2012-12-22
"O Natal em Londres" de Almeida Garrett
XXXV
O Natal em Londres
Anathema sit.
Conc. Trid.
Que Natal este! - sempre sois herejes,
Meus amigos Ingleses.
Bem haja o Santo Padre, e as suas bulas
De fulminante anátema,
Que excomungou estes ilhéus descridos:
Oh! nunca a mão lhe doa
- Ver na minha católica Lisboa
As festas de tal noite!
Sinos a repicar, moças aos bandos
Com a bem trajada capa,
E o alvo teso lenço em coca airosa,
Donde um par de olhos negros
Dão as boas festas ao vivaz desejo
Do tafulo devoto
Que embuçado acudiu no seu capote
À pactuada igreja!
Natal da minha terra, que lembranças
Saudosas e devotas
Tenho de tuas festas tão gulosas
E de teus dias santos
Tão folgados e alegres! Como vinhas
Nos frios de dezembro
De regalados fartes coroado
Aquecer corpo e alma
Com o vinho quente, com os mexidos ovos,
E farta comezana!
E estes excomungados protestantes,
(Olhem que bruta gente)
Sempre casmurros, sempre enregelados
Bebendo no seu ale,
E tasquinhando na carnal montanha
Do beef cru e insípido!
Pois os Christmas-pyes, gabado esmero
De sarmatas manjares!...
Olhem estas pequenas: são bonitas;
Mas que importa que o sejam
Se das Graças donosas praguejadas,
Rústicas e selvagens,
Nem dança airosa, nem alegre jogo
De divertidas prendas
Arranjar sabem, e passar o tempo
Em honesto folguedo.
Jogar um Whist morno e taciturno,
Sentar-se em mona roda
Junto ao fogão, fazer um detestável
Chá preto e fedorento,
Sem ar, sem graça... - Oh madre natureza,
Quanto mal empregaste
A formosura, o mimo, as lindas cores
Que a tais estátuas deste!
Londres - dezembro de 1823
[Lírica de João Mínimo]
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