2008-01-21

"O ANEDOTÁRIO DE RUAS", por Carlos Vieira e Castro

baroesdaseviseu.blogspot.com
O terramoto, com epicentro nos EUA, que está a abalar as bolsas mundiais é um sintoma de que o mundo está à beira da recessão. Tal crise económica global, porém, preocupa tanto o comum dos portugueses como a notícia de que a nuvem Smith, carregada com hidrogénio capaz de produzir um milhão de sóis, deverá colidir com a nossa galáxia dentro de vinte a quarenta milhões de anos. O que é isso comparado com o aumento dos preços dos bens essenciais, bem acima da inflação prevista pelo Governo? E, no entanto, ao contrário dos acidentes cósmicos, que não descriminam classes sociais, as crises económicas sobram sempre para os mais pobres. Enquanto os dois milhões de portugueses na mais pura pobreza se apertarem mais o cinto de segurança ficam com as costelas expostas, os ricos têm um “air-bag” económico cada vez mais seguro. Um funcionário da Sonae, da Jerónimo Martins, do BCP, da Brisa e da PT precisa de trabalhar mais de quatro anos para ganhar tanto como um administrador de cada uma destas empresas ganha num mês. Ou seja, os gestores das grandes empresas portuguesas ganham 32 vezes mais do que os seus funcionários. Em Espanha a diferença reduz-se para metade (15 vezes mais), e na Alemanha (o país mais rico da União!) só ganham dez vezes mais.
O Presidente da República alertou para o escândalo destas disparidades, mas a verdade é que o PSD sempre se opôs à divulgação pública dos altos vencimentos da administração pública e privada (proposta pelo BE). Porém, tal foi suficiente para que Cavaco fosse acusado de populismo e demagogia por gente do seu próprio partido. E, quando a revista Visão questionou se o PR não estaria a sugerir o aumento da carga fiscal para as grandes fortunas (outra proposta do Bloco), o “democrata-cristão” Bagão Félix e o “social-democrata” Ângelo Correia responderam: “jamais !”, porque isso provocaria uma “fuga de cérebros para o estrangeiro”. Para onde, se em todo o lado ganhariam menos e pagariam mais impostos? E para que é que Portugal precisa dos cérebros que o transformaram no país com maiores desigualdades sociais da Europa? O vice- presidente do PSD dá a estocada final: “Além disso, alguém tem de poupar, em Portugal. O País precisa de poupança”. Pois claro: já que os pobres não sabem poupar, poupemos os ricos de impostos para pouparem, sacrificadamente, por todos. Por isso é que o secretário de Estado da Segurança Social queria pagar a actualização das pensões de Dezembro em 14 prestações mensais de 68 cêntimos, porque se os pensionistas recebessem tudo junto (uma média de 9,6 euros de retroactivos) poderiam gastá-lo mal.
PS e PSD, o “bloco central de interesses”, irmanam-se para correr com os pequenos partidos das autarquias e do parlamento. Descaradamente, partilham lugares nos bancos públicos e privados. Fazem vista grossa às falcatruas dos gestores da banca. Filipe Menezes leva a sem vergonha ao ponto de propor uma redistribuição dos comentadores dos dois partidos na comunicação social. Então isto não está a ficar cada vez mais parecido com um partido único com duas cabeças?
No meio de tanta nojeira, resta-nos divertir-nos com as “boutades” de Fernando Ruas. Parece que o Ministério Público (MP) não tem sentido de humor e quer levar o presidente da Câmara de Viseu a julgamento por ter instigado os presidentes de junta presentes na Assembleia Municipal a “correrem à pedrada” com os fiscais do Ministério do Ambiente. Na semana passada, o Tribunal de Viseu confirmou o despacho de acusação considerando haver matéria crime, que pode ser punível com pena de prisão até três anos (provavelmente, a haver condenação, será convertida em multa). Ruas recusou-se a pedir desculpa publicamente aos visados e a pagar uma verba à Quercus (condições para o arquivamento, propostas pelo MP) e insistiu que tinha falado em sentido figurado A juíza não confundiu “figura de estilo” com “figura de estalo” já que Ruas tinha repetido o conselho: “Eu estou a medir muito bem aquilo que digo. Arranjem lá um grupo e corram-nos à pedrada, a sério!”
Já antes desta cena, a revista Visão lhe tinha chamado “Saddam das Beiras”, mas convenhamos que nem as semelhanças físicas justificavam tamanho insulto. A gente até já começava a habituar-se e a divertir-se com as aguilhadas do presidente. É assim como ver o Alberto João Jardim a chamar “filhos da puta” aos jornalistas do continente. Lembram-se de Fernando Ruas ter chamado “pavaio, um misto de pavão com papagaio” a José Junqueiro (que, mantendo o nível, replicou com “camurso – um misto de camelo com urso)? Ou então quando desafiou os arqueólogos a dizerem qual das duas muralhas, a da Rua Formosa ou a de Santa Cristina (uma com pedras bem aparelhadas e a outra quase desfeita) era verdadeira? Longe vai o tempo em que chamava “elefante branco” ao Teatro Viriato e dizia que Viseu não tinha falta de espaços culturais, bastava ir às aldeias, garantindo que preferia fazer pavilhões desportivos porque ali se podia fazer teatro e num teatro não se pode jogar basquetebol. A propósito das agressões homofóbicas em Viseu, o presidente da Câmara justificou assim a sua passividade inicial: “Não tenho nada a ver com os homossexuais, assim como não tenho a ver com os ciganos ou com as prostitutas”. Bingo!
A última de Ruas foi quando, apanhado em excesso de velocidade na Av. Da Europa, acusou os jornalistas de estarem armados em polícias, acrescentando que, se quisesse, podia ter mentido desculpando-se com uma chamada urgente da polícia municipal. Os adversários políticos na Câmara e na Assembleia Municipal de Viseu também já se habituaram ao estilo contundente e grosseiro. Desde os jovens deputados do PS, tratados como se fossem garotos, até à deputada municipal do Bloco de Esquerda a quem chegou a dizer: “Se fosse um homem, respondia-lhe de outra forma!”
Agora, de mau gosto, sem piada nenhuma, foi a resposta de Fernando Ruas, na última Assembleia Municipal, às críticas de Fernando Figueiredo (FF) à gestão municipal do centro histórico, acusando-o de nem sequer saber gerir os seus próprios negócios. É sabido que FF e os seus sócios fizeram da Livraria da Praça um singular espaço de cultura e de animação cívica da cidade, apenas soçobrando devido à política de Ruas de cercar a cidade com grandes superfícies (a que a abertura da FNAC no Palácio de Gelo não é alheia) e à sua subjugação aos interesses da especulação imobiliária que levou não só à desertificação do arruinado centro histórico, como à “expulsão” de muitos habitantes das principais ruas do centro, nomeadamente porque não soube salvaguardar o estacionamento para os moradores. E ainda por cima insulta os munícipes que se esforçam por dar vida ao centro histórico e à cidade?
Já não é com “barraquinhas” de Natal que se salva o pequeno comércio e o centro da cidade. Duas décadas de gestão anedótica desiludem mais do que a “queda de neve” no Rossio. Os viseenses começam a ficar fartos de tanta arrogância e incompetência. Agradecemos à CMV, aos governos e aos fundos comunitários o parque linear do Pavia (que já se vislumbra a única obra decente do ViseuPolis), mas, por favor, senhor presidente, não estrague mais a cidade. Já nem consegue fazer-nos rir...

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