O caminho fica longe: a marca do título
Em ano de centenário de nascimento, o bloco literário por Vergílio
Ferreira deixado é cada vez mais um lugar com a durabilidade do bronze. O
esplendor de reedições e reflexões acontece porque estamos perante um
intelectual de raríssimo poder, de vigor irrepetível. Modernos, os caminhos
propostos década a década são rigorosos e quase perfeitos, ficando a
dissonância como estímulo para um escritor corajoso que combateu como poucos ou
nenhuns.
Tomando o título de Leo Hoek, La
marque du titre. Dispositifs sémiotiques d’une pratique textuelle (La
Haye-Paris-New York, Vrije Universiteit te Amsterdam-Mouton Éditeur, 1980), eis
que a titulação vergiliana, fazendo obliterar o texto, no sentido de Ricardou,
esclarece, promove e cataforiza. Vejamos como, não a partir da novel 2ª edição,
que também possuo, mas a partir da 1ª que é hoje objeto de bibliófilos: Amélia
tinha «a sensação de que um caminho novo se lhe desdobrava dia a dia, como um
tapete rolado» (p. 40) e pensava que Rui, seu par amoroso, não sabia o que era
«um caminho encontrado» (p. 42), ela que tão bem sabia que cada «um tem no
mundo um caminho só. E só esse caminho tem estrelas e lua e cores…» (p. 73); à
frente, porém, Amélia concluiria: «Negros caminhos os da vida!» (p. 125). De «caminho
outro» (p. 127), Amélia caminhava no desconhecido, «perante a distância do
futuro» (p. 273).
É, no entanto, na parte derradeira «Um dia…» que a problemática
titular mais se esclarece. Lembremos, por exemplo, a belíssima página inicial,
de matiz neorrealista, onde um pedregulho «resistia aos caminhos fáceis» (p.
291) para, à frente, um arco-íris espetral ir «abarcando as árvores e o
caminho» (p. 294), anunciando certamente o «Caminho perdido» (p. 308) de
Rodrigues. No dilema, sobrevêm a interrogação («¿Mas porque custa tanto a
encontrar o caminho?», p. 313) e a conclusão («Caminhos ásperos, difíceis, os
deste mundo.» (p. 313), dois momentos indutores da resiliência de Rui, que,
quando se descobriu, «reconheceu que só a própria razão lhe podia iluminar os
caminhos apontados» (p. 316). E, assim, se resolve o enigma do título como
sinal comunicativo que se cumpre e fecha em coerência: «Rui não se desviará
daquele caminho reto que a sua razão traçou. Nem que estoire!» (p. 316)
Iluminante, o título O caminho
fica longe fecha-se de sentido, não acham?
Viseu, 21 de janeiro de 2016
Martim de Gouveia e Sousa
1 comentário:
Uma miríade de caminhos... haja vontade de os percorrer.
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