CINEFILIA, RISCO
& ESTRATÉGIA EM O CAMINHO FICA LONGE,
DE VERGÍLIO FERREIRA
Sabendo-se
do vezo cinéfilo da geração presencista, talvez por isso, e também pela
ambiência coimbrã, tem desde há muito Vergílio Ferreira sido associado,
precisamente por esta obra, à ficção do 2º Modernismo e da linhagem da presença. Trata-se de uma conclusão
possível mas não única. Talvez o melhor termo para tal encontro seja o de
cinefilia, pensando-se, por exemplo, que tanto José Régio como Vergílio
Ferreira manifestaram nos respetivos escritos um amor à causa do cinema
invulgar e indesmentível. Régio foi até abundante em textos apreciativos sobre
cinema correndo por diversos órgãos de comunicação social. Vergílio, por seu
turno, inunda os seus diários de atos judicativos a propósito de filmes e
documentários. Tal sutura não me parece suficiente, no entanto, para defendermos
que esta narrativa é presencista, com risco de sermos obrigados a dizer que o
mesmo motivo em obras de Régio e outros compagnons
é deriva vergiliana.
Como
a maior parte dos filmes em sala de cinema, este O caminho fica longe contém na estrutura paratextual um
«Intervalo». Só que, no caso, situado estrategicamente entre as «Primeira
parte» e «Segunda Parte» e os momentos da «Terceira Parte» e «Um dia…». Acontece assim tal momento de pausa: «As luzes
acenderam-se e o filme parou.» (p. 183) E assim o nosso autor, ficcionista
nascente, assume o risco de projetar todo o anterior trabalho de 180 páginas
para uma ilusão outra que é a narrativa fílmica. Mas não só: no ínterim, e
antes do recomeço do «filme», há ainda a indelével farpa sobre os inócuos
críticos («E eu, que já conheço bem tudo o que vai seguir-se, adivinho
perfeitamente a crítica do meu amigo ao resto da fita e uma vez mais me
entristeço. ¿ Para que vim eu ao cinema?», p. 187.)
Cinefilia,
risco e estratégia, eis a tríade de um escritor nascente. Quantos, quantos
assim?
Viseu, 30 de janeiro de 2016
Martim de Gouveia e Sousa