pela ousadia, é de todo admirável. Vejamos, sem exaurimento, algumas das obras em enumeração: Temas (1929), O Mistério da Poesia (1931), Tendências do Romance Contemporâneo (1933), Novos Temas (1938), Crítica I-VIII (1942-1982), Ensaio sobre a Criação no Romance (1944), Eça de Queirós, o Homem e o Artista (1945), Vida e Obra de Fernando Pessoa (1950), História da Poesia Portuguesa (1955), Literatura, Literatura, Literatura...- de Sá de Miranda ao Concretismo Brasileiro (1964), Novos Temas, Velhos Temas – Ensaios de Literatura e Estética Literária (1967), História do Romance Português (1967-1972), Heteropsicografia de Fernando Pessoa (1973), Vida e Obra de Eça de Queirós (1973), José Régio e a História do Movimento da “Presença” (1977) e A Geração de 70 (1984).
Avanço para a face oculta de João Gaspar Simões, a de ficcionista, que desvelo na frieza dos títulos: Elói ou o Romance Numa Cabeça (1932), Uma História de Província I – Amores Infelizes (1934), Uma História de Província II – Vida Conjugal (1936), Pântano (1940), A Unha Quebrada (1941), O Marido Fiel (1942) e Internato (1946).Paro à porta da ficção e relembro. Que Gaspar Simões nasceu na Figueira da Foz, a 25 de Fevereiro de 1903, e veio a falecer em Lisboa, seis dias passados do primeiro mês de 1987. Que foi, pasme-se!, biógrafo, crítico literário, ensaísta, dramaturgo, novelista e romancista. Que, e tal lhe bastaria, foi um dos fundadores da revista presença.
Volto à ficção e assinalo o halo sedutor que se levanta ainda da escrita narrativa de Gaspar Simões. Lembro também que o seu primeiro romance, Elói ou o Romance Numa Cabeça, de 1932, é julgado pela crítica o primeira obra ficcional psicologista da literatura portuguesa, sendo, de acordo com Óscar Lopes, o seu mais claro conseguimento. Tal título veio a conquistar nesse mesmo ano o “Prémio da Imprensa”, conhecendo novas edições revistas em 1941 e em 1959, bem como uma outra, sem data, de início da década de 70, e a última, de 2003. Elói é um arrebatador romance vivido numa cabeça, sem que isso acarrete esmorecimento na construção da personagem homónima. Ligando-se a acção narrada ao acto de narrar, é causa de fascínio aquele presente do indicativo que se inscreve desde a frase inicial: “Elói está deitado.” Mas não só. Também aquela imagem cesarina da leiteira de belas ancas ou a tensão modernista e regiana do eu fraccionado ou ardimento interior por obra do ciúme ou a cela prisional semelhando a caverna de Platão ou a volta à vida num só dia (como em Joyce) ou a recorrente tonalidade homossexual, que atrai ou causa repulsa: “Lembra-se de estar deitado com ele, de barriga para o ar, os olhos fechados por causa do sol, e as mãos nas mãos.”
É quase tempo de acabar. Mostro ainda Internato, romance da clausura e do sitiamento: com o seu halo claustral e a impossibilidade de o homem ser livre, imerso em aparições tenebrosas e em cometimentos que continuam a ensombrar os nossos dias. A literatura ensina, como se sabe: no caso, que a pedofilia, por exemplo, acontecia num transmigrado colégio onde os “meninos bonitos” se esfregavam com o Director dito Barbas e não só. Na literatura , como na vida...
4 comentários:
boa-madrugada, martim!
:
sim,
paira-lhe a sombra no ensaio;
talvez se lhe deva apontar o foco de luz
à sua caneta de ficcionista.
inté kamarada
abraço
porque é que não me escreves?
_________________________:)_______
e devo estar mesmo a ficar "velha"...conheci-o... ainda antes de publicar o terceiro livro (que horror) e dizia .sentado na casa da Infante Santo povoada de ivros e vasos de flores que não medravam... #escreva I. escreva muito muito e muito. não rasgue. mais tarde volte a ler. e aproveite só o que lhe parecer sofrível...mais tarde vai perceber...# percebi... mais tarde rasguei tudo...:) era quase assustador ouvi-lo falar....mas sabia como poucos onde estava a qualidade da escrita e não se aquietava perante ninguém.
dpois dele onde a verdadeira crítica????
excelente Martim. a homenagem
beijos. nossos! :)
Muitas das minhas memórias de estudante caminham ao lado de Gaspar Simões... Obrigado pela memória...
Excelente memória sobre um ficcionista quase nada lido... Boa-tarde!
Enviar um comentário