2012-01-27
2012-01-26
2012-01-25
2012-01-24
sem tempo já
gelo nos dedos e um difuso timbre
embatem nas nervuras mais íntimas
e apenas um inaudível ressoar de águas
vai invadindo o fanal das unha os ossos
gementes afundam no corpo na bruma.
que mar a pique dentro do náufrago
que solidão te leva à mais urgente acédia
à lassidão da terra à efusão dos líquidos?
o orvalho longe fende a terra afundo
até às vísceras do fogo feixe imenso
plantado na forja no dentro do coração
uma espinha lanceta o músculo que
sangra cerce a vontade levando ao chão
todas as magnólias como se nos ciprestes
não houvesse vinagre só esperanças…
a chuva dos séculos tudo recobrirá um dia
e quando não houver tempo nem memória
talvez as palavras já não existam só inefável
esse momento inexistente único do fazer-se
poema abrindo-se sobre lençóis impolutos.
que valem as palavras sem tempo? – pergunto.
sem tempo já beijo o espelho a memória disso.
embatem nas nervuras mais íntimas
e apenas um inaudível ressoar de águas
vai invadindo o fanal das unha os ossos
gementes afundam no corpo na bruma.
que mar a pique dentro do náufrago
que solidão te leva à mais urgente acédia
à lassidão da terra à efusão dos líquidos?
o orvalho longe fende a terra afundo
até às vísceras do fogo feixe imenso
plantado na forja no dentro do coração
uma espinha lanceta o músculo que
sangra cerce a vontade levando ao chão
todas as magnólias como se nos ciprestes
não houvesse vinagre só esperanças…
a chuva dos séculos tudo recobrirá um dia
e quando não houver tempo nem memória
talvez as palavras já não existam só inefável
esse momento inexistente único do fazer-se
poema abrindo-se sobre lençóis impolutos.
que valem as palavras sem tempo? – pergunto.
sem tempo já beijo o espelho a memória disso.
2012-01-23
2012-01-22
2012-01-19
poema para rui costa
dos olhos nasce agora um mito
que arde no tempo. teu corpo
descansa nas algas no enxofre.
não mais os velhos banimentos
nem as admonições do tempo.
lobo e shelley assim marimorte
poetas encontrados rasantes
palavras diluídas nos seixos e
na explicitude desnuda das eras.
nas areias fecundam os ecos
e no sangue a poesia morre
porque dela escorre a vida.
um dia não haverá palavras.
que arde no tempo. teu corpo
descansa nas algas no enxofre.
não mais os velhos banimentos
nem as admonições do tempo.
lobo e shelley assim marimorte
poetas encontrados rasantes
palavras diluídas nos seixos e
na explicitude desnuda das eras.
nas areias fecundam os ecos
e no sangue a poesia morre
porque dela escorre a vida.
um dia não haverá palavras.
2012-01-18
Rui Costa (1972-2012)
Não preciso mas tu sabes como eu sou
Encaminho-me pouco divirto-me assim nas copas
Das árvores soprando pensamentos para o mundo que há de noite.
As pessoas quando acordam são outras, já sabias,
Essa névoa contemporânea do medo miudinho
Que perdemos nas cidades e nos corpos, tu entraste
Antes de mim nos jogos, o enxofre da música e o
Lago do feitiço, inocente homem breve que sonha
Tu bem sabes.
Depois aluguei a bruxa por uma vasta noite.
E a minha vida mudou, a noite cresceu,
A vertigem ardeu-me nos braços até a sangria
Do tédio quando para sempre julguei que te perdia.
Na luta perdi um ou dois braços,
Mais do que o que tinha. Mas esta memória é um palácio,
São corais no pensamento. Jardins e fantasmas,
O gume nas mãos sorvendo, criança estratosférica
E profunda: sem braços e agora sem mais nada.
Não me percebeste, enchi-me de fúria.
É uma arte, queria eu dizer, matar sem retrocesso e
Atraso – ah aqueles braços para apoiar as mãos - ,
Ceifando. Saturno.e.o.vento.na.proa.erguendo.
O: navio:no:mar:parado:parado: completamente.
Parado.como dizer? Não dizer, eu sou.uma vida
Medonha e múltipla. E agora descanso
Deitado nestas mãos que mexem
Sem apoio, sabes, nascendo dos teus olhos
P’la manhã.
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homenagem: rui costa
2012-01-16
2012-01-15
2012-01-14
BAIRRO SOCIAL DE PARADINHA: NEM “GUETTO”, NEM ZONA DE EXCLUSÃO POSTAL! FALTA UMA POLITICA MUNICIPAL INTERCULTURAL - Texto de Carlos Vieira e Castro
Na perspectiva da cidadania não
se pode tolerar que a agressão a carteiros (um caso de policia que deve ser
investigado, julgado e punido) sirva de pretexto para criar uma “zona de
exclusão postal” no Bairro Social de Paradinha, onde vivem cidadãos de
diferentes etnias, “pagando o justo pelo pecador” (os justos não se separam por
etnias, nem os “pecadores” têm sinais distintivos como os judeus estigmatizados
pelos nazis ou pelos bispos portugueses dos Sécs. XV e XVI). Ambos são cidadãos
e munícipes com direitos e deveres. Que
o problema só tenha inquietado a Câmara Municipal de Viseu quando os CTT a informaram
que a PSP deixara de disponibilizar agentes para acompanhar os carteiros, como
se fosse normal que há cerca de um ano os moradores do bairro só recebessem o
correio duas vezes por semana, é sintomático de uma politica que aceita a
existência de “guettos” no seu território.
Numa
perspectiva sociológica há que encarar as particularidades culturais da etnia
cigana de grande parte dos moradores daquele bairro social. Acontece que o
município de Viseu desprezou o convite que o Alto Comissariado para a Imigração
e o Diálogo Intercultural enviou para todas as autarquias, em Setembro de
2009, para se candidatarem ao PROJECTO
MEDIADORES MUNICIPAIS, um programa de formação de mediadores interculturais, para promover a comunicação entre ciganos e a
comunidade envolvente e a prevenção e gestão de conflitos. Já se candidataram
ao projecto 24 autarquias, tendo as 13 da primeira fase feito uma avaliação
muito positiva da acção dos seus mediadores, ciganos e ciganas, jovens e menos
jovens, que integrados em equipas interdisciplinares constroem canais de
dialogo entre culturas, estimulando a participação da sua comunidade nos
processos de decisão e desafiando a maioria a partilhar os recursos, negados a
pretexto da resistência das minorias à integração /assimilação.
A
Associação OLHO VIVO já deu formação a Mediadores Culturais ciganos em Braga,
no Bairro do Picoto. Os mediadores e as
mediadoras culturais, ou os mediadores e mediadoras municipais interculturais
de etnia cigana são formados para, através do diálogo entre a comunidade cigana
e a comunidade escolar, que devem
sensibilizar para o conhecimento da história e cultura cigana, promoverem o papel da escola na valorização
individual dos ciganos e da auto-estima da sua comunidade, contrariando
práticas, que a “tradição” não pode
validar, de abandono escolar e de casamentos precoces e ilegais de menores de
16 anos, em ambos os casos muitas vezes por pressão dos pais ( com a
consequente gravidez na adolescência), que comprometem o futuro das jovens
ciganas, as quais, muitas vezes, sonham com uma “sina” diferente. Também devem
fomentar a pré-escolarização e a promoção da formação profissional e do ensino
recorrente (novas oportunidades), como alternativa à saída “tradicional” como
feirantes, profissão já saturada e em risco de extinção.
Há um
défice de diálogo entre a Câmara Municipal de Viseu e a comunidade cigana de
Paradinha, que levou há poucos anos, à ocupação de apartamentos desocupados,
por parte de jovens casais que se encontravam nas casas dos pais, naquele
bairro social, a rebentar pelas costuras, depois de se terem cansados de
esperar que a autarquia lhes arranjasse habitação social. A resposta da Câmara
foi chamar a policia para os desalojar, não resolvendo o problema principal: a
falta de condições dignas de habitação. Também há ciganos que acusam a
autarquia de “limpeza étnica” no Bairro Social de Paradinha, ao transferir
famílias de uns blocos para outros, de modo a ficarem blocos etnicamente puros,
sem misturas. O mesmo se passa no Bairro da Balsa, onde há separação de etnias
por blocos de apartamentos. Em contrapartida, no Bairro Social da Quinta da
Pomba não mora uma única família cigana.
O problema da (in)segurança de
carteiros e funcionários dos SMAS no Bairro de
Paradinha não passa por acompanhamento policial, nem por apartados, nem
pela entrega do correio pela Caritas ou por um mediador, como sugeriu o
presidente da Junta de freguesia, mas pelo diálogo com os moradores, com o
apoio de membros influentes da etnia (já não há propriamente patriarcas),
enquanto não se formam mediadores municipais interculturais. As candidaturas
para a 2ª fase do Projecto do ACIDI acabaram em 9/06/2011, oportunidade
desperdiçada pela Câmara Municipal de Viseu.
Só o diálogo derrubará os muros
que alguns responsáveis insistem em
altear.
2012-01-12
2012-01-11
2012-01-09
lipovetsky-XI
depois dos comprimidos habituais
vais reciclar o corpo e sem culto as
articulações não moverão os ossos
e os líquidos sinoviais inundar-te-ão
os pés como se pele fosse verniz ou
esmalte confundindo os dias o tempo.
vais reciclar o corpo e sem culto as
articulações não moverão os ossos
e os líquidos sinoviais inundar-te-ão
os pés como se pele fosse verniz ou
esmalte confundindo os dias o tempo.
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criação poética / lipovetsky
2012-01-08
"Recado" de Al Berto
AL BERTO
HORTO DE INCÊNDIO
I
recado
ouve-meque o dia te seja limpo
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por esse porta
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
http://www.youtube.com/watch?v=xlzx6vlPVR4
2012-01-07
A viagem literária a partir de "Entrefitas e entretelas (Resumo da matéria dada)" de Pedro Bandeira Freire
A literatura, mesmo que sob o género memorial, é uma correnteza profunda de sugestões e de viagens, tantas delas mais interiores do que físicas. A leitura de Entrefitas e entretelas (2007) de Pedro Bandeira Freire, obra publicada pela editora Guerra e Paz, permitiu-me mesmo entrar no "Sobriño de Botin" em Madrid e beber a garrafa de Vega Sicilia supra. Felizmente o escanção saiu da imutabilidade costumeira e apressou-se a servir o néctar, que aqui vos deixo, convivialmente. Afinal, a literatura não pode esperar. E estas entrefitas também não...
2012-01-06
Homenagem a Carlos Soares Frederico de Albuquerque, conhecido também por Frederico Urze
E volto ao livro de Diamantino Calisto para lembrar que, de acordo com a listagem dos quartanistas de 1905 que celebraram o enterro do "grau" publicada por Calisto, Carlos Soares Frederico de Albuquerque, "de Sarrasela - Satam. Arregaça", figura por lá com a legenda camoniana «Co'a mão na espada, irado e não facundo / Ameaça a Terra, o Mar e o Mundo", o que desvela alguma da psicologia do jovem estudante.
Muito mais tarde, em 1972, sob o pseudónimo de Frederico Urze, o também escritor viria a publicar a obra maldita Divino, o Inferno?...
Fique ainda como informação que Carlos Soares Frederico de Albuquerque era irmão de Mestre Teotónio Pedro de Albuquerque, artista do ferro forjado e professor da Escola Industrial e Comercial de Viseu, hoje Escola Secundária de Emídio Navarro, e tio do pintor e multímodo criador Pedro Albuquerque. A entrada principal da Escola Secundária de Emídio Navarro situa-se na rua Mestre Teotónio de Albuquerque...
2012-01-05
A "Sebenta" coimbrã segundo Carlos de Lemos
Nesta interessantíssima obra de Diamantino Calisto, publicada em 1950, encontramos, entre outras interpretações picarescas, a visão que Carlos de Lemos - patrono fundador desta revista, que também existe em série rediviva, com Beatriz Pinheiro (de Lemos) - tem da célebre Sebenta, "essa velha instituição universitária, teta ubérrima donde emanava toda a catedrática e infalível ciência infusa, precisa para a conquista da almejada carta de bacharel", como o defende Calisto. Leia-se, pois, o poema de Carlos de Lemos:
NARCÓTICO
Tirou Deus duma costela
Do Pai Adão a mulher,
Mas, pr'a ela sair bela
Tinha Adão de adormecer.
Ora Adão, com medo dela
Não punha olhos sequer...
Vai Deus, vendo-o sempre à vela,
Que havia Deus de fazer?
Mandou ir da Lusa Atenas
Uma "Sebenta" do Dias,
Por sinal, das mais pequenas.
Diz o profeta Isaías
Que Adão, com o cheiro apenas
Dormiu dum sono oito dias! (p. 35)
Destas e doutras diatribes contra o modo coimbrão universitário participam nomes como o de Carlos de Lemos, Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro, Branquinho da Fonseca e tantos outros, até porque, em muitas das vezes, tal acrimónia é também amor, dor e saudade...
Destas e doutras diatribes contra o modo coimbrão universitário participam nomes como o de Carlos de Lemos, Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro, Branquinho da Fonseca e tantos outros, até porque, em muitas das vezes, tal acrimónia é também amor, dor e saudade...
2012-01-04
quase poema para alves redol
quase um poema escorre dos dedos
dos teus braços os músculos pendem
ardentes os desejos mordem o chão
acidulando a vida os quadros mais vitais
projetam-se no poço da memória os ais
os caminhos tortuosos do sofrimento
as dores até irrompendo nos ossos
os fragmentos do mármore estiolando
a bomba coração rebenta aos pés fende
a terra inundando-a de sangue vísceras
vindimadas opressas pelo jugo da morte.
que poema quase nos dedos que país?
2012-01-03
«A perspectiva das coisas - A natureza-morta na Europa (Séculos XIX-XX [1840-1955])
Depois de exposição afim sobre período anterior, eis que se aproxima do fim esta importantíssima mostra plástica monovarietal, passe a imprecisão.Perante nós desfilam obras de pintores de referência como, entre outros, Braque, Cézanne, Dalí, Gauguin, Juan Griss, Magritte, Manet, Matisse, Monet, Picasso, Renoir e Van Gogh. E também dos portuguesíssimos Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Mário Eloy e Vieira da Silva. Há ainda lugar, como não podia deixar de ser, para os especialistas, como Giorgio Morandi, um dos maiores cultores do género, que assina mesmo uma obra que assinala o termo ad quem da exposição. Eu já estive lá e afundei de pequenez. Se puderem, visitem-na enquanto é tempo.
Parabéns à FCG e, já agora, ao mecenas BPI. Quem disse, afinal, que os bancos servem só para cavar a miséria dos portugueses? [em eco, injeções monetárias, intervenções trágicas em BPEnes e BPPês, vão dizendo que muita gente anda a brincar com o dinheiro dos portugueses...]
2012-01-02
Um modo de ser português em "Gatos e mais gatos" de Doris Lessing
Doris Lessing é uma fabulosa escritora que, entre outros assuntos temáticos, abordou a vida não menos fantástica desses misteriosos e ternos animais que são os gatos. A literatura portuguesa é também abundante de abordagens ao mundo dos queridos felinos, apontando-se como exemplos os casos de autores como Eugénio de Andrade, Eugénio Lisboa, Manuel António Pina e Eduardo Pitta.
Uma belíssima edição de Particulary cats and more cats, com apurada tradução de Maria Isabel Barreno e belíssimos desenhos de Luís Manuel Gaspar, veio a lume, entre nós, recorrentemente, em 1995, 1999, 2007 e 2008, com chancela dos Livros Cotovia.
E é a menos de meio do fabuloso entrecho ficcional que colhemos uma interessante e não menos cómica tirada sobre a psicologia nacional e o modo muito original de tratar da fisiologia sexual por parte das damas, como se colhe em excerto da página 53, que transcrevo:
«Em Portugal, dizem H. e S., que são portugueses, quando as senhoras burguesas se reunem nos seus chás, falam das suas operações e dos seus problemas femininos. A frase que usam para esses órgãos é exatamente a mesma que é usada para as miudezas das galinhas: "As minhas miudezas, as tuas miudezas, as nossas miudezas,"
Muito interessante, de facto.»
Isto tudo, é claro, veio a propósito da vulgar intervenção dos veterinários sobre o útero e as trompas das gatas e da gata cinzenta diegética que tão necessitada estava de tal limpeza.
No nosso país, infelizmente, os problemas não têm que ver com miudezas mas outrossim com desmandos de elevada grandeza, que assim vai o reino da Dinamarca...
«Em Portugal, dizem H. e S., que são portugueses, quando as senhoras burguesas se reunem nos seus chás, falam das suas operações e dos seus problemas femininos. A frase que usam para esses órgãos é exatamente a mesma que é usada para as miudezas das galinhas: "As minhas miudezas, as tuas miudezas, as nossas miudezas,"
Muito interessante, de facto.»
Isto tudo, é claro, veio a propósito da vulgar intervenção dos veterinários sobre o útero e as trompas das gatas e da gata cinzenta diegética que tão necessitada estava de tal limpeza.
No nosso país, infelizmente, os problemas não têm que ver com miudezas mas outrossim com desmandos de elevada grandeza, que assim vai o reino da Dinamarca...
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ensaio literário: martim de gouveia e sousa
2012-01-01
Tiago Veiga e Aquilino Ribeiro: uma relação ficcional
O último romance Mário
Cláudio Tiago Veiga – uma biografia (2011)
é um caso sério na literatura portuguesa, sendo também um não menos
interessante momento de despiste genológico. Obra que o tempo mais coonestará,
as abundantes transmigrações de seres culturais para a intriga fazem da malha
claudiana um espaço de atração e de riqueza ficcional.
Uma dessas
transmigrações ocasionais e diferida é a de Aquilino Ribeiro, tanto mais que o
poeta Tiago Veiga sofrera da parte do Mestre um tratamento desinteressado:
“Insinuando esse longínquo desprezo que os romancistas maiores costumam dedicar
aos poetas, Aquilino tratou com adequada distração o sujeitinho de versos, e
ainda por cima minhoto, que se lhe deparava” (p. 288). É ainda iluminante que o
narrador refira ter-lhes a cidade de Paris marcado a vida “de forma muito
diversa”, para logo Tiago Veiga suspeitar em Aquilino Ribeiro, “se não um bonzo
antes da época, um literato repoltreado no seu múnus, algo assim como um
oficial das Finanças que tivesse ingressado na carreira, e progredido nela, e
que finalmente tencionasse aposentar-se no seu topo”. Mais se diz existir no “notável
escritor”, no seu “como que exibicionismo do sotaque beirão, cultivado com afã
idêntico àquele com que catava religiosamente para o dicionário da Academia das
Ciências, alguma coisa de simultaneamente irritante e assustador”. Um pequeno
gesto, no entanto, salvou Aquilino do ostracismo a que Tiago Veiga o decidira
votar – um ato amorável do grande prosador, em regresso conjunto a Portugal,
redimiu o negativismo e eliminou as reticências do poeta (em passagem por Tui,
insistiu Aquilino que parassem e, por seu pé, foi abastecer-se ao Convento das
Descalças de “inigualáveis peixinhos de maçapão” (p. 289), que as monjas
vendiam aos eleitos, tendo ofertado uma caixa de dúzia a Ellen e distribuído a
restante gulodice pelos viajantes, incluindo o motorista).
Adiante, referindo-se à
pouca presença de Tiago Veiga na vida literária e à mesa da Brasileira do Chiado,
sítio também de “hostes da má-língua” (p. 377), diz-se que de Aquilino Ribeiro “referiam
a índole de lapuz de falas sibilantes que desembarcara da sua Beira Interior, a
fim de assassinar El-Rei”.
E será pela voz de
Ferreira de Castro, em desabafo a Tiago Veiga, que se saberá que o rumor de
Castro escrever mal vem dos mesmíssimos fulanos que acusavam Aquilino “de
escrever bem demais, e de não conseguir contar uma história” (p. 473). E tudo
isto resultou da propositura de Aquilino e Miguel Torga ao Nobel…
Mas abandonemos esta
deambulação de Aquilino pelo mundo de Tiago Veiga e conclua-se da inegável
qualidade literária da obra de Mário Claúdio, que, aliás, sempre nos habituara
a bem elevados cumes de que o presente é, para já, o maior.
A benefício de
inventário e para ulterior correção, não espanta que em obra de fôlego assim
escapassem, entre outras possíveis, as seguintes gralhas: Albaninho estava na
aldeia Aveloso e não Avelanoso, como se refere na página 350; quando a páginas
739 se menciona Desesperado como o
primeiro título de Carlos Queiroz, deve ler-se Desaparecido; e António Salgado Júnior não era licenciado em
Filosofia Românica, antes em Filologia Românica (p. 750).
Esta é uma obra maior
do 2011 português (a maior?). Em volta, a escumalha literária procura
engrandecer uma infraliteratura que não tem lugar ao lugar, escudada que pensa
estar pelo cobrimento político, pela cratera imunda…
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