2014-02-23

LIMIARES DA ESCRITA - O escritor António de Albuquerque, o demolidor da Monarquia, também foi poeta



LIMIARES DA ESCRITA
O escritor António de Albuquerque, o demolidor da Monarquia, também foi poeta


Sempre que passo junto ao velho solar do Arco, e quotidianamente o faço, é de António de Albuquerque que me lembro. Afinal, foi aí que nasceu o escritor que Teófilo Braga viu como o principal demolidor da monarquia portuguesa, ele que nascera nobre de solar. Autor de um romance polémico intitulado O Marquez da Bacalhôa (sic, em 1908), que Rocha Martins admite poder ter sido despiorado por Aquilino Ribeiro, Albuquerque atingiu, através do escândalo, o êxito desejado – o escrito, falsamente publicado em Bruxelas, insinuava uma vida de devassidão de D. Carlos e aludia até a uns amores sáficos da Rainha Dona Amélia, o que era motivo suficiente para que a sociedade lisboeta procurasse avidamente a publicação cujo título terá sido proposto por Gualdino Gomes.
D. António de Albuquerque do Alardo de Amaral Cardoso e Barba de Meneses e Lencastre ou D. António de Albuquerque do Amaral Cardoso de Vilhegas e Guzman Barba Alardo de Lencastre e Barros de Menezes Pina e Lemos, fidalguíssimo, nasceu em Viseu, na casa do Arco, em 11 de Março de 1866. Os primeiros tempos da sua vida passou-os Miquéque (assim era conhecido na cidade) naturalmente, esgotando-se-lhe a juventude em viagens. Absorveu, nessa fase, uma educação e uma instrução tipicamente parisienses. Tendo vivido em Paris, não espanta que tenha sido penetrado pela influência da literatura francesa e do republicanismo. Em Portugal, a sua maneira mundana e convivial era censurada e incompreendida. Sedento de brilho, que o seu valor parecia merecer, deixou-se instigar pela moda republicana e pelo estrépito do papel principal. Por trás manobrariam, sem que António de Albuquerque muito bem entendesse, aqueles que o queriam assim, eco de ideias não amadurecidas. Parecia gostar de ser adulado e o seu reconhecido talento era explorado por muitos, que o alcunhavam de Lêndea – a tez, o cabelo cor de limão e o apegamento às mulheres assim o haviam fomentado.
Poeta, romancista, tradutor, prefaciador e ensaísta histórico, António de Albuquerque iniciou a sua carreira literária com Arco-Íris (1899), coletânea de poesias que o escritor fez publicar na Imprensa de Libânio da Silva, em cujos prelos, alguns anos volvidos, seria impressa alguma da obra da poetisa Judith Teixeira, um outro nome também nascido em Viseu.
As primícias poéticas de António de Albuquerque não são anunciadoras de um grande nome, anunciam, no entanto, um espírito audaz que a história haveria de conhecer. Referindo-se liricamente ao arco-íris, nome que é título e início da antologia, o sujeito poético larga a seguinte apreensão:
Eu quero decompor a tua luz audaz,
Penetrar em ti como num templo,
Desmontar uma a uma as tuas cores,
Impregnar-me delas:
E em versos – aguarelas
Com pincéis de pétalas de flores,
Cantar tuas formas, teus cambiantes,
Filhos d’ estranha luz, d’ estrelas e diamantes.

Neste caminho nascente estava o anúncio e a raiz de uma coragem indisputável e nem sempre desinfluenciada. Na biografia do escritor inscrevem-se-lhe as suas culpas e as alheias, que o homem, esse, tudo sofreou.  [Correio Beirão, nº 5] 




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