O último romance Mário
Cláudio Tiago Veiga – uma biografia (2011)
é um caso sério na literatura portuguesa, sendo também um não menos
interessante momento de despiste genológico. Obra que o tempo mais coonestará,
as abundantes transmigrações de seres culturais para a intriga fazem da malha
claudiana um espaço de atração e de riqueza ficcional.
Uma dessas
transmigrações ocasionais e diferida é a de Aquilino Ribeiro, tanto mais que o
poeta Tiago Veiga sofrera da parte do Mestre um tratamento desinteressado:
“Insinuando esse longínquo desprezo que os romancistas maiores costumam dedicar
aos poetas, Aquilino tratou com adequada distração o sujeitinho de versos, e
ainda por cima minhoto, que se lhe deparava” (p. 288). É ainda iluminante que o
narrador refira ter-lhes a cidade de Paris marcado a vida “de forma muito
diversa”, para logo Tiago Veiga suspeitar em Aquilino Ribeiro, “se não um bonzo
antes da época, um literato repoltreado no seu múnus, algo assim como um
oficial das Finanças que tivesse ingressado na carreira, e progredido nela, e
que finalmente tencionasse aposentar-se no seu topo”. Mais se diz existir no “notável
escritor”, no seu “como que exibicionismo do sotaque beirão, cultivado com afã
idêntico àquele com que catava religiosamente para o dicionário da Academia das
Ciências, alguma coisa de simultaneamente irritante e assustador”. Um pequeno
gesto, no entanto, salvou Aquilino do ostracismo a que Tiago Veiga o decidira
votar – um ato amorável do grande prosador, em regresso conjunto a Portugal,
redimiu o negativismo e eliminou as reticências do poeta (em passagem por Tui,
insistiu Aquilino que parassem e, por seu pé, foi abastecer-se ao Convento das
Descalças de “inigualáveis peixinhos de maçapão” (p. 289), que as monjas
vendiam aos eleitos, tendo ofertado uma caixa de dúzia a Ellen e distribuído a
restante gulodice pelos viajantes, incluindo o motorista).
Adiante, referindo-se à
pouca presença de Tiago Veiga na vida literária e à mesa da Brasileira do Chiado,
sítio também de “hostes da má-língua” (p. 377), diz-se que de Aquilino Ribeiro “referiam
a índole de lapuz de falas sibilantes que desembarcara da sua Beira Interior, a
fim de assassinar El-Rei”.
E será pela voz de
Ferreira de Castro, em desabafo a Tiago Veiga, que se saberá que o rumor de
Castro escrever mal vem dos mesmíssimos fulanos que acusavam Aquilino “de
escrever bem demais, e de não conseguir contar uma história” (p. 473). E tudo
isto resultou da propositura de Aquilino e Miguel Torga ao Nobel…
Mas abandonemos esta
deambulação de Aquilino pelo mundo de Tiago Veiga e conclua-se da inegável
qualidade literária da obra de Mário Claúdio, que, aliás, sempre nos habituara
a bem elevados cumes de que o presente é, para já, o maior.
A benefício de
inventário e para ulterior correção, não espanta que em obra de fôlego assim
escapassem, entre outras possíveis, as seguintes gralhas: Albaninho estava na
aldeia Aveloso e não Avelanoso, como se refere na página 350; quando a páginas
739 se menciona Desesperado como o
primeiro título de Carlos Queiroz, deve ler-se Desaparecido; e António Salgado Júnior não era licenciado em
Filosofia Românica, antes em Filologia Românica (p. 750).
Esta é uma obra maior
do 2011 português (a maior?). Em volta, a escumalha literária procura
engrandecer uma infraliteratura que não tem lugar ao lugar, escudada que pensa
estar pelo cobrimento político, pela cratera imunda…
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