LIMIARES DA ESCRITA
O escritor António de
Albuquerque, o demolidor da Monarquia, também foi poeta
Sempre que passo junto ao velho solar do Arco, e
quotidianamente o faço, é de António de Albuquerque que me lembro. Afinal, foi
aí que nasceu o escritor que Teófilo Braga viu como o principal demolidor da
monarquia portuguesa, ele que nascera nobre de solar. Autor de um romance
polémico intitulado O Marquez da Bacalhôa
(sic, em 1908), que Rocha Martins
admite poder ter sido despiorado por Aquilino Ribeiro, Albuquerque atingiu,
através do escândalo, o êxito desejado – o escrito, falsamente publicado em
Bruxelas, insinuava uma vida de devassidão de D. Carlos e aludia até a uns
amores sáficos da Rainha Dona Amélia, o que era motivo suficiente para que a
sociedade lisboeta procurasse avidamente a publicação cujo título terá sido
proposto por Gualdino Gomes.
D. António de Albuquerque
do Alardo de Amaral Cardoso e Barba de Meneses e Lencastre ou D. António de
Albuquerque do Amaral Cardoso de Vilhegas e Guzman Barba Alardo de Lencastre e
Barros de Menezes Pina e Lemos, fidalguíssimo, nasceu em Viseu, na casa do
Arco, em 11 de Março de 1866. Os primeiros tempos da sua vida passou-os
Miquéque (assim era conhecido na cidade) naturalmente, esgotando-se-lhe a
juventude em viagens. Absorveu, nessa fase, uma educação e uma instrução tipicamente
parisienses. Tendo vivido em Paris, não espanta que tenha sido penetrado pela
influência da literatura francesa e do republicanismo. Em Portugal, a sua
maneira mundana e convivial era censurada e incompreendida. Sedento de brilho,
que o seu valor parecia merecer, deixou-se instigar pela moda republicana e
pelo estrépito do papel principal. Por trás manobrariam, sem que António de
Albuquerque muito bem entendesse, aqueles que o queriam assim, eco de ideias
não amadurecidas. Parecia gostar de ser adulado e o seu reconhecido talento era
explorado por muitos, que o alcunhavam de Lêndea – a tez, o cabelo cor de limão
e o apegamento às mulheres assim o haviam fomentado.
Poeta, romancista,
tradutor, prefaciador e ensaísta histórico, António de Albuquerque iniciou a
sua carreira literária com Arco-Íris (1899),
coletânea de poesias que o escritor fez publicar na Imprensa de Libânio da
Silva, em cujos prelos, alguns anos volvidos, seria impressa alguma da obra da
poetisa Judith Teixeira, um outro nome também nascido em Viseu.
As primícias poéticas de
António de Albuquerque não são anunciadoras de um grande nome, anunciam, no
entanto, um espírito audaz que a história haveria de conhecer. Referindo-se
liricamente ao arco-íris, nome que é título e início da antologia, o sujeito
poético larga a seguinte apreensão:
Eu quero decompor a tua luz audaz,
Penetrar em ti como num templo,
Desmontar uma a uma as tuas cores,
Impregnar-me delas:
E em versos – aguarelas
Com pincéis de pétalas de flores,
Cantar tuas formas, teus cambiantes,
Filhos d’ estranha luz, d’ estrelas e diamantes.
Neste caminho nascente
estava o anúncio e a raiz de uma coragem indisputável e nem sempre desinfluenciada.
Na biografia do escritor inscrevem-se-lhe as suas culpas e as alheias, que o
homem, esse, tudo sofreou. [Correio Beirão, nº 5]