Biografia e tragédia em Vergílio Ferreira: O caminho fica longe.
É
sabido que Vergílio Ferreira viveu uma tragédia amorosa com a morte de uma
colega de Faculdade que profundamente estimava. Nada criando que não fosse
vida, não espanta que tal motivo inunde a diegese de O caminho fica longe como transmigração produtiva. Trata-se da
personagem Luísa, que era branca. «Tinha mãos longas. Faces menineiras onde o
riso cavava duas covinhas.» (p. 103)
Quase
ao divino, esta Luísa parece ter colhido influência da mulher do dolce stil nuovo e do petrarquismo, até
porque «quási sempre o seu riso tinha a transparência do bem. Era pequena.
Olhos azuis, de um azul ténue e doce, e cabelos amarelos tombando-lhe em
desalinho sobre os ombros.» (ibid.)
Em altar, afastada da vulgaridade, esta quintanista de Letras era diferentes de
«todas as raparigas. E boa. Porque ela tinha um riso transparente onde a inveja
se quebrava.» (ibid.)
A
vida ia correndo em direção à tragédia. De súbito, há nela «qualquer
perturbação esquisita. A cabeça! Talvez a cabeça. Ou não… o peito. A pontada.
Revolvem-se-lhe todas as entranhas. asfixia. Pesos. Uma corda atando-lhe o
pescoço. Fúrias no cérebro. Ligeira tosse. Um gorgolejo. A inexistência… […] O
soalho tingira-se de um vermelho vivo.» (p. 226) A morte chegou e também um
momento alto do romance, que Vergílio Ferreira reaproveitará muitos anos
depois, de Rui, já no cortejo fúnebre, isolando liricamente a situação como se
de um casamento se tratasse: «Luísa noiva, de braço dado agora. Braço fino.
Cinturinha débil. […] Toda aquela gente que ali vinha formava, afinal, o
cortejo de convidados para o festim. […] ela muito meiga, muito carinhosa, de
um trato muito macio. […] Luísa, a virgem, […] ia ser dele. […] Luísa ali ao
lado dele, já sua, de véu de noiva.» (p. 243) Infelizmente, Luísa ia no caixão.
Vergílio
Ferreira dentro da vida, na morte, ensinando, ensinando sempre a nossa condição…
Viseu, 29 de janeiro de 2016
Martim de Gouveia e Sousa
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