2007-04-09

Conto de Páscoa

João César das Neves
Professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt


Quando Pedro acordou notou logo que não estava em casa, onde se deitara na noite anterior. Aquilo parecia uma gruta, uma funda e escura gruta. O primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi: "Afinal Platão tinha razão: sempre estamos numa caverna!"
À medida que os seus olhos se habituavam, ia notando que por ali andava muita gente. Depois de interrogar alguns sem obter respostas, uma senhora idosa disse-lhe: "Estás aqui precisamente como no mundo de onde vieste. Um dia aparecestes lá, sem nunca saberes bem a razão! Porque te inquietas?" De uma forma bizarra esta explicação satisfazia-a. E aos outros também.
Toda a gente parecia muito ocupada. Havia que apanhar comida, confeccionar roupas e outros utensílios. Alguns dedicavam-se à recolha de diamantes, que serviam de moeda, outros à produção e manuseamento de cacetes e outras armas.
Pedro achava tudo aquilo surpreendente. Como podiam, sem saber o significado da sua presença ali, acomodar-se e não pensar nas questões decisivas? Talvez fosse isso que ele fizera toda a vida, mas agora, que tomara consciência da sua inconsciência, queria como Platão conhecer a razão da caverna.
De súbito, encontrou a resposta. Ou pelo menos a pista para a resposta. Tudo ali só era possível por causa da luz. Toda a vida da caverna dependia da iluminação mortiça que banhava o local. De onde vinha a luz que os alumiava? Se soubesse a resposta a isso, Pedro sentia que obteria a solução para todos os enigmas. Olhando com atenção notou que era de um corredor, uns três metros acima do chão, que entrava a claridade. Pedro sentiu então que a única coisa que interessava era seguir por ali e encontrar a origem da luz. A luz que dava sentido a tudo o mais. Perto do corredor estava um homem velho, que sorriu quando Pedro lhe explicou o que pretendia. "É curioso que queiras saber de onde vem a luz. Hoje, a maior parte dos que procuram respostas sente-se mais atraída pela escuridão ali do fundo."

"Mas como?", perguntou Pedro. "Que se pode descobrir no escuro? A escuridão não dá respostas." "Talvez", continuou o homem, "mas o mistério da sombra hoje é mais atraente. E tu, que esperas encontrar na fonte da luz?".

Pedro confessou-lhe que era cristão. A sua fé ensinava-lhe o que esperar no fundo do corredor. Ele estava convencido de que, se seguisse por ali, haveria de chegar a um túmulo vazio, com "os panos de linho espalmados no chão, e o lenço, que tivera em volta da cabeça, não no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição" (Jo 20, 6-7) A porta desse túmulo daria para o Céu.

"Ah! Bem me parecia que o Céu tinha de entrar", riu o homem. "Ainda hoje a maioria dos que querem seguir pelo corredor acreditam nisso. Mas nenhum volta para confirmar que há um Céu. Eu pensei algum tempo como tu, mas acabei por me convencer de que a luz vem simplesmente da rocha. Tenho a certeza de que a luz da caverna está na própria caverna. Não é preciso procurar forças exteriores. Isso é superstição. Como podes provar que existe o Céu e a sua porta no túmulo vazio?"

Pedro ficou uns momentos pensativo e depois respondeu. "Não posso provar, como tu não podes provar a existência da rocha luminosa de que falas. Ambos vivemos na fé. A fé a que entreguei a minha vida diz-me que existe o Céu e o túmulo que lá conduz."

"Sim, todos vivemos na fé", respondeu o outro. "Mas a minha fé não precisa de histórias mirabolantes, de Deus criador e redentor. E se é tudo mentira? Já pensaste nisso? E se fazes a viagem sem encontrar nada?", perguntou o homem.

Pedro, depois de pensar ainda um pouco, respondeu: "Eu sei que é verdade. A certeza que tenho é bem real. Tenho o testemunho de milhões de santos que, entregando-se totalmente à luz do túmulo vazio, não só transformaram o mundo mas, mais importante, viveram vidas felizes e plenas. Essa é a minha certeza, que já começo a sentir na própria vida. Uma certeza muito mais valiosa do que qualquer prova que possas invocar."

"Mas, mesmo que fosse tudo mentira", continuou Pedro, "duas coisas não posso negar. Primeiro, a minha ânsia por essa luz. Toda a minha existência exige que procure a fonte da única coisa que lhe pode dar sentido. Além disso, a segunda verdade inegável é que não posso imaginar outra forma de viver que responda melhor à minha busca de felicidade. Mesmo que não chegue ao Céu, amar a Deus e ao próximo é a melhor forma de viver na Terra." E Pedro trepou para o corredor.

1 comentário:

isabel mendes ferreira disse...

uma surpresa....para mim.



boa.




obrigada.
~



beijo.beijo.