2007-12-13

Representações de Portugal na Literatura Portuguesa (7 décadas de história)



“A imagem era um enigma que sorria”
(Fiama Hasse Pais Brandão, “Peregrinação e catábase”, in Obra Breve)


Recriando a literatura mundos através da modelização de uma semiótica denotati-va, isto é, de uma língua natural, não espanta que esse trabalho sobre o sistema modelizante primário estruture as “coisas do mundo circundante” (Miguel Serras Pereira), instalando uma particular ligação entre nós e o fora-de-nós. A palavra literária é, assim, imagem, representação e “aparição”.
Recuperando os ecos do inframundo e a conexão com a ave da poesia, a editora Averno acaba de editar (Agosto de 2007) Novas Memórias de Ansiães, um pequeno e arrebatador objecto literário de A. M. Pires Cabral, Manuel de Freitas, Vítor Nogueira e Rui Pires Cabral, complementado com magníficas ilustrações de Luís Manuel Gaspar. Antes do texto, é uma desfilada de imagens que se desvela e uma história acontecida que mais ou menos assim se conta, por ter havido uma antiga vila de Ansiães, sede de concelho e com foral desde 1075, no alto de uma colina plantada, perto da aldeia de Lavadeira, que hoje lamenta, na frieza das suas ruínas, a perda da glória, depois de ter visto confirmado o estatuto de vila, por alvará de D. João V, datado de 6 de Abril de 1734, e assistido, já no século XIX, à deslocalização da sede concelhia de Ansiães para Carrazeda, abrindo-se o lugar a uma letárgica epidemia de silêncio que a literatura aborda poliedricamente, reflectindo na sua pluricodificação uma “informação” altamente concentrada e privilegiada, revelando-se, no caso, o vigor das “línguas literárias” como fundante “instrumento de cognição do homem, da sociedade e do mundo” (Aguiar e Silva). Acontece neste caso e em todas as lacerações.
Assim, o poema “No castelo de Ansiães” de A. M. Pires Cabral, ao defender que “a história não é uma serpente / que se refaz em cada primavera, / mas quando muito morde a própria cauda”, revela um velho Portugal “dissolvido no ácido dos dias” e escondido “por silvas e aveia brava”. Conformado e anticonformista, a um tempo, diz o Poeta que os horizontes “permanecem os mesmos” e, em fecho vital e actuante sobre o leitor, lança a interrogação que importa a respeito do país que temos: “porquê esta água insubmissa / que devagar me molha o reverso dos olhos?”
Em linha paralela segue Manuel de Freitas, em “Ruínas de Ansiães e Carrazeda”, resultando do cotejo poético uma importante conclusão medial:

Mas são esses – os de Carrazeda, a nova –
os túmulos vivos que nos restam:
cafés apinhados, lojas que se esqueceram de fechar,
a vasta e inacreditável quinquilharia que
faz da Papelaria Horizonte um exemplo de sucesso.
Penhores, dispersos, de algo que nunca existiu.

Um país, garantem-nos. Mas Ansiães, a velha,
nasceu antes da nacionalidade, embora
a tenha acompanhado o melhor que pôde.
Parecem demasiado perfeitas, estas ruínas,
demasiado diferentes daquela que será um dia
a nossa.

Inferidos os dois “diferentes” países, há um belo desencanto poético nisso, porque as “cidades, já se sabe, também morrem”, como, afinal, jaz um Portugal “enkitschado” e acedioso, longe mesmo da histórica perfeição inscrita nas ruínas.
Vítor Nogueira, no poema “Comércio tradicional”, festeja a posse da velha Ansiães, permitindo-se o óbvio translato metonímico de um Portugal desapossado, desesperadamente em queda: “A tarde / em que, lutando com abelhas, tomámos posse / do improvável Castelo de Ansiães.”
Por último, deixam-nos estas Novas Memórias de Ansiães com uma composição poética de Rui Pires Cabral, intitulada “Outro castelo”. Nela, o escritor expressa a dor da revisitação e espanta-se “que aquela beleza inteira / pudesse ter persistido / na sua alterada solidão”. Tal inquietação pela permanência e pela mesmidade dimana da desordem e do tumulto em que o sujeito caiu, longe que o meio o pôs da segurança pacificadora. Resta agora o “espectro de outro castelo / ao qual não é possível regressar.”
Em 2006, na contiguidade de uma poesia acontecendo “ao correr do tempo todo”, Fiama Hasse Pais Brandão, num dos vários inéditos apostos a Obra Breve, de título “Foz do Tejo, um País” e incluído na divisória “as Poéticas”, alude ao carácter marítimo de “um país que fala dentro da fronte, / olhando as naus, navios, barcos pesqueiros / e os trilhos das famintas aves pintoras”, criando no explicit poemático, em estrofe de fulminante beleza, uma das mais certeiras representações literárias de Portugal:
É uma nação única de memórias do mar,
que não responde senão em nós. Glórias, misérias,
que guardámos por detrás do olhar lírico
e da língua, a silabar dentro da boca.
Nunca chamámos o mar nem ele nos chama
mas está-nos no plano como estigma.


Como o afirma Gastão Cruz a Jorge Maffei, Rua de Portugal, obra do poeta algarvio publicada em 2002, é uma colectânea poética na qual o escritor tentou “encontrar uma espécie de disciplina realista”, tentando “fazer poemas sobre coisas, sobre lugares, coisas mais concretas, menos abstractas”. Aumentando avidamente o tempo, lendo os lábios “o texto acendido”, eis que “Já não existe a casa / vinte o / número / da trémula muralha térrea / defensora / duma pátria começando / quase sem luz”. Do ninho do poeta à pátria do artista é a mudança e a decepção pela fantástica perda que tomam o espaço biográfico individual e o fazem analogia de um país agónico, soçobrante.
Integrando realidades culturais e históricas planetárias através de incisões emocionais muito próprias, António Franco Alexandre, ao manifestar-se assim sem prioridade portuguesa, não descura tal situação, permitindo-se algumas “evidências” impressionantes, como a que acontece no poema 17 das “Terceiras Moradas”, um inédito de 1994, que viria a fazer parte de Poemas (1996): “somos um país pequeno, andamos / amarfanhados com a dimensão da boca, aonde não cabe / um peixe.” Já antes, em Oásis de 1992, deixara Franco Alexandre uma singularidade apreciativa sobre a sua terra, imagem do seu país: “para que a voz se deite no lençol e olhando // veja a pequena terra em que nasci / o sossego das grandes chuvas desabando no pátio e o respirar da casa / o rosto de minha mãe”.
Em 1982, faz publicar Mário Cláudio Terra Sigillata, livro poético fabuloso, com um poema de abertura, de título “Primeiras Escavações”, com uma alusão inicial ao país rural que é antológica imagem de um certo Portugal:
Um zumbido, este país te enlouquece.
Penetras pelos muros de pedra solta, atravessas a
aldeia de casas quase todas
brancas, uma só vermelha,
extensíssima.
As velhas apartam as espigas, com duas pombas a
seus pés. As mães fazem
tinir as agulhas da malha ra-
pidíssima. As crianças cor-
rem trigueiras e em gritos,
minúsculas bruxas.

Aliás, a breve admonição logo subsequente (“Descobrir esta terra, descrevê-la, será usar a cama de / novo”) mostra que as imagens irrompidas da forja criadora são iluminações sobre os “sinais da terra”. Escavando, o Poeta inscreve nestas “Primeiras Escavações” lápide não negligenciável sobre o Porto, um certo Porto com uma auréola de “camélias maceradas”, terno e espectral, pertença de uma “sigillata terra” decifrada pelo peso das “nossas rugas”.
Espantosamente perto da perfeição, também Al Berto (e recupero o atrás dito sobre Fiama), uns anos antes, em 1977, deixa no “atrium” de Á Procura do Vento num Jardim d’ Agosto uma interessante nota do dissídio íntimo vivenciado pelo sujeito poético associada a uma certa imagem do país construída por traço unitivo marítimo: “hoje abri novamente a janela onde sempre me debruço e escrevi: aqui está a imobilidade aquática do meu país, o oceânico abismo com cheiro a cidades por sonhar. Invade-me a vontade de permanecer aqui, para sempre, à janela, ou partir com as marés e jamais voltar…”. Sem euforia no caso, antes se notando o oposto, uma nota mais alarmada, desesperada mesmo, se colhe em Uma Existência de Papel, de 1985, facilmente se intuindo haver um país adverso para os poetas: “escuta / a partir de hoje abandono-te para sempre / ao silêncio de quem escreve versos / em Portugal / tens trinta e sete anos como Rimbaud / talvez seja tempo de começares a morrer”.
Eugénio de Andrade, ao publicar, em 1974, Escrita da Terra, trouxe para o palco da literatura uma colectânea poética onde pontuam inúmeros espaços de eleição do poeta, com claras ligações ao país espacejado – títulos como “Rua Duque de Palmela, 111”, “Monfortinho”, “Peniche” (“há só vento no meu país”), “Tavira 1944”, “Jardim de S. Lázaro”, “Castelo Branco”, “Cabedelo”, “Dunas de Fão”, “Foz do Douro”, “Sul”, “Povoa de Atalaia”, “Campos de Atalaia”, “Lisboa”, “Sesimbra”, “Arredores de Beja”, “Alentejo”, “Moledo do Minho”, “Amanhecer em Estremoz”, “Nordeste”, “Vale do Ceira”, “Fão”, “No Cemitério da Lapa”, “Os Girassóis do Alvor” e “Cacela” permitem uma construção subjectiva de Portugal e a leitura integral dos poemas, aqui desnecessária, faculta encontro com o país reflectido por um “olhar trabalhado pelo lume”. Ainda nesse mesmo ano, vem a lume Homenagens e Outros Epitáfios, livro em que Eugénio de Andrade celebra um conjunto de figuras gradas da cultura nacional e internacional. Não se exime aí o poeta, na composição “A Jorge de Sena, no chão da Califórnia”, a lançar curta e contundente seta sobre a pequenez moral do país, bem diferente da representação do Portugal simples de “A Pequena Pátria” de Os Lugares do Lume (1998): “Escreveste como o sangue canta: / de-ses-pe-ra-da-men-te, / e mostraste como não é fácil / neste país exíguo ser-se breve.” Quase duas décadas depois, em “Mulheres de Preto” de Rente ao Dizer (1992), fixará Eugénio de Andrade uma interessantíssima representação da mulher rural portuguesa, que é ainda claro emblema de um certo país resistente e empírico:
Há muito que são velhas, vestidas
de preto até à alma.
Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
furtam-se ao frio do mundo.
Ainda têm nome? Ninguém
pergunta, ninguém responde.
A língua, pedra também.

Acresce ainda que Eugénio de Andrade é um dos mais laboriosos conformadores da canónica representação literária do país ao elaborar competentes antologias sobre espaços territoriais assinalados. Lembrem-se, por exemplo, títulos como Daqui Houve Nome Portugal (1968), Memórias de Alegria (1971), Alentejo não tem Sombra (1982) A Cidade de Garrett (1993) ou Alentejo (1993).
Ruy Belo, em Boca Bilingue (1966), inicia a titulação “Portugal Sacroprofano”, que se continua em Homem de Palavra[s] (1970), permitindo-nos representações do Mercado dos Santos, em Nisa, e de Vila do Conde, por exemplo, bem como importantes confidências poéticas sobre a percepção do tempo (“O tempo é outro tempo nas terras pequenas / e quem de si mesmo afinal foge encontra aqui o coração em festa”) e directas denúncias sobre o estado da nação (“Neste país sem olhos e sem boca // Neste país do espaço raso do silêncio e solidão / solidão da vidraça solidão da chuva” e “O lugar onde o coração se esconde”). Esperançado, no entanto, projecta-se o poeta para o futuro, em “O Portugal futuro”, dizendo o sujeito poético que “O Portugal futuro é um país / aonde o puro pássaro é possível”. Ou então, em exílio produtivo, pode o escritor, como o vai dizendo em País Possível (1973), fugir ao desgaste do país castrador através do arejamento espacial (“Enche-se o peito de ar noutros países / onde fora de nós em nós buscamos Portugal / longe do desgastante dia-a-dia português”), não denegando mesmo um certo e gratulatório desenraizamento longe da Heimat, até porque o poeta assume em “Peregrino e hóspede sobre a terra”: “Meu único país é sempre onde estou bem // Sou donde estou e só sou português / por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez”. Mais tarde, em Toda a Terra (1976), exclamará um desalentado poeta: “Aqui neste país nesta rosa divina que me elimina pétala a pétala / ninguém já me julga eu já sou somente quem fui / e sou este país onde eu era já antes mesmo de ser”.
Há, na mesma década de 60 do século XX, uma Feira Cabisbaixa (1965) de Alexandre O’Neill que é não apenas um grande conseguimento poético como é, em simultâneo, um objecto artístico denunciante e multímodo de imagens e sugestões sobre o Portugal de então. Mas, pensando melhor, esta “feira cabisbaixa” não cessa de acabar. Poemas como “Portugal” (“Ó Portugal, se fosses só três sílabas, / linda vista para o mar, // se fosses só o sal, o sol, o sul, // Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, / golpe até ao osso, fome sem entretém, / perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, / rocim engraxado, / feira cabisbaixa, / meu remorso, / meu remorso de todos nós”), “O País Relativo” (“País por conhecer, por escrever, por ler… // País do cibinho mastigado / devagarinho. // País amador do rapapé, / do meter butes e do parlapié, / que se espaneja, cobertas as miúdas, / e as desleixa quando já ventrudas. // País pobrete e nada alegrete, baú fechado com um aloquete”) ou “Made in Portugal” (“Peixe sem solução, / máquina a parar, / circular e vítrea aflição / a olhar.”) são criações que riem, “num Portugal a entristecer que era o do Estado Novo”, como o diz Maria Antónia Oliveira.
Um pouco antes, o mesmo O’ Neill, por 1958, no livro No Reino da Dinamarca, já se despedira da pátria no poema “Um Adeus Português”, vituperando a falta de futuro e o incrível pântano que era o país: “à roda a que apodreço / apodrecemos / a esta pata ensanguentada que vacila / quase medita / e avança mugindo pelo túnel / de uma velha dor // esta roda de náusea em que giramos / até à idiotia / esta pequena morte / e o seu minucioso e porco ritual / esta nossa razão absurda de ser”.
Voltando a 1965, lembre-se a reconhecida Praça da Canção de Manuel Alegre, onde se colhem, por exemplo, uns “ventos tristes” e um “país amado”, bem como o desânimo pelo não achamento do país (“só mau país não achei”). Um outro poema do mesmo livro, “País de Abril”, permite mesmo uma representação de um país devastado e cinzento: “ – minha pátria vestida de viúva / entre as grades e a chuva das cidades”, “- minha pátria perfil de mágoas e tabernas”, “- minha pátria bordada de farrapos / capa de trapos remendada a verdes folhas”, “- minha pátria a rir como quem chora / (A festa da tristeza é tudo o que lhe resta)”… Um pouco à frente, o poeta falará de “uma pátria parada / à beira de um rio triste”. Em O Canto e as Armas, de 1967, Alegre mostrará ainda um país triste (“Minha pátria sem nada / sem nada / despejada nas ruas de Paris”), um “país de lágrimas e aldeias”, “pátria sem pão / de país em país”. Definindo poeticamente o país no poema “Portugal”, em Chegar Aqui de 1984, Manuel Alegre, sem atingir possivelmente a fulgurância de Fiama e Al Berto, dá uma imagem afim ao dizer: “O teu destino é nunca haver chegada / O teu destino é outra índia e outro mar / E a nova nau lusíada apontada / A um país que só há no verbo achar”.
É o artefacto literário um específico objecto que, fundindo em si, para lá da óbvia dimensão estética, vertentes socioculturais e históricas, facilmente dissemina ilusões e imagens que se constituem em detalhes importantes, de acordo com a subjectividade criativa. É um esquecidíssimo José de Esaguy, nos seus Versos de 1953, quem vem a manifestar, em reacção amorosa e referindo-se à nossa capital, um dos lugares desalentados mais fulgurantes da literatura portuguesa da segunda metade do século XX: “Lisboa / … / Já não me atrai / E não me chama”.
Em 1947, publica a Seara Nova o título Ossadas de Afonso Duarte, aí se recolhendo poemas publicadas em revistas entre as décadas de 20 e de 40 do século XX. E é precisamente do poema “Estepa”, que se levanta um grito, dentro de uma tópica desolada que percorre muitas das imagens do país criadas pelos autores portugueses, que diz: “Desterro dos desterrados, / Meu coração é estepa delicada: / E meu cabelo neva / Sem Pátria, minha amada, / Minha Amada.” Adensando mesmo este desolamento, a “Canção da Vida” esclarece “Ah, meu eterno Portugal, meu peito, / Esta é a dor, sim a dor, de que sou feito.”, para logo à frente surgir, em tirada final, um questionamento directo ao coração: “Toda a minha mensagem, Pátria, foi contigo! / E, na terra da Pátria, sem vislumbre de erro, / Onde está, pergunto, o ancoradouro, / O meu porto de abrigo?” Resta ao Poeta uma outra via mais simbólica, que é, como acontece em “Epigrama”, identificar-se com o mar: “Há só mar no meu País. / Não há terra que dê pão: // Há só mar no meu País: / E é ele quem diz, / É ele quem sou.”
Os dez livros de poesia do “Novo Cancioneiro”, publicados entre 1940 e 1944, fornecem fulgurantes retratos de um país sofredor e estéril: lembro o poema 21 de Terra (1941) de Fernando Namora (“António, é preciso partir! / o moleiro não fia, / a terra é estéril, / a arca vazia, / o gado minga e se fina! (…) Árida, árida a vida! / António, é preciso partir! / António partiu. / E em casa, ficou tudo medonho, desamparado, vazio.”); lembro um trecho de um dos “Poemas do Cão Danado” dos Poemas (1941) de Mário Dionísio (“Eis-nos boiando, aflitos, / só as narinas e os braços fora de água, / prestes a sucumbir”); e lembro, por último, pequena parte do “Poema do Dóri” de Os Poemas de Álvaro Feijó ( “Neste país de luz e Sol, / o nevoeiro anda cá dentro / e não nos deixa olhar…”).
Não deixa de ser interessante notar que o último texto da derradeira presença, de Fevereiro de 1940, encerre a magnífica publicação com uma polémica entre Manuel Anselmo e Adolfo Casais Monteiro, afinal, acabadas imagens de diferentes representações do país digladiando-se.
“Uma poucas de palavras”, como diria Tomaz de Figueiredo, para dizer que esta abordagem é apenas seminal: de fora fica a poesia combatente de Rodrigo Emílio (“Era este um lugar / de raiz duradoura. / Mas soou a hora / de deitar país / fora…”), a poética reconfigurativa do país de José Valle de Figueiredo (“Portugal é grande, / (…) Cai, co´a alma dorida, / mas cresce e avança, sentida, / a perdida esperança.”) e toda a fecunda prosa portuguesa, não fosse eu aqui lembrar a construção de um país racista por alguns tresleitores de Vergílio Ferreira (bem como de uma pátria submersa), o país gregário de José Saramago ou o fim da utopia revolucionária político-social e a instauração da antiutopia, caracterizada pelo "desencantamento do mundo e pela desrazão", no Esplendor de Portugal de António Lobo Antunes.
Em artigo publicado na revista Ultramar, em 1941, sob o título “Uma mitologia portuguesa”, Pedro de Moura e Sá, ao referir-se mais à literatura do passado, conclui: “O homem buscou sempre nos livros uma representação, digamos, mitológica da vida, e era como criadora de mitos que a literatura atingia maior grandeza. Dos homens extraía-se qualquer coisa de essencial, que dava aos heróis dos livros um aspecto característico e exemplar.”
Poderemos nós, décadas volvidas, desejar outro tempo e melhor lugar?
(Variações, poucas, sobre a comunicação apresentada às "10ªs Jornadas Históricas de Seia" de Novembro último)


1 comentário:

Anónimo disse...

Grande viagem... Obrigado, CAVADOR!!!