2008-03-20

3ª Conferência Quaresmal do Bispo do Porto: "Orar, para aprender a esperar"


Conferência quaresmal do Bispo do Porto


Orar, para aprender a esperar (cf. Spe Salvi, N.º 32)

.

A nossa terceira e última conferência desta Quaresma, inspirada também na encíclica Spe Salvi, traz-nos as considerações de Bento XVI sobre “a oração como escola da esperança”. Incluem-se na última parte do seu texto, que referem os “lugares” de aprendizagem e de exercício da esperança.


Como tudo quanto de Deus vem e a Deus leva, a esperança, tendo-O como fito, requer da nossa parte apropriação agradecida e exercício correspondente. Exercício que inclui purificação, tanto das motivações como dos anseios.
Há então lugares e ocasiões para aprender e exercitar a esperança, que o Papa resume em três: a oração, primeiro; a acção, a acção sofrida, depois; o juízo, o juízo divino e purificador, finalmente.
Sobre a oração, diz a encíclica, entre outras coisas igualmente importantes, no nº 32: “O primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração. Quando já ninguém mais me escuta, Deus ainda me ouve”. O Papa lembra a experiência, ainda recente, do cardeal vietnamita Nguyen Van Thuan - treze anos preso, nove anos dos quais em isolamento, por causa da sua fé -, para asseverar que “a escuta de Deus, o poder falar-lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança”.

Realmente assim foi, para ele e para todos os que ganhámos depois, com o seu testemunho e o seu estímulo. A esperança manifesta-se e cresce em cada um de nós, quando tudo o mais se desvanece como apoio ou desaparece como álibi. É essa a experiência tão libertadora e convincente dos mártires de todos os tempos, cruentos ou incruentos.

Mas, de seguida, Bento XVI lembra um testemunho antigo, muito do seu gosto e referência, o do grande pastor e doutor de Hipona; agora, sobre a purificação da esperança e do desejo, sobre a purificação da oração, quando autêntica: “[Santo Agostinho] define a oração como um exercício do desejo. O ser humano foi criado para uma realidade grande, ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas o seu coração é demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado. ‘Assim procede Deus: diferindo a sua promessa, faz aumentar o desejo; e, com o desejo, dilata a alma, tornando-a mais apta a receber os seus dons’” (Ibidem, nº 33).
Porque de purificação se trata, até ficarmos sem mistura: “O modo correcto de rezar é um processo de purificação interior que nos torna aptos para Deus e, precisamente desta forma, aptos também para os homens. Na oração, o ser humano deve aprender o que verdadeiramente pode pedir a Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não pode rezar contra o outro” (Ibidem).

Nesse definitivo estádio, fé e esperança redundam necessariamente em caridade, critério primeiro e último. Como o vamos sabendo, numa “Quaresma” que não terminará certamente na próxima celebração pascal.

Não há aqui qualquer contradição de sentimentos, mas apuramento deles e conversão contínua. É importante dizer e repetir, antes de mais a nós próprios, que “só Deus basta”. A frase, tão conhecida, é de Santa Teresa de Ávila, que preferiu chamar-se “de Jesus”. Mas isto mesmo significou para ela um longo e perfeito exercício de purificação da esperança, ou esperança purificadora, como finalmente cantou: “Nada te perturbe / nada te espante, / tudo passa, / só Deus não muda. / A paciência / tudo alcança. / Quem a Deus tem, / nada lhe falta. / Só Deus basta” (Santa Teresa de Jesus – Obras completas. Paço de Arcos: Edições Carmelo, 2000, p. 1088).

Espontaneamente, não chegaríamos aqui, antes ao enfraquecimento das convicções e à variação dos desejos. Assim vai, aliás, algum sentimento contemporâneo, pois que o chamado pós-modernismo recusa tanto os pontos de partida comuns como os objectivos definidos...

Vale-nos o Espírito, vale-nos a oração da Igreja que Ele mesmo suscita, aproximando-nos, persistentemente, dos desejos de Cristo e da vontade do Pai; trabalha-nos na esperança, como ensina o Catecismo da Igreja Católica: “O Espírito Santo, que nos ensina a celebrar a liturgia na expectativa do regresso de Cristo, educa-nos para orar na esperança. E vice-versa, a oração da Igreja e a prece pessoal nutrem em nós a esperança” (nº 2657).

Mesmo que tal demore e até por isso mesmo, já que não se aprende doutro modo, recorda o Catecismo, citando sucessivamente Evágrio e Agostinho: “Entremos no desejo do seu Espírito [de Deus] e seremos atendidos: ‘Não te aflijas, se não recebes logo de Deus o que Lhe pedes: é que Ele quer beneficiar-te ainda mais pela tua perseverança em permanecer com Ele na oração’. Ele quer ‘que o nosso desejo se exercite na oração dilatando-nos, de modo a termos capacidade para receber o que Ele prepara para nos dar’” (nº 2737). Em suma, a esperança alarga-nos, pela persistência orante, à sua própria (des)medida.

As boas relações alargam a alma e a vida, sabemo-lo bem. Diz o nosso povo, com saber de experiência feito: “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Tratando-se de Deus, pólo infinito duma relação absoluta, muito mais ainda, podendo dizer-se assim: “Diz-me com Quem andas e dir-te-ei quem serás”. Ou ainda: “Diz-me com Quem andas e dir-te-ei quem ainda não és”, sendo este “ainda” um modo de dizer a esperança.

Porque de relação se trata, como definiu Teresa de Jesus, de modo igualmente lapidar, no Livro da vida, 8, 5: “E outra coisa não é, a meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com quem sabemos que nos ama” (Obras completas, p. 73). E, sendo relação, será também legitimamente objectivada, desde que tal precisão da lembrança e da imaginação encontre a Deus como Ele mesmo quis ser encontrado, ou seja, na humanidade com que nos chegou em Cristo. Di-lo a mesma santa e doutora da Igreja, também no Livro da vida, 22, 9: “É grande coisa, enquanto vivemos e somos humanos, trazer a Deus humanado diante de nós” (Ibidem, p. 178).

Mas nem aí pararemos, pois, com Cristo, a oração alonga-nos até ao Pai, além de qualquer imaginação, sempre exercitando a esperança. Aí nos leva esta passagem de São João da Cruz, coevo de Teresa, na Subida do Monte Carmelo, 15, 1: “É preciso ter em conta o que pretendemos: que a alma se una a Deus pela memória em esperança. Espera-se o que não se tem. Quanto menos coisas nela houver, mais capacidade e mais possibilidade existe para esperar o que se espera; por conseguinte, mais esperança se tem. Quanto mais a alma limpar a memória das formas e recordações que não são Deus, tanto mais em Deus terá a memória e mais vazia para esperar que Ele a preencha plenamente” (Obras completas. Marco de Canaveses: Edições Carmelo, 2005, p. 334). Como nas bem-aventuranças, são a fome e a sede a serem saciadas, não a fartura; o choro a ser consolado, não a rápida alegria.

É para todos nós, tal doutrina. Mas na consagração religiosa e monástica, encontra uma particular incarnação, transformada a terra em desejo do céu, também estímulo para todos os crentes, pois aí nos coloca Cristo a meta universal. Ainda na tradição carmelitana, encontrou em Santa Teresa do Menino Jesus formulações deste género, poético no caso, com claro eco salmódico: “Estou ainda na terra estrangeira, / Mas pressentindo a felicidade eterna, / Oh! quereria deixar já a terra / E contemplar as maravilhas do Céu… / Quando sonho com as alegrias da outra vida / Do meu exílio já não sinto o peso / Visto que em breve para a minha Pátria / Eu voarei pela primeira vez!...” (Obras completas. Marco de Canaveses: Edições Carmelo, 1996, p. 770).

E Isabel da Trindade, no seu Último retiro, nº 33, deixa-nos um precioso contributo, evidenciando-nos a vida cristã como caminho em Cristo, libertando-nos n’Ele, em esperança realizadora e realizada: “Caminhar em Jesus Cristo, parece-me que é sair de si, perder-se de vista, abandonar-se para entrar mais profundamente n’Ele e a cada minuto que passa, tão profundamente que aí se fique enraizada […]. Quando a alma está fixa n’Ele em tais profundidades, quando as suas raízes assim se afundaram, a seiva divina expande-se nela em ondas, e tudo o que é vida imperfeita, banal, natural é destruído; e então, segundo a linguagem do Apóstolo, ‘o que é mortal é absorvido pela vida’ [2 Cor 5, 4]. […] Por ser livre, liberta de si mesma e de tudo, [a alma] pode então cantar com o salmista: ‘Se um exército me cercar, não temerei; se um combate surgir, terei esperança contra tudo’ [Sal 26]” (Escritos espirituais. Oeiras: Edições Carmelo, 1989, p. 121-122).

Com estes contributos da mais lídima espiritualidade cristã, retomemos a frase de Bento XVI, porventura melhor entendida e recebida, neste momento quaresmal: “O coração [humano] é demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado”. Dilatação, dilação: são também nomes da esperança, no seu exercício; da oração, no seu caminho interior.


Voltemos agora à actualidade de que, aliás, não saímos. Sobretudo quando ouvimos as considerações dos místicos, pois que nos tocam sempre pela sua intensidade existencial e experiencial. Teresa de Jesus e João da Cruz, Teresa do Menino Jesus e Isabel da Trindade, Agostinho lembrado por Bento XVI, não nos falaram apenas dos seus movimentos de alma ou moções espirituais, em sentido retirado e íntimo.

Todos eles viveram o seu tempo, do século IV-V ao XVI, ao XIX-XX. Tempos agitados na sociedade e na religião que lhes coube. Tempos que encontraram no coração e na inteligência de cada um deles uma repercussão particular, como sentimento e indagação. Agostinho tornou-se assim a expressão mais subida e profética do fim de um mundo e começo de outro, quando o Império Romano ruiu com ele, no Ocidente. Teresa de Jesus e João da Cruz, reencontraram nos claustros que reformaram a unidade mais interior e alta que a Cristandade perdia exteriormente, naquele dilacerado tempo. Teresa do Menino Jesus viveu intensamente a crise intelectual e civilizacional dum mundo “sem Deus” e abriu-nos, numa infância espiritual custosa e abandonada, a possibilidade que unicamente temos, do presépio à cruz. Isabel da Trindade insistiu na vida trinitária, prefaciando o que hoje queremos reviver como dimensão essencial da oferta cristã. Tudo concreto quando profundo, tudo vivido quando rezado. Tudo o que mais importa para o século XXI.

Que também “sufoca porque não adora”, como já escreveu São Pedro Julião, há século e meio. E escreveu-o nesta Europa, sua e nossa, onde as possibilidades económicas permitiriam quase tudo, se não nos despistássemos tanto, precisamente no que às esperanças respeita.

Saiu há pouco uma sondagem da Universidade Católica, “a pretexto do aniversário do [jornal] PÚBLICO, junto de duas gerações – a que tinha 18 anos em 1990 e hoje tem 35-37, a que tinha zero e agora tem 17-19 anos”. A jornalista que comenta os dados recolhidos conclui que “não existem diferenças muito significativas entre elas ao nível dos valores e atitudes sociais”, mostrando-se os dois grupos “mais tolerantes e liberais do que o resto da população” (cf. Kathleen Gomes – Esperava um gap geracional?. Público. P 2, 5 de Março de 2008, p. 8).

Não detectaremos então nenhuma fenda geracional nestes últimos 18 anos, no que respeita à privatização dos valores (com a tolerância mais generalizada) e à individualização (com menos referências institucionais). Mas poderemos constatar que “não tem uma cara demasiado feliz a geração dos 35-37 anos, quando faz rewind e pensa nas expectativas que tinha aos 18 anos em relação ao que viria a ser a sua vida pessoal. O reality check é amargo: quase metade dos inquiridos (45 por cento) diz que o seu percurso profissional está abaixo das expectativas que tinha na altura e apenas 15 por cento consideram que está acima; 43 por cento avaliam que em termos de qualidade de vida está abaixo das expectativas contra 20 por cento que consideram estar acima” (Ibidem).

Dito doutro modo, quase metade dos nossos concidadãos que completam a sua quarta década de vida sente como goradas as expectativas que tinha na juventude, quer profissionalmente, quer quanto à qualidade de vida. E, sobretudo, são relativamente poucos os que entendem que as excederam.

Outros resultados da sondagem fazem a jornalista comentar, por exemplo: “A juventude é optimista por natureza, mas esta não o será excessivamente – e se em 1990 se tivesse feito as mesmas perguntas à geração que então tinha 18 anos, o optimismo seria previsivelmente maior” (Ibidem, p. 14).

Não pretendo extrapolar os dados nem o assunto, que devem suscitar a atenção de todos, nas várias instâncias da sociedade e da política. Mas, referindo-os à meditação que agora vos proponho, não posso deixar de me interrogar sobre as expectativas que induzíamos nos jovens de há duas décadas, como as induzimos aos de hoje… Já então a publicidade prometia tudo, materialmente falando, e com uma persuasão tecnológica cada vez mais sofisticada. – O que era levada a apreciar e desejar a juventude do princípio dos anos noventa, como a de hoje também? – Que padrões de êxito lhe eram e são hoje apresentados e como se “aconselha” a consegui-los? E, acima de tudo, como se educa o desejo e se alarga a aspiração dos mais novos?

Reflectíamos na anterior conferência quaresmal sobre o papel imprescindível dos mais velhos para uma vida sócio-culutral mais consistente e sábia. Pois bem: - Não nos “ensina” a vida a comprovar valores e a apurar verdades, mormente em relação ao mais existencial, universal e duradouro?! Em relação ao que “vale a pena”, como dizemos numa locução já conclusiva, pois o que vale importa pena, o êxito é fruto da dedicação e do custo?!

E entre agora cada um de nós no campo fértil da sua própria memória e veja bem, sobretudo quando já passou o meio século, o que resultou consigo e com os seus coetâneos, em termos de realização pessoal e inter-pessoal. Repare – como certamente reparará – na importância que tiveram os exemplos e os estímulos positivos, o relacionamento familiar e inter-geracional, os ambientes saudáveis e propícios. E, sobretudo, quando teve tal oportunidade e graça, a integração eclesial que certamente lhe trouxe a pessoa viva e a mensagem fecunda de Jesus Cristo, compartilhadas em catequese e celebração, amizades e caridade.


Sim, deixai-me insistir: – Quantos contemporâneos nossos, que connosco conviveram na infância e na juventude, persistiram na fé e na prática cristãs? - Não foram precisamente os que ganharam aquela dilatação da alma que só a oração proporciona, activando a esperança? Deixai-me ser ainda mais concreto e preciso: - Que lugar ocupa nas nossas catequeses e iniciações cristãs a aprendizagem da oração, o estímulo adorante e contemplativo? Ou então, e já fora do âmbito estritamente confessional: - Que educação fazemos – pública ou particular – que desenvolva nos mais novos as capacidades interiores de admiração e fruição estética, criativa e profunda?


Para isso, não esperemos muito dum mercado corriqueiro, que só queira lucro. Este preferirá consumidores imediatos, frustrados a prazo. Como tudo o que é pressionado a crescer artificialmente, para morrer mais depressa. Muito pelo contrário, só no caminho se chega, só na demora se mora, só na esperança se alcança. Depois da vigília nocturna, só depois, pode fulgurar no céu de todos e cada um a estrela matutina.


São essas, aliás, as derradeiras palavras escritas, para preencherem agora toda a vida e pedagogia eclesiais: “ ‘Eu [Jesus] sou a brilhante estrela da manhã.’ O Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’. Diga também o que escuta: ‘Vem!’ […] - Ámen! Vem Senhor Jesus!” (Ap 22, 16 ss).


E, nestes termos, será certamente uma prioridade pastoral educar os jovens e a todos os crentes numa esperança absoluta e purificada, que possa acolher uma resposta igualmente absoluta e plena. Nada nos basta senão O que nos cria para si. Aqui sim, poderemos falar de liberdade e paz.


Como nas conferências anteriores, tenho todo o gosto de convocar agora um testemunho poético, que, por seu lado e maneira, nos confirme ainda. E vou buscá-lo a Sophia de Mello Breyner Andresen que, sempre tão extasiada perante a clareza natural das coisas, pressentiu e soube que esse era ainda e só um princípio. Um princípio do que residia muito além. E esta como que tensão atravessa todo o estro de Sophia, em sucessivo canto.


Compilados em 1944, por exemplo maior, são estes versos, de sede plena e esperança certa, que só podemos reproduzir no seu todo: “Um dia quebrarei todas as pontes / Que ligam o meu ser vivo e total, / À agitação do mundo do irreal, / E calma subirei até às fontes. / Irei até às fontes onde mora / A plenitude, o límpido esplendor / Que me foi prometido em cada hora, / E na face incompleta do amor. / Irei beber a luz e o amanhecer, / Irei beber a voz dessa promessa / Que às vezes como um voo me atravessa, / E nela cumprirei todo o meu ser” (Antologia. Porto: Figueirinhas, 1985, p. 37).


Aqui está tudo, o que deve estar: o ser liberto do suceder, a água bebida na fonte, o esplendor somado de todas as horas, o amor finalmente completo, a promessa realizada e a vida alcançada. O poema que se chama “As fontes”, poderia chamar-se “A esperança”.


Da mesma altura são outros, que, parecendo menos afirmativos da esperança, são afinal a sua legitimação perfeita. Negando consistência divina a tudo quanto se costuma aparentar-lhe, afirma a radical alteridade de Deus, só transparecida no brilho novíssimo dalguns olhares. Dalguns olhares que, precisamente, acendem a esperança: “A presença dos céus não é a Tua, / Embora o vento venha não sei donde. / Os oceanos não dizem que os criaste, / Nem deixas o Teu rasto nos caminhos. / Só o olhar daqueles que escolheste / Nos dá o Teu sinal entre os fantasmas” (Ibidem, p. 46).

A esta luz apercebida, tudo o mais redunda fantasmagórico. A esperança decanta-se, afinal.


Dois anos depois, Sophia publicava Coral. Onde encontramos versos de fogo, mesmo que de sugestão marinha. Como estes, em que a esperança, urgindo vivíssima, como que não tendo tempo já para algo de outro, se torna quase militante: “Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio / E suportar é o tempo mais comprido. / Peço-Te que venhas e me dês a liberdade, / Que um só dos Teus olhares me purifique e acabe. / Há muitas coisas que eu não quero ver. / Peço-Te que sejas o presente. / Peço-Te que inundes tudo. / E que o Teu reino antes do tempo venha / E se derrame sobre a Terra / Em primavera feroz precipitado” (Ibidem, p. 100).


Mas Sophia aprendeu – e ensinou também – que tanta urgência do dia tinha de atravessar a noite. A “noite” de que todos falam, os “salvos na esperança”, todos os que caminham e navegam. Como esta que a nossa poetiza – tão solar! – cantará anos depois: “A noite abre os seus ângulos de luz / E em todas as paredes te procuro / A noite ergue as suas esquinas azuis / E em todas as esquinas te procuro / A noite abre as suas praças solitárias / E em todas as solidões eu te procuro / Ao longo do rio a noite acende as suas luzes / Roxas verdes e azuis / Eu te procuro” (Ibidem, p. 171).


Concluímos então, se o termo se aplica. Da doutrina da encíclica à actualidade da vida, da vida vivida à vida entrevista na esperança e na inspiração, percorremos um caminho quaresmal, que porventura nos “fez sair” para mais além, em êxodo, sempre em êxodo… E o motivo primeiro, de ordem experimental, é o que já lemos em Bento XVI e devo retomar aqui, tão essencial e oportuno se revela, tão indutor de práticas urgentes, na vida da Igreja e na oferta ao mundo: tudo se ganhará na esperança, tudo se dilatará no coração, tudo se exercitará na oração dos filhos de Deus.


Que o Espírito divino, agente único de tal dilatação, a tenha acrescido em nós, ainda além das altas naves desta catedral! O mundo espera corações imensos!

Sé do Porto, 13 de Março de 2008

Manuel Clemente, Bispo do Porto

1 comentário:

Ai meu Deus disse...

Esta escrita a preto sobre fundo azul escuro é muito ade-cu-ada. Ade-cu-ada à cu-aresma. Tudo muito es-cu-ro. Tudo muito cu-nforme à pose de sua eminência reverendíssima em geral e à do cu-larinho em parti-cular.

Nesta terceira e última prédica, falta o que falta nas anteriores. Mas eu preencho: Assim seja!