2008-01-26

"Afinal, o Papa discursou", por Jorge Almeida Fernandes ("Público", 20 de Janeiro de 2008)


O caso pode ser tratado como "cretinice" ou como manifestação do "espíritodo tempo". Os editoriais da imprensa italiana de quarta-feira, de esquerda ou direita, trucidavam os 67 professores que pediram o cancelamento do convite a Bento XVI para falar na inauguração do ano lectivo da UniversidadeLa Sapienza, de Roma. "Uma ideia doentia" (La Repubblica), "Venceu a intolerância" (Il Sole 24 Ore), "Derrota dos laicos" (La Stampa), "Derrotado país" (Corriere della Sera) ou "Em Roma o Papa não pode falar, na Turquia sim" (Il Giornale). O filósofo Massimo Cacciari, presidente de Veneza, declarou que os 67 podem ser "óptimos professores de Física (...) e outras ciências excelentes. Mas deram prova de absoluta cretinice política." Acrescenta: "A presença do Papa no interior da Universidade é oportuníssima." Quando, na terça-feira, Bento XVI cancelou a sua participação na cerimónia um professor exultou: "Vitória da autonomia" académica. Um estudante proclamou: "O papa retira-se com as suas divisões". No dia seguinte, perante a reacção da imprensa e de quase todos os quadrantes políticos, queixaram-se de "linchamento mediático".

O mundo político tem alguma responsabilidade. Afogados no lixo de Nápoles, na iminência de uma crise política e na véspera de uma decisão sobre a alteração da lei eleitoral, governo e oposição deixaram correr o marfim. Só depois de o Papa cancelar a ida à universidade, abrindo uma crise maior, é que o Governo Prodi acordou.

A génese do "incidente" merece ser resumida. Quem tomou a iniciativa foi um professor jubilado de La Sapienza, Marcello Cini, 84 anos, físico, ex-comunista dissidente, veterano do anticlericalismo. Os 67 professores (entre mais de 2000) são quase todos do seu antigo departamento. O protesto estudantil circunscreve-se a 300 militantes "antiglobalização" ou anarquistas (La Repubblica). A carta dos 67 evoca um discurso do cardeal Ratzinger, em 1990, em que este- citando o filósofo da ciência Paul Feyerabend - teria tentado legitimar acondenação de Galileu. É uma falsificação do que ele disse. Ratzinger discutia o "novo clima intelectual", as incertezas da modernidade sobre si mesma e sobre a ciência, de que as contraditórias avaliações de Galileu eram um sintoma.

Os 67 foram, aliás, acusados de não terem sequer lido o discurso. Por exemplo, a citação de Feyerabend é incorrecta - diz-se que foi tirada da Wikipédia. Pouco interessa. Interessante é a carta que Cini enviou ao reitor, publicada em Il Manifesto (14 de Novembro). Convidar o Papa para falar no 705º aniversário da Sapienza é "uma incrível violação da tradicional autonomia da universidade", pois uma lectio magistralis como ele fez em Ratisbona (Setembro de 2006) só deve ser feita em "instituições universitárias religiosas". O convite viola a"repartição de competências entre a Academia e a Igreja". Cini denuncia a "bela coragem" de Bento XVI para apagar os crimes da cristandade. Mas o que verdadeiramente o enfurece é a persistente vontade do"ex-chefe do Santo Ofício" em discutir as relações entre fé e razão. "Mudou de estratégia. Não podendo já usar as fogueiras e as penas corporais [daInquisição], aprendeu com Ulisses. Utilizou a Deusa Razão dos iluministas como Cavalo de Tróia para entrar na cidadela do conhecimento científico e pô-la em ordem."

O que aparentemente o perturba em Ratzinger é ele ser um intelectual. A querela do laicismo pode ser lida em diferentes geografias.A Turquia ilustra um paradoxo. A Constituição está a ser revista. Os supostos "islamitas" do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), deErdogan, querem abolir o ensino religioso nas escolas públicas. Os"laicistas" opõem-se. Aqueles querem suprimir a proibição do uso de lenço islâmico nos espaços públicos. Os outros denunciam isto como atentado à"laicidade". Para já, ninguém ousa tocar na Direcção dos Assuntos Religiosos, que controla o culto em todos os seus aspectos.

Ataturk instituiu, no fim dos anos 1920, um modelo de Estado laico inspirado no francês. O ensino obrigatório da religião (sunismo hanefita) é muito posterior: foi imposto pelos militares "laicistas", após o golpe de 1980. Tratava-se, na altura, de travar a expansão do marxismo... através do islão. O AKP quer reformular a lei da separação, de forma a que o Estado deixe decontrolar a religião e esta tenha livre expressão no espaço público. Este é o centro do debate, que revela não só duas concepções da relação entre Estado e religião mas também uma luta pelo poder, entre a velha elite kemalista e a nova "burguesia piedosa".

Nos "países católicos", designadamente nos latinos, domina uma dinâmica diferente. Há fortes tensões entre os governos, largos sectores da sociedade civil e as conferências episcopais, visíveis na Itália e, sobretudo, em Espanha. As recentes declarações de Sarkozy, atacando um laicismo radical que quer "cortar a França das suas raízes cristãs", anunciam novo foco de crispação. É um puzzle. Por um lado, grande parte dos próprios católicos não se revê na Igreja em matéria de costumes. Por outro, a acelerada secularização da sociedade está a produzir um crescente relativismo moral. Em contrapartida, a religião ou o espiritual ganham terreno com o fim das grandes utopias, como o socialismo ou o progresso (Bruno Etienne). É neste quadro que regressa à cena - inclusive em Portugal - "a religião laicista", o velho anticlericalismo ou a "catolicofobia" de que tem faladoVasco Pulido Valente. É útil voltar atrás, ao debate de 2004 entre Ratzinger, então cardeal, e o filósofo alemão Jürgen Habermas, um "ateu metódico". Para este, o debate coma Igreja é incontornável na questão dos valores. O cristianismo, diz, é o fundamento último da liberdade, dos direitos humanos, da civilização ocidental: "Não dispomos de opções alternativas. Continuamos a alimentarmo-nos desta fonte. Tudo o resto é palavreado pós-moderno." Perante o rolo compressor da globalização, os Estados liberais devem salvaguardar"os seus recursos culturais e morais, dos quais a religião faz parte". Habermas citou o filósofo político E.W. Bockenforde. "A Igreja não deve intervir directamente no domínio do Estado, na legislação ou nos poderes executivo e judicial. Mas é preciso lembrar que, previamente à ética de facto preconizada pelo Estado para os cidadãos, existe um ethos pré-político. O Estado secularizado deve submeter-se às normas que o precedem. (...) A Igreja tem o direito e o dever de se referir às normas fundamentais que decorrem da própria essência do ser humano."

Quase esquecia: afinal, o Papa "falou" em La Sapienza. O seu discurso foi lido por um professor, a encerrar a cerimónia, longamente aplaudido. Dizia que La Sapienza é uma universidade "laica", livre da "autoridade política e eclesiástica".

2008-01-23

Maria Ondina Braga

Ilustração de Virgílio para o primeiro livro de Maria Ondina Braga, O meu sentir. Para saber um pouco mais, carregue aqui.

2008-01-21

"O ANEDOTÁRIO DE RUAS", por Carlos Vieira e Castro

baroesdaseviseu.blogspot.com
O terramoto, com epicentro nos EUA, que está a abalar as bolsas mundiais é um sintoma de que o mundo está à beira da recessão. Tal crise económica global, porém, preocupa tanto o comum dos portugueses como a notícia de que a nuvem Smith, carregada com hidrogénio capaz de produzir um milhão de sóis, deverá colidir com a nossa galáxia dentro de vinte a quarenta milhões de anos. O que é isso comparado com o aumento dos preços dos bens essenciais, bem acima da inflação prevista pelo Governo? E, no entanto, ao contrário dos acidentes cósmicos, que não descriminam classes sociais, as crises económicas sobram sempre para os mais pobres. Enquanto os dois milhões de portugueses na mais pura pobreza se apertarem mais o cinto de segurança ficam com as costelas expostas, os ricos têm um “air-bag” económico cada vez mais seguro. Um funcionário da Sonae, da Jerónimo Martins, do BCP, da Brisa e da PT precisa de trabalhar mais de quatro anos para ganhar tanto como um administrador de cada uma destas empresas ganha num mês. Ou seja, os gestores das grandes empresas portuguesas ganham 32 vezes mais do que os seus funcionários. Em Espanha a diferença reduz-se para metade (15 vezes mais), e na Alemanha (o país mais rico da União!) só ganham dez vezes mais.
O Presidente da República alertou para o escândalo destas disparidades, mas a verdade é que o PSD sempre se opôs à divulgação pública dos altos vencimentos da administração pública e privada (proposta pelo BE). Porém, tal foi suficiente para que Cavaco fosse acusado de populismo e demagogia por gente do seu próprio partido. E, quando a revista Visão questionou se o PR não estaria a sugerir o aumento da carga fiscal para as grandes fortunas (outra proposta do Bloco), o “democrata-cristão” Bagão Félix e o “social-democrata” Ângelo Correia responderam: “jamais !”, porque isso provocaria uma “fuga de cérebros para o estrangeiro”. Para onde, se em todo o lado ganhariam menos e pagariam mais impostos? E para que é que Portugal precisa dos cérebros que o transformaram no país com maiores desigualdades sociais da Europa? O vice- presidente do PSD dá a estocada final: “Além disso, alguém tem de poupar, em Portugal. O País precisa de poupança”. Pois claro: já que os pobres não sabem poupar, poupemos os ricos de impostos para pouparem, sacrificadamente, por todos. Por isso é que o secretário de Estado da Segurança Social queria pagar a actualização das pensões de Dezembro em 14 prestações mensais de 68 cêntimos, porque se os pensionistas recebessem tudo junto (uma média de 9,6 euros de retroactivos) poderiam gastá-lo mal.
PS e PSD, o “bloco central de interesses”, irmanam-se para correr com os pequenos partidos das autarquias e do parlamento. Descaradamente, partilham lugares nos bancos públicos e privados. Fazem vista grossa às falcatruas dos gestores da banca. Filipe Menezes leva a sem vergonha ao ponto de propor uma redistribuição dos comentadores dos dois partidos na comunicação social. Então isto não está a ficar cada vez mais parecido com um partido único com duas cabeças?
No meio de tanta nojeira, resta-nos divertir-nos com as “boutades” de Fernando Ruas. Parece que o Ministério Público (MP) não tem sentido de humor e quer levar o presidente da Câmara de Viseu a julgamento por ter instigado os presidentes de junta presentes na Assembleia Municipal a “correrem à pedrada” com os fiscais do Ministério do Ambiente. Na semana passada, o Tribunal de Viseu confirmou o despacho de acusação considerando haver matéria crime, que pode ser punível com pena de prisão até três anos (provavelmente, a haver condenação, será convertida em multa). Ruas recusou-se a pedir desculpa publicamente aos visados e a pagar uma verba à Quercus (condições para o arquivamento, propostas pelo MP) e insistiu que tinha falado em sentido figurado A juíza não confundiu “figura de estilo” com “figura de estalo” já que Ruas tinha repetido o conselho: “Eu estou a medir muito bem aquilo que digo. Arranjem lá um grupo e corram-nos à pedrada, a sério!”
Já antes desta cena, a revista Visão lhe tinha chamado “Saddam das Beiras”, mas convenhamos que nem as semelhanças físicas justificavam tamanho insulto. A gente até já começava a habituar-se e a divertir-se com as aguilhadas do presidente. É assim como ver o Alberto João Jardim a chamar “filhos da puta” aos jornalistas do continente. Lembram-se de Fernando Ruas ter chamado “pavaio, um misto de pavão com papagaio” a José Junqueiro (que, mantendo o nível, replicou com “camurso – um misto de camelo com urso)? Ou então quando desafiou os arqueólogos a dizerem qual das duas muralhas, a da Rua Formosa ou a de Santa Cristina (uma com pedras bem aparelhadas e a outra quase desfeita) era verdadeira? Longe vai o tempo em que chamava “elefante branco” ao Teatro Viriato e dizia que Viseu não tinha falta de espaços culturais, bastava ir às aldeias, garantindo que preferia fazer pavilhões desportivos porque ali se podia fazer teatro e num teatro não se pode jogar basquetebol. A propósito das agressões homofóbicas em Viseu, o presidente da Câmara justificou assim a sua passividade inicial: “Não tenho nada a ver com os homossexuais, assim como não tenho a ver com os ciganos ou com as prostitutas”. Bingo!
A última de Ruas foi quando, apanhado em excesso de velocidade na Av. Da Europa, acusou os jornalistas de estarem armados em polícias, acrescentando que, se quisesse, podia ter mentido desculpando-se com uma chamada urgente da polícia municipal. Os adversários políticos na Câmara e na Assembleia Municipal de Viseu também já se habituaram ao estilo contundente e grosseiro. Desde os jovens deputados do PS, tratados como se fossem garotos, até à deputada municipal do Bloco de Esquerda a quem chegou a dizer: “Se fosse um homem, respondia-lhe de outra forma!”
Agora, de mau gosto, sem piada nenhuma, foi a resposta de Fernando Ruas, na última Assembleia Municipal, às críticas de Fernando Figueiredo (FF) à gestão municipal do centro histórico, acusando-o de nem sequer saber gerir os seus próprios negócios. É sabido que FF e os seus sócios fizeram da Livraria da Praça um singular espaço de cultura e de animação cívica da cidade, apenas soçobrando devido à política de Ruas de cercar a cidade com grandes superfícies (a que a abertura da FNAC no Palácio de Gelo não é alheia) e à sua subjugação aos interesses da especulação imobiliária que levou não só à desertificação do arruinado centro histórico, como à “expulsão” de muitos habitantes das principais ruas do centro, nomeadamente porque não soube salvaguardar o estacionamento para os moradores. E ainda por cima insulta os munícipes que se esforçam por dar vida ao centro histórico e à cidade?
Já não é com “barraquinhas” de Natal que se salva o pequeno comércio e o centro da cidade. Duas décadas de gestão anedótica desiludem mais do que a “queda de neve” no Rossio. Os viseenses começam a ficar fartos de tanta arrogância e incompetência. Agradecemos à CMV, aos governos e aos fundos comunitários o parque linear do Pavia (que já se vislumbra a única obra decente do ViseuPolis), mas, por favor, senhor presidente, não estrague mais a cidade. Já nem consegue fazer-nos rir...

2008-01-20

"Da Opus Dei à maçonaria: A incrível história do BCP", por Miguel Sousa Tavares


Em países onde o capitalismo, as leis da concorrência e a seriedade do negócio bancário são levados a sério, a inacreditável história do BCP já teria levado a prisões e a um escândalo público de todo o tamanho. Em Portugal, como tudo vai acabar sem responsáveis e sem responsabilidades, convém recordar os principais momentos deste "case study", para que ao menos a falta de vergonha não passe impune.

1 Até ao 25 de Abril, o negócio bancário em Portugal obedecia a regras simples: cada grande família, intimamente ligada ao regime, tinha o seu banco. Os bancos tinham um só dono ou uma só família como dono e sustentavam os demais negócios do respectivo grupo. Com o 25 de Abril e a nacionalização sumária de toda a banca, entrámos num período 'revolucionário' em que "a banca ao serviço do povo" se traduzia, aos olhos do povo, por uns camaradas mal vestidos e mal encarados que nos atendiam aos balcões como se nos estivessem a fazer um grande favor. Jardim Gonçalves veio revolucionar isso, com a criação do BCP e, mais tarde, da Nova Rede, onde as pessoas passaram a ser tratadas como clientes e recebidas por profissionais do ofício. Mas, mais: ele conseguiu criar um banco através de um MBO informal que, na prática, assentava na ideia de valorizar a competência sobre o capital. O BCP reuniu uma série de accionistas fundadores, mas quem de facto mandava eram os administradores - que não tinham capital, mas tinham "know-how". Todos os fundadores aceitaram o contrato proposto pelo "engenheiro" - à excepção de Américo Amorim, que tratou de sair, com grandes lucros, assim que achou que os gestores não respeitavam o estatuto a que se achava com direito (e dinheiro).

2 Com essa imagem, aliás merecida, de profissionalismo e competência, o BCP foi crescendo, crescendo, até se tornar o maior banco privado português, apenas atrás do único banco público, a Caixa Geral de Depósitos. E, de cada vez que crescia, era necessário um aumento de capital. E, em cada aumento de capital, era necessário evitar que algum accionista individual ganhasse tanta dimensão que pudesse passar a interferir na gestão do banco. Para tal, o BCP começou a fazer coisas pouco recomendáveis: aos pequenos depositantes, que lhe tinham confiado as suas poupanças para gestão, o BCP tratava de lhes comprar, sem os consultar, acções do próprio banco nos aumentos de capital, deixando-os depois desamparados perante as perdas em bolsa; aos grandes depositantes e amigos dos gestores, abria-lhes créditos de milhões em "off-shores" para comprarem acções do banco, cobrindo-lhes, em caso de necessidade, os prejuízos do investimento. Desta forma exemplar, o banco financiou o seu crescimento com o pêlo do próprio cão - aliás, com o dinheiro dos depositantes - e subtraiu ao Estado uma fortuna em lucros não declarados para impostos. Ano após ano, também o próprio BCP declarava lucros astronómicos, pelos quais pagava menos de impostos do que os porteiros do banco pagavam de IRS em percentagem. E, enquanto isso, aqueles que lhe tinham confiado as suas pequenas ou médias poupanças viam-nas sistematicamente estagnadas ou até diminuídas e, de seis em seis meses, recebiam uma carta-circular do engenheiro a explicar que os mercados estavam muito mal.

3 Depois, e seguindo a velha profecia marxista, o BCP quis crescer ainda mais e engolir o BPI. Não conseguiu, mas, no processo, o engenheiro trucidou o sucessor que ele próprio havia escolhido, mostrando que a tímida "renovação" anunciada não passava de uma farsa. E descobriu-se ainda uma outra coisa extraordinária e que se diria impossível: que o BCP e o BPI tinham participações cruzadas, ao ponto de hoje o BPI deter 8% do capital do BCP e, como maior accionista individual, ter-se tornado determinante no processo de escolha da nova administração... Do concorrente! Como se fosse a coisa mais natural do mundo, o presidente do BPI dá uma conferência de imprensa a explicar quem deve integrar a nova administração do banco que o quis opar e com o qual é suposto concorrer no mercado, todos os dias...

4 Instalada entretanto a guerra interna, entra em cena o notável comendador Berardo - o homem que mais riqueza acumula e menos produz no país -protegido de Sócrates, que lhe deu um museu do Estado para ele armazenar a sua colecção de arte privada. Mas, verdade se diga, as brasas espalhadas por Berardo tiveram o mérito de revelar segredos ocultos e inconfessáveis daquela casa. E assim ficámos a saber que o filho do engenheiro fora financiado em milhões para um negócio de vão de escada, e perdoado em milhões quando o negócio inevitavelmente foi por água abaixo. E que havia também amigos do engenheiro e da administração, gente que se prestara ao esquema das "off-shores", que igualmente viam os seus créditos malparados serem perdoados e esquecidos por acto de favor pessoal.

5 E foi quando, lá do fundo do sono dos justos onde dormia tranquilo, acorda inesperadamente o governador do Banco de Portugal e resolve dizer que já bastava: aquela gente não podia continuar a dirigir o banco, sob pena de acontecer alguma coisa de mais grave - como, por exemplo, a própria falência, a prazo.

6 Reúnem-se, então, as seguintes personalidades de eleição: o comendador Berardo, o presidente de uma empresa pública com participação no BCP e ele próprio ex-ministro de um governo PSD e da confiança pessoal de Sócrates, mais, ao que consta, alguém em representação do doutor "honoris causa" Stanley Ho - a quem tantos socialistas tanto devem e vice-versa. E, entre todos, congeminam um "take over" sobre a administração do BCP, com o "agréement" do dr. Fernando Ulrich, do BPI. E olhando para o panorama perturbante a que se tinha chegado, a juntar ao súbito despertar do dr. Vítor Constâncio, acharam todos avisado entregar o BCP ao PS. Para que não> restassem dúvidas das suas boas intenções, até concordaram em que a vice-presidência fosse entregue ao sr. Armando Vara (que também usa 'dr.') - esse expoente político e bancário que o país inteiro conhece e respeita.

7 E eis como um banco, que era tão independente que fazia tremer os governos, desagua nos braços cândidos de um partido político - e logo o do Governo. E eis como um banco, que era tão cristão, tão "opus dei", tão boas famílias, acaba na esfera dessa curiosa seita do avental, a que chamam maçonaria.

8 E, revelada a trama em todo o seu esplendor, que faz o líder da oposição? Pede em troca, para o seu partido, a Caixa Geral de Depósitos, o banco público. Pede e vai receber, porque há 'matérias de regime' que mesmo um governo com maioria absoluta no parlamento não se atreve a pôr em causa. Um governo inteligente, em Portugal, sabe que nunca pode abocanhar o bolo todo. Sob pena de os escândalos começarem a rolar na praça pública, não pode haver durante muito tempo um pequeno exército de desempregados da Grande Família do Bloco Central.

Se alguém me tivesse contado esta história, eu não teria acreditado. Mas vemos, ouvimos e lemos. E foi tal e qual.

Discurso do Santo Padre, Bento XVI, preparado para a visita à Universidade "La Sapienza"


Publicamos de seguida o texto da Alocução que o Santo Padre Bento XVI teria pronunciado no decorrer da visita à Universidade “la Sapienza” de Roma, prevista para quinta-feira, 17 de Janeiro e cancelada na terça-feira anterior.


ALOCUÇÃO DO SANTO PADRE


Magnífico Reitor,
Autoridades políticas e civis,
Ilustres docentes e pessoal técnico-administrativo,
Caros jovens estudantes!


É para mim, motivo de profunda alegria encontrar a comunidade da “Sapienza – Universidade de Roma” por ocasião da inauguração do ano académico. Desde há séculos que esta universidade assinala o caminho e a vida da cidade de Roma, fazendo frutificar as melhores energias intelectuais em cada campo do saber. Quer no tempo em que, desde a sua fundação querida pelo Papa Bonifácio VIII, a instituição estava na directa dependência da Autoridade eclesiástica, quer sucessivamente quando o Studium Urbis se desenvolveu como instituição do Estado italiano, a vossa comunidade académica conservou um grande nível científico e cultural, que a coloca entre as mais prestigiosas universidades do mundo.
Desde sempre a Igreja de Roma olha com simpatia este centro universitário, reconhecendo o empenho, tantas vezes árduo e fatigante, da investigação e da formação das novas gerações. Não têm faltado nestes últimos anos momentos significativos de colaboração e de diálogo. Quero recordar, em particular, o Encontro mundial de Reitores por ocasião do Jubileu da Universidade, que viu a vossa comunidade assumir o encargo não só do acolhimento e da organização, mas sobretudo da profética e complexa proposta de elaboração de um “novo humanismo para o terceiro milénio”.
É-me caro, nesta circunstância, exprimir a minha gratidão pelo convite que me foi feito para vir à vossa universidade para dar uma lição. Nesta perspectiva coloquei-me, antes de mais a pergunta: Que coisa pode e deve dizer um Papa numa ocasião como esta?
Na minha lição em Ratisbona falei, sim, como Papa, mas sobretudo falei na veste de professor daquela minha Universidade, procurando ligar o passado e a actualidade. Na universidade “Sapienza”, a antiga universidade de Roma, porém, sou convidado como Bispo de Roma e, por isso, devo falar como tal. De facto, a “Sapienza” era até certa altura, a Universidade do Papa, mas hoje é uma universidade laica com aquela autonomia que, na base do seu próprio conceito fundador, sempre fez parte da natureza da universidade, a qual deve estar ligada exclusivamente à autoridade da verdade. Na sua liberdade da autoridade política e eclesiástica a universidade encontra a sua função particular, mesmo até para a sociedade moderna que tem necessidade de uma instituição do género.
Volto à minha pergunta de partida: Que coisa pode e deve dizer o Papa no encontro com a
universidade da sua cidade? Reflectindo sobre esta pergunta, pareceu-me que ela inclui duas outras, cuja clarificação deve conduzir por si própria à resposta. É preciso de facto, perguntar-se: Qual a natureza e missão do Papado? E ainda: Qual é a natureza e missão da universidade? Não quero nesta sede, ocupar-vos e a mim numa longa discussão sobre a natureza do Papado. Basta um breve aceno. O Papa é, antes de tudo, bispo de Roma e como tal, em virtude da sucessão do Apóstolo Pedro, tem uma responsabilidade episcopal no que respeita a toda a Igreja Católica. A palavra “bispo” – episkopos, que no seu significado imediato remete para “vigilante”, já no Novo Testamento se fundiu conjuntamente com o significado bíblico de Pastor: ele é aquele que, de um ponto de observação sobrelevado, olha para o conjunto, com atenção ao justo caminho à coesão do conjunto. Neste sentido, tal designação do objectivo orienta o olhar antes de tudo para dentro da comunidade crente. O Bispo – o Pastor – é o homem que toma conta desta comunidade; aquele que a conserva unida, mantendo-a no caminho em direcção a Deus, indicada segundo a fé cristã de Jesus – e não apenas indicada: Ele próprio é para nós a via. Mas esta comunidade, a qual o Bispo toma conta – grande ou pequena que seja – vive no mundo; as suas condições, o seu caminho, o seu exemplo, e a sua palavra influenciam inevitavelmente toda a restante comunidade humana no seu conjunto. Quanto maior for, tanto mais as suas boas condições ou a sua eventual degradação se repercutirão sobre o conjunto da humanidade. Vemos hoje com muita clareza como as condições das religiões e como a situação da Igreja – as suas crises e o seu renovamento – agem sobre o conjunto da humanidade. Assim o Papa, como Pastor da sua comunidade, tornou-se cada vez mais uma voz da razão ética da humanidade.
Aqui, porém, emerge repentinamente a objecção, segundo a qual o Papa, de facto, não falaria verdadeiramente com base numa razão ética, mas traria os seus juízos a partir da fé e por isso não poderia pretender uma validação por quantos não partilham desta fé. Deveremos ainda retornar a este argumento, porque se põe aqui a questão absolutamente fundamental. O que é a razão? Como pode uma afirmação – sobretudo uma norma moral – demonstrar-se “razoável”?
Neste ponto quero relevar brevemente que John Rawls, embora negando à doutrina religiosa compreensiva o carácter da razão “pública”, via nela, todavia, uma razão “não pública”, pelo menos uma razão que não poderia, em nome de uma razão secularisticamente endurecida, ser simplesmente desconhecida para aqueles que a sustentam. Ele vê um critério desta razoabilidade para os outros no facto de que doutrinas semelhantes derivam de uma tradição responsável e motivada, e da qual, no decorrer do tempo, se desenvolveram argumentações suficientemente boas de suporte da doutrina relacionada. Nesta afirmação, parece-me importante o reconhecimento que a experiência e a demonstração no decurso de gerações, o fundamento histórico da sapiência humana, são também um sinal da razoabilidade e do seu significado perene. Diante de uma razão a-histórica que procura autoconstruir-se apenas sobre uma racionalidade a-histórica, a sapiência da humanidade como tal – a sapiência das grandes tradições religiosas – é de valorizar como realidade que não se pode impunemente deitar para o cesto de papés da história das ideias.
Retornando à pergunta de partida. O Papa fala como representante de uma comunidade crente, na qual durante séculos da sua existência amadureceu uma determinada sapiência da vida; fala como representante de uma comunidade que tem consigo a custódia de um tesouro de consciência e de experiência ética importante para toda a humanidade: neste sentido fala como representante de uma razão ética.
Mas agora nós devemo-nos perguntar: E que coisa é a universidade? Qual a sua missão? É uma pergunta gigantesca à qual, mais uma vez, posso tentar responder apenas em estilo quase telegráfico com algumas observações. Penso que se possa dizer que a verdadeira, íntima origem da universidade esteja no desejo ardente de consciência que é próprio do homem. Ele quer saber o que é tudo que o rodeia. Quer verdade. Neste sentido pode ver-se a interrogação de Sócrates como o impulso de que nasceu a Universidade ocidental. Penso, por exemplo - para mencionar apenas um texto – na disputa com Eutifrone, que perante Sócrates defende a religião mítica e a sua devoção. A isto, Sócrates contrapõe a pergunta: “Tu crês que entre os deuses, exista realmente uma guerra, vencedores, terríveis inimigos e combates...Devemos, Eutifrone, efectivamente dizer que tudo isto é verdadeiro?” (6 b – c). Nesta pergunta aparentemente pouco devota – que, porém, em Sócrates derivava de uma religiosidade mais profunda e mais pura, da busca do Deus verdadeiramente divino – os cristãos dos primeiros séculos reconheceram-se a si próprios e ao seu caminho. Tinham acolhido a sua fé não de um modo positivista, ou como a via de saída de desejos não apagados; compreenderam como a dissolução da névoa da religião mitológica para dar lugar à descoberta de que Deus é Razão criadora e ao mesmo tempo Razão Amor. Por isto, o interrogar-se da razão sobre um Deus maior, e também sobre a verdadeira natureza e o verdadeiro sentido do ser humano era para eles não uma forma problemática de falta de religiosidade, mas fazia parte da essência do seu modo de serem religiosos. Não tinham necessidade, portanto, de escolher ou acantonar o interrogar-se socrático, mas podiam, melhor, deviam acolher e reconhecer como parte da própria identidade a busca fatigante da razão para atingir a consciência da verdade inteira. Podia, antes devia, assim, no âmbito da fé cristã, no mundo cristão, nascer a universidade.
É necessário dar um passo ulterior. O homem quer conhecer – quer verdade. Verdade é, antes de mais, uma coisa do ver, do compreender, da theoria, como lhe chama a tradição grega. Mas a verdade não é apenas teórica. Agostinho, ao procurar uma correlação entre as Bem-Aventuranças do Sermão da Montanha e os dons do Espírito mencionados em Isaías 11, afirmou uma reciprocidade entre “scientia” e “tristitia”: o simples saber, disse, torna-nos tristes. E, de facto, quem apenas vê e aprende tudo o que acontece no mundo, acaba por se tornar triste.
Mas a verdade significa mais do que saber: a consciência da verdade tem como objectivo a consciência do bem. Este é também o sentido do interrogar-se socrático: Qual é aquele bem que nostorna verdadeiros?
A verdade torna-nos bons e a bondade é verdadeira: é este o optimismo que vive na fé cristã, porque a esta foi dado conhecer a visão do Logos, da Razão criadora que, na encarnação de Deus se revelou junto com o Bem, como a própria Bondade.
Na teologia medieval houve uma disputa aprofundada sobre a relação entre a teoria e a praxis, sobre a justa relação entre conhecer e agir – uma disputa que aqui não devemos desenvolver. De
facto, a universidade medieval com as suas quatro Faculdades apresenta esta correlação. Comecemos com a Faculdade que, segundo a compreensão de agora, era a quarta, a de medicina. Ainda que fosse considerada mais como “arte” do que como ciência, a sua inclusão no cosmo da universitas significava claramente que era colocada no âmbito da racionalidade, que a arte de curar estava sob a condução da razão e era subtraída ao âmbito da magia. Curar é uma tarefa que reclama sempre mais da simples razão, mas precisamente por isto, tem necessidade da conexão entre saber e poder, tem necessidade de pertencer à esfera da ratio.
Inevitavelmente aparece a questão da relação entre a praxis e a teoria, entre a consciência e o agir na Faculdade de jurisprudência. Trata-se de dar justa forma à liberdade humana que é sempre liberdade na comunhão recíproca: o direito é o pressuposto da liberdade, não o seu antagonista. Mas aqui emerge subitamente a pergunta: Como se individualizam os critérios de justiça que tornam possível uma liberdade vivida em comunidade e servem ao ser bom do homem? Nesse ponto impõe-se um salto no presente: é a questão de como pode ser encontrada uma normativa jurídica que constitua um ordenamento da liberdade, da dignidade humana e dos direitos do homem.
É a questão que nos ocupa hoje nos processos democráticos de formação da opinião e que ao mesmo tempo nos angustia como questão para o futuro da humanidade. Jürgen Habermas exprime, na minha opinião, um vasto consenso do pensamento actual, quando diz que a legitimidade de uma carta constitucional, qual pressuposto da legalidade, deriva de duas fontes: da participação política igualitária de todos os cidadãos e da forma razoável pela qual os contrastes políticos se resolvem. Em relação a esta “forma razoável” ele nota que essa não pode ser só uma luta por uma maioria aritmética, mas deve caracterizar-se como um “processo de argumentação sensível à verdade (wahrheitssensibles Argumentationsverfahren). Está bem dito, mas é muito difícil transformar isto numa praxis política. Os representantes daquele “processo de argumentação” público são – sabemo-lo – prevalecentemente os partidos como responsáveis da formação da vontade política. De facto, esses terão inevitavelmente em mira, sobretudo a obtenção de maiorias e quase inevitavelmente os interesses que prometem satisfazer; tais interesses são, muitas vezes, particulares e não servem verdadeiramente ao conjunto. A sensibilidade para a verdade é sempre de novo subjugada pela sensibilidade para os interesses. Eu acho significativo o facto que Habermas fale da sensibilidade pela verdade como elemento necessário no processo de argumentação
política, reinserindo assim o conceito de verdade no debate filosófico e no debate político. Mas agora torna-se inevitável a pergunta de Pilatos: O que é a verdade? E como se reconhece? Se por isto se re-envia à “razão pública”, como faz Rawls, segue-se necessariamente ainda a pergunta: O que é razoável? Como é que uma razão se demonstra como razão verdadeira?
Em qualquer caso, torna-se evidente que, na busca do direito da liberdade, da verdade da justa convivência devem ser auscultadas instâncias diversas com respeito a partidos e grupos de interesse, sem com isto querer minimamente contestar a sua importância.
Voltemos assim à estrutura da universidade medieval. Ao lado da Faculdade de jurisprudência estavam as Faculdades de filosofia e de teologia, a quem era confiada a investigação sobre o ser homem na sua totalidade e com isto a tarefa de ter esta sensibilidade pela verdade. Poder-se-ia dizer, deveras, que este é o sentido permanente e verdadeiro de ambas Faculdades: serem guardiãs da sensibilidade pela verdade, não permitir que o homem seja desviado da busca da verdade. Mas como podem elas corresponder a esta tarefa? Esta é uma pergunta na qual é preciso laborarmos constantemente e que não é nunca colocada e resolvida definitivamente. Assim, neste ponto nem sequer eu posso oferecer propriamente uma resposta, mas antes um convite a permanecer em caminho com esta pergunta – em caminho com os grandes que ao longo de toda a história lutaram e procuraram, com as suas respostas e as suas inquietações pela verdade, que permanece continuamente do lado de lá de cada resposta singular.
Teologia e filosofia formam um peculiar par de gémeos, no qual nenhuma delas pode ser destacada totalmente da outra e, todavia, cada uma deve conservar o seu objectivo próprio e a própria identidade. É mérito histórico de S. Tomás de Aquino – diante da diferente resposta dos Padres por causa do seu contexto histórico – de ter posto em evidência a autonomia da filosofia e com essa o direito e a responsabilidade própria da razão que se interroga com base nas suas forças. Diferenciando-se da filosofia neo-platónica, em que a religião e a filosofia eram inseparavelmente entrelaçadas, os Padre tinham apresentado a fé cristão como a verdadeira filosofia, sublinhando também que esta fé corresponde à exigência da razão em busca da verdade; que a fé é o “sim” à verdade, com respeito às religiões míticas tornadas simples tradições. Mas depois, no momento do nascimento da universidade, no Ocidente já não existiam essas religiões, mas apenas o cristianismo e assim era necessário sublinhar de modo novo a responsabilidade própria da razão, que não vem embebida na fé. Tomás encontrou-se em acção num momento histórico privilegiado: pela primeira vez os escritos filosóficos de Aristóteles eram acessíveis na sua integridade; estavam presentes os filósofos hebraicos e árabes, como apropriações específicas e prossecuções da filosofia grega. Assim, o cristianismo num novo diálogo com a razão dos outros, que vinha encontrando, devia lutar pela própria razoabilidade.
A Faculdade de filosofia, assim chamada “Faculdade dos artistas”, que até àquele momento era apenas propedêutica à teologia, torna-se então uma verdadeira Faculdade, um partner autónomo da teologia e da fé nesta reflexão. Não podemos deter-nos no fascinante confronto que daqui derivou. Direi que a ideia de S. Tomás acerca da relação entre filosofia e teologia poderia ser expressa na fórmula encontrada pelo Concílio de Calcedónia para a cristologia: filosofia e teologia devem reportar-se entre elas “sem confusão e sem separação”. “Sem confusão” quer dizer que cada uma deve conservar a própria identidade. A filosofia deve permanecer verdadeiramente uma procura da razão na própria liberdade na própria responsabilidade; deve ver os seus limites e também a sua grandeza e vastidão. A teologia deve continuar a atingir um tesouro de consciência que ela própria não inventou que sempre a supera e que, não sendo nunca totalmente exaurível mediante a reflexão, precisamente por isso, guia sempre de novo o pensamento. Junto com o “sem confusão” vigora também o “sem separação”: a filosofia não recomeça de cada vez do ponto zero do sujeito pensante de modo isolado, mas está no grande diálogo da sapiência histórica, que ela criticamente e ao mesmo tempo, docilmente acolhe e desenvolve sempre de novo; mas também não deve fechar-se diante ao que a religião e em particular a fé cristã receberam e deram à humanidade como indicação de caminho. Várias coisas ditas por teólogos ao longo da história ou então traduzidas na práticas das autoridades eclesiásticas, foram demonstradas falsas e hoje confundem-nos.
Mas ao mesmo tempo é verdade que a história dos santos, a história do humanismo que cresceu tendo por base a fé cristã demonstra a verdade desta fé no seu núcleo essencial, tornando-a com isso, também, uma instância para a razão pública. É claro que, muito do que dizem a teologia e a fé só pode ser feito no interior da fé e, portanto, não pode apresentar-se como exigência para aqueles perante quem esta fé permanece inacessível. Porém, é verdade que, ao mesmo tempo que a mensagem da fé cristã não é nunca apenas uma “comprehensive religious doctrine” no sentido de Rawls, mas uma força purificadora para a própria razão à qual ajuda a ser mais ela própria. A mensagem cristã, tendo por base a sua origem, deveria ser sempre um encorajamento em direcção à verdade e desse modo, uma força contra a pressão do poder e dos
interesses.
Pois bem, até agora só falei da universidade medieval, procurando todavia deixar transparecer a natureza permanente da universidade e da sua missão. Nos tempos modernos revelaram-se novas dimensões do saber que na universidade são valorizadas sobretudo em dois grandes âmbitos: antes de mais nas ciências naturais, que se desenvolveram com base na conexão da experimentação e da pressuposta racionalidade da matéria; em segundo lugar, nas ciências históricas e humanísticas, em que o homem, perscrutando o espelho da sua história e esclarecendo as dimensões da sua natureza, procura compreender-se melhor a si próprio. Neste desenvolvimento abriu-se à humanidade não só uma medida imensa de saber e de poder; cresceram também a consciência e o reconhecimento dos direitos e da dignidade do homem e quanto a isto só podemos estar gratos. Mas o caminho do homem não pode nunca dizer-se completo e o perigo da queda na desumanidade nunca está simplesmente esconjurado: como o vemos no panorama da história actual! O perigo do mundo ocidental – para falar apenas deste – é hoje que o homem, tendo em consideração a grandeza do seu saber e poder, ceda diante da questão da verdade E isto significa ao mesmo tempo, que a razão, no fim, se dobra diante da pressão dos interesses da atracção da utilidade, constrangida a reconhecê-la como critério último. Dito do ponto de vista da estrutura da universidade: existe o perigo que a filosofia, não se sentindo já capaz de levar a cabo a sua verdadeira tarefa, se degrade em positivismo; que a teologia com a sua mensagem remexida pela razão, fique confinada à esfera privada de um grupo mais ou menos grande. Se porém, a razão – solicitada pela sua presuntiva pureza – se torna surda à grande mensagem que lhe vem da fé cristã e da sua sapiência, seca como uma árvore, cujas raízes não chegam à agua que lhe dá a vida. Perde a coragem da verdade e assim não engrandece, mas torna-se mais pequena. Aplicado à nossa cultura europeia isto significa: se ela quer só auto-construir-se com base no círculo dos próprios argumentos e no que no momento a convence e – preocupada com a sua laicidade – se destaca das raízes das quais vive, então deixa de se tornar mais razoável e mais pura, mas desorganiza-se edespedaça-se.
Com isto retorno ao ponto de partida. O que é que o Papa há de fazer ou dizer na universidade?Seguramente não deve procurar impôr aos outros de modo autoritário a fé, que só pode ser dada em liberdade. Do seu ministério de Pastor na Igreja e com base na natureza intrínseca deste seu ministério pastoral é sua tarefa manter a sensibilidade pela verdade; convidar sempre de novo a razão a pôr-se em busca do verdadeiro, do bem, de Deus e, neste caminho, solicitá-la a distinguir as luzes úteis recebidas como herança ao longo da história da fé cristã e a perceber assim Jesus Cristo como a Luz que ilumina a história e ajuda a encontrar o caminho em direcção ao futuro.


Do Vaticano, 17 de Janeiro de 2008
[agradecimentos a Pedro Aguiar Pinto]

"O papel da sapienza e da honestidade no debate intelectual", por José Manuel Fernandes ("Público", de 17 de Janeiro de 2008)


Quando se fecham a Bento XVI as portas de uma universidade, impedindo-o de falar, é sinal de que alguns praticam tudo o que no passado criticaram à Igreja. E ainda se orgulham disso...
O tempo dá por vezes razão aos que parecem não a ter mais depressa do que os próprios se atreveriam a esperar. Há uma semana, nas páginas do PÚBLICO, Rui Tavares atacava Vasco Pulido Valente por este ter sugerido, na sua expressão, que "a Igreja é capaz de ter de viver novos tempos de clandestinidade". O que era obviamente ridículo. E impensável. Nem uma semana passou sobre esse texto e acabamos de assistir não à "passagem à clandestinidade", mas a algo igualmente impensável: em Roma, na sua prestigiosa Universidade, crismada "La Sapienza" (A Sabedoria), um grupo de professores mobilizou um protesto que conseguiu levar o Papa Bento XVI a declinar o convite para falar na sessão inaugural do ano lectivo. Porquê? Porque consideraram que o convite a um dos grandes intelectuais europeus da actualidade - uma qualidade que só por cegueira se pode negar ao antigo cardeal Ratzinger - era "incongruente" com a laicidade da universidade. Ou seja, um cidadão de Roma e do mundo, um bispo que se distinguir como académico, viu serem-lhe barradas as portas do que devia ser um templo da ciência em nome de um princípio sectário e de um preconceito que levou um grupo de cientistas a deturparem o que tinha dito num passado já longínquo. Na sua arrogância consideraram mesmo o homem que manteve uma polémica aberta e elevada com Habermas como sendo "intelectualmente inconsistente". Ernesto Galli della Loggia, editorialista do Corriere de la Sera, ele mesmo um defensor dos princípios da laicidade, escrevia ontem que o gesto dos professores, poucos mas com responsabilidades, traduzia "uma laicidade oportunista, alimentada por um cientismo patético, arrogante na sua radicalidade cega". Uma laicidade que não hesitou em seguir o mesmo caminho dos islamitas radicais que tresleram o famoso discurso de Ratisbona, deturpando-o e descontextualizando-o, para atacarem Bento XVI. E Giorgio Israel, um professor de História da Matemática que se distanciou dos seus colegas, explicou que estes tinham construído o seu caso a partir de "estilhaços de um discurso" realizado pelo então cardeal Ratzinger em Parma há 18 anos. O processo foi muito semelhante ao de Ratisbona: em vez de notarem que o Papa citava outrem para a seguir marcar as suas distâncias, pegaram nas palavras do autor citado - em Parma o filósofo das ciências Paul K. Feyerabend - para, atribuindo-as a Bento XVI, considerarem que este dava razão à Igreja na sua querela com Galileu. O sentido do discurso de Parma, prosseguia o mesmo Giorgio Israel, era exactamente o contrário da caricatura que esteve na origem do protesto: afirmar que "a fé não cresce a partir do ressentimento e da recusa da modernidade".
Mas que universidade é esta, que cidade é esta, que Europa é esta, que fecha as portas a alguém como Bento XVI, para mais com base numa manipulação? Não é seguramente a que celebra não apenas a tolerância, mas a divergência, a discussão em busca da verdade. E que por isso não aceitou sequer ouvir o que o bispo de Roma lhe tinha para dizer. E que já sabemos o que era, pois o Vaticano já divulgou o discurso.
Como este Papa nos tem habituado, era, é, um grande texto, uma extraordinária aula onde o teólogo e o professor, unidos num só, discorrem sobre o papel da Igreja e o da universidade, que, "na sua liberdade face a qualquer autoridade política e eclesiástica, encontra a sua vocação particular, essencial para a sociedade moderna", a qual necessita de instituições autónomas de interesses ou lealdades particulares, antes dedicadas à "busca da verdade".
Evoluindo entre referências modernas (John Ralls e Habermas) e clássicas (com destaque para o "pouco devoto" Sócrates, que elogia e defende), socorrendo-se de Santo Agostinho e S. Tomas de Aquino, Bento XVI escreveu um texto que, devemos admiti-lo, seria uma afronta para os seus detractores. Por possuir a abertura e a universalidade que são o oposto do seu sectarismo anticlerical. Por defender que "o perigo do mundo ocidental é que o homem, obcecado pela grandeza do seu saber e do seu poder, esqueça o problema da verdade. E isto significa que a razão, no fim do dia, acabará por se vergar às pressões dos interesses e do utilitarismo, perdendo a capacidade de reconhecer a verdade como critério único".
E alcançar a verdade implica questionar - mas não ignorar - as certezas de hoje. E um Papa, na universidade, não vem para "impor a fé de cima, pois esta é antes do mais um dom da liberdade".
No tribunal de "La Sapienza" foi um Papa que quiseram colocar no lugar de Galileu, e foram cientistas que fizeram o papel do acusador de então, o cardeal Roberto Bellarmino, porventura mostrando ainda menos compaixão. Mas nisso, infelizmente, não andam sozinhos. Já repararam como, entre nós, vai por aí um debate sobre Pacheco Pereira e Vasco Pulido Valente terem chamado "fascista" a Sócrates, o que nenhum deles chamou. Como, de resto, nem o próprio António Barreto chamou, pois o seu raciocínio completo é: "Não sei se Sócrates é fascista. Não me parece, mas, sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições."
Como é mais sexy discutir o "fascismo", ilude-se o que o próprio autor considera ser "o importante" - o que é mais depressa chicana política do que debate intelectual, perdoe-se esta franqueza, que só pode ser tomada pelo que é: um desafio a recusar o mau exemplo de "La Sapienza".

A visita do Papa à Universidade de la Sapienza, em Roma, foi cancelada, há dias atrás


A visita do Papa à Universidade de La Sapienza, em Roma, foi cancelada pelo Vaticano devido a protestos de professores e alunos que acusaram Ratzinger de "reaccionário" e "obscurantista". A visita estava marcada para esta quinta-feira mas foi cancelada depois de centenas de estudantes terem ocupado a Reitoria, para exigirem garantias da universidade de que poderiam manifestar-se no dia da visita.
Esta é a primeira vez que o Papa cancela uma visita devido a protestos, desde que iniciou o seu mandato em 2005. A agitação começou quando sessenta e sete mestres da Universidade La Sapienza argumentaram, em texto divulgado, que o Pontífice é "reacionário" e "obscurantista" em assuntos científicos, referindo-se a um discurso de 1990 no qual o então cardeal Joseph Ratzinger citou o filósofo Feyerabend para dizer que "o veredicto contra Galileu foi racional e justo". Os estudantes também se associaram ao protesto, reclamando a laicidade da ciência, recusando preconceitos como a homofobia e acusando o vaticano de "querer invadir todo o espaço político e social". Para amanhã, estava preparada uma manifestação sonora, com música electrónica. Como a a Universidade não garantiu autorização para a manifestação, os estudantes ocuparam a Reitoria, levando o Vaticano a cancelar a visita do Papa.

2008-01-19

"A liberdade vai morrendo", por Vasco Pulido Valente ("Público" de 18 de Janeiro de 2008)


A Mesquita Central de Oxford, muito conspícua, com minarete e cúpula, reclamou agora o direito de fazer apelo à oração, com o ruído que a ortodoxia recomenda. Para quem viveu em Oxford, isto é difícil de engolir. Mas suponho que não haverá grandes problemas. Pouca gente irá protestar contra a "islamização" da cidade e as coisas seguirão em sossego, de acordo com as regras do multiculturalismo. Já em Roma, um grupo de professores não permitiu que o Papa Ratzinger - um académico, um filósofo e um teólogo - fosse à Universidade de Roma, "La Sapienza", em nome da laicidade da investigação e do que ele pensa (se pensa) sobre a condenação de Galileu. Aqui, manifestamente, o multiculturalismo não vale. Vale o velho ódio à Igreja Católica e a intolerância da "correcção política". O direito de cada minoria se afirmar - ou, pelo menos, de certas minorias se afirmarem - acabou em conflito. Não acabou, como se esperava, numa nova espécie de coexistência pacífica. O universalismo da civilização do Ocidente, agora desprezada, está a ser substituído por uma série de particularismos, que não reconhecem o direito à diferença e que se querem impor ou separar. Usando uma antiga estratégia, o islão invoca a liberdade contra a liberdade. Um método que sempre seduziu a "inteligência" europeia, invariavelmente partidária da força e da repressão: a liberdade invocada para autorizar um muezzin em Oxford é a mesma liberdade invocada para não permitir que o Papa fale na Universidade em Roma. A liberdade condena a "islamofobia" em Oxford e aprova a "catolicofobia" em Roma. A intolerância aumenta; governa a religião, a saúde, a ética sexual (só uma é aceitável) e, contra toda a inteligência e toda lógica, começa a ressuscitar o nacionalismo. Na Bélgica, em Espanha, na Itália (embora moderadamente), a exclusividade regional reaparece, com um ódio hesitante mas profundo. A "Europa", afinal, não juntou, separou. Por um lado, em Bruxelas, para as pessoas se entenderem, falam inglês. Por outro, na Catalunha ou no País Basco, há quem se queira afastar ou isolar do mundo mais próximo. A fragmentação cultural do Ocidente não trouxe a ninguém autonomia e poder de escolha. Trouxe, e continua a trazer, fanatismos de vária ordem, que pretendem reger, "regularizar" e limitar o comportamento do cidadão comum. A liberdade vai morrendo.

Renascença ajuda a "Nascer em Timor"


COMUNICADO DE IMPRENSA
17 Janeiro 2008
Campanha de Natal RENASCENÇA AJUDA A"Nascer em Timor"

A Campanha de Natal da Renascença - Nascer em Timor - atingiu o valor de 86.926 Euros. Com o objectivo de angariar fundos para equipar a primeira Maternidade-Escola em Timor-Leste o apelo foi feito na Renascença entre os dias 6 de Dezembro e 6 de Janeiro. A construção de uma Maternidade-Escola partiu de uma ideia do Patriarcado de Lisboa e que tem vindo a tornar-se realidade através da Fundação Mater-Timor. A primeira maternidade daquele território, que se situa em Díli, é já uma realidade. No entanto, para que comece a funcionar o mais cedo possível carece de equipamento. Com o total de donativos dos ouvintes da Renascença vai ser possível comprar um conjunto de equipamentos essenciais para o funcionamento da Maternidade. Este equipamento vai ajudar a nascer muitas crianças, assistir as mães com partos difíceis, num país onde dar à luz em casa é uma prática comum, por falta de opção. Mais de 15 mil quilómetros separam duas realidades muito distintas. Enquanto Portugal tem uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas do mundo, Timor-Leste tem uma das taxas mais altas de mortalidade materna e infantil. Graças à generosidade dos nossos ouvintes, Nascer em Timor vai ser, de facto, uma realidade muito diferente! Obrigado a si que ajudou a equipar a primeira Maternidade-Escola em Timor.
Para mais informações: Maria da Paz Ruivo Faísca Relações Públicas Direcção Marketing e Comunicação Rua Ivens, 14 - 1249-108 Lisboa Tel: 21 323 9451 Tm: 96 323 8642 mail: maria.faisca@rr.pt maria.faisca@rr.pt>

2008-01-18

um ano de luto e de afronta


A hora grande, a hora imensa
Já por um fio está suspensa,
Não tarda muito que ela dê!
Guerra Junqueiro

2008-01-16

TU

dias há assim plácidos
fora das teias do ranger
paliativo dos encaixes
húmidos de seiva aérea
cruzando as dimensões.

há dias que não são dias
e quase são a eternidade.

estes em que tu entras.

2008-01-15

"São Tomás de Aquino", pelo Pe. Duarte da Cunha


Paróquia de Nossa Senhora do Carmo


e Centro Cultural de Lisboa Pedro Hispano



Grandes Santos
____________________________________


Dia 17 de Janeiro, quinta feira, 21.30




São Tomás de Aquino



Pe. Duarte da Cunha




No Salão Paroquial de Nossa Senhora do Carmo


(esquina da Av. Maria Helena Vieira da Silva com a R. Raul Mesnier du Ponsard)


Metro da "Quinta das Conchas"



São Tomás de Aquino viveu com desejo enorme de conhecer e ensinar a verdade. Não mais uma opinião, mas a Verdade revelada, Jesus Cristo. Com capacidades excepcionais para o estudo, mas sobretudo com um coração verdadeiramente apaixonado por Deus, este grande santo tornou-se para a Igreja a referência fundamental no que se refere à tentativa de aprofundar a doutrina e dar razões da fé. Não se limitou a repetir, ele aceitou verdadeiramente o diálogo e, por vezes o combate, com uma cultura que nem sempre era favorável. Uma maneira de estar na vida que ainda hoje entusiasma, porque não é passiva e não é rebelde.

até ao chão

pressentindo estanca o pensamento
e para trás o guindaste estica a pele
desvelando o gelo o arame das veias
ossos afogados no pulsar do sangue
que por ti irrompe desde a pleura
ao abismo dos pés dentro da terra
alagando-se a curvatura das unhas
dos cabelos ao mais baixo chão...

2008-01-13

poema para ruben a.

poema para ruben a.

o mar está espantoso como em brandão ou conrad
e é essa mesma respiração que me toma o corpo
mergulhado nas águas de branquinho e navarro
lembrando que o reverso da alma sempre navega
em busca do mundo de gerbault em garrafa de reno
e do desejo crustáceo do profundo sono cobalto -
assim “pôr silêncio onde palavras não tem lugar”.

2008-01-12

2008-01-11

SÍLVIO LIMA

ao mário joaquim casa nova martins, "personagem" do poema

estilhaçado o tempo inunda a gaveta
aos cantos mais recônditos lambendo
a velhice das madeiras a araucária
plantada ali no centro da infância
e do vórtice desse abismo suspensos
os fungos fendem os dedos o arame
das veias a rebentação no sangue
que projecta a imagem desse dia
em que escrevi um súbito poema
sobre a morte de sílvio lima…

e hoje mexidas as gavetas é ainda
um almoço adiado uma dor rom-
pendo os músculos o tempo que
não cede e a pique todos empurra
para uma mesma terra de mistério.

e havia um poema oblíquo no chão
à pressa lido na nun’álvares e uma
corrida falada para a camionagem
um abraço mais dentro da morte.

e do poema então gerado nem rasto
na funda gaveta só esta memória
viva escorrendo dentro do tempo.

2008-01-08

"Guía del Cine Español" de Carlos Aguilar


Guía del Cine Español

Carlos Aguilar

La presente obra aglutina la totalidad de la producción cinematográfica española dentro del arco cronológico comprendido entre 1897, fecha del primer paso de la industria fílmica nacional en el campo de la ficción, Riña en un café, y los primeros meses de 2007. Cada ficha comprende, en primer lugar, los datos técnico-artístico básicos, y, acto seguido, un comentario orientativo, que por lo común compagina la información objetiva con la valoración subjetiva, con mayor o menor grado de equilibrio según el caso.

Sumario

Agradecimientos

Presentación

Manual de uso

Más de cien años, más de seis mil películas, un cine propio

Bibliografía

Guía del Cine Español?

Índice de Directores

Índice de Guionistas

Índice de Directores de Fotografía

Índice de Músicos

Índice de Intérpretes

Edita

Cátedra. Colección Signo e Imagen

2007

Encuadernación en cartoné

25x17 cm

1.355 páginas

Fotografías en B/N

"Sócrates e a liberdade", por António Barreto, no "Público"


"D. Pedro de Orléans e Bragança (1913-2007): O príncipe ecologista"

Obrigado ao Carlos Monteiro, pelo monarquismo

Programação do "cine clube de viseu"


2008-01-07

O rumor da língua

O RUMOR DA LÍNGUA

1. Ouço-te junto
ao ruído da sílaba
som múrmuro
que escuto
junto à voz pri-
mordial.

2. Vibra de novo
o canto da palavra -
como um fluxo vital
sinto-me vivo
e tomado de
vontade.

3. O jovem hegel
escuta o silêncio
e diz:
nenhuma voz
nenhuma luz
na noite imóvel.

4. A voz sonora
irrompe em
gume
contra o vazio
que seria não nomear-
-te.

5. Nasce a fala
da consciência
junto ao ombro
do silêncio
donde clama
o sentido da
palavra,
grita em
alarme
o centro opaco
do significante.


6. A voz da palavra
é canto
sempre que a tua
presença-ausente
se anuncia
no sopro do vento.

7. É perfeita
a voz envolvente
da aragem pré-babélica...
Jorra,
jorra de novo
sem semiótica
e sem semântica
o sopro livre
da intenção do desejo.

8. De novo orpheu
enleia a linguagem
e me persuade
pelo encanto da palavra...
Cedo outra vez
como um marinheiro
ferido de morte
pelo hálito das sereias.

9. Rola sísifo pesada pedra
e a voz do silêncio
corta a madrugada
e o indizível do encanto
repete-se o sortilégio
e o terrível fardo de não dizer-te.


10. flatus vocis
sobe do espírito
sobre o deserto
do por dizer
nada é dito
nada se pode dizer
só o embaraço
e a azáfama
do coração.

11. Dentro do poema
devoro o amanhecer
e as pálpebras cansadas
das verdes águas
que cavalgam
no azul das veias.

12. A harmonia das esferas
conduz a palavra sensata
pelo labirinto
rumoroso
das torrentes cinéreas...

13. Dentro de mim
existe a voz
e o código
do silêncio
não fales
ouve
é o rumor da língua.

2008-01-06

num mesmo chão

A Sílvio Lima e a Luiz Pacheco, in aeternum
porque a morte e a terra
assim declino as palavras
sem particular momento:
a tristeza cai rasa na vida
e nem a memória ilumina
os rios vazados no chão...

2008-01-05

"Castriana-3"



Castriana -- Estudos sobre Ferreira de Castro e a sua Geração

Sumário do n.º 3:

Arquivo -- Ferreira de Castro: «Pequena história de "Emigrantes"»

José Alonso Tôrres Freire: «Uma voz dissidente em O Instinto Supremo»

Inédito: Carta de Ferreira de Castro a Orlando da Costa

Memória: Orlando da Costa. «Ao correr da pena... -- momentos soltos numa relação fraterna entre gerações: Ferreira de Castro e eu, ou, antes, eu e Ferreira de Castro?

Bernard Emery: «Do mito amazónico à reinvenção do luso-tropicalismo: o caso de José Maria Ferreira de Castro»

Leituras: recensões de Ricardo António Alves, Sérgio Duarte, Silas Granjo e Luís Garcia e Silva

Extratexto de Elena Muriel: Estrada antes do pontão nos Salgueiros, óleo s/tela, 1940


edição do Centro de Estudos Ferreira de Castro, Ossela

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[Conteúdo copiado de ferreiradecastro.blogspot.com]

2008-01-04

Poetria apresenta "Monique" de Luísa Coelho


A POETRIA tem o prazer de lhes endereçar o convite para a apresentação do livro "Monique" de Luisa Coelho, dia 8 de Janeiro de 2008, no Palácio dos Balsemão, na praça Carlos Alberto, Porto, às 21.30h, com a presença da escritora.

Nascida em Angola e de nacionalidade portuguesa, Luísa Coelho é Licenciada em Filologia Germânica, Mestre em Filosofia Política, e Doutorada em Semiótica pela Universidade de Utrecht. Ensinou língua e literatura portuguesas em vários países da Europa, nomeadamente nos Países Baixos, na Áustria, na Universidade de Innsbruck, e em França, na Universidade de
Amiens. Trabalhou durante cinco anos na Universidade de Brasília e, desde 2006, é professora na Universidade Agostinho Neto, Luanda.

É escritora e poeta e tem publicadas várias obras de ficção, entre as quais, "O canto de amor das baleias" (1992), "Cavalgar um raio de luz" (2000) e "Monique" (2004).

***Monique* é a aventura de uma resposta. Uma resposta íntima e tardia a um interlocutor para sempre ausente. É a carta de Monique a *Alexis*, o personagem-título da obra de Marguerite Yourcenar, publicado em 1929. A escritora francesa, nesta sua primeira obra, deixa-nos uma longa carta de adeus, um monólogo epistolar de um homem à sua jovem mulher, com quem esteve casado apenas três anos e que acaba de dar à luz a uma criança, para lhe explicar as razões da sua ruptura. Ele deseja começar uma vida nova, ser pianista, romper com a mentira e abandonar-se ao seu instinto que o atrai para os homens. De um grande pudor e de uma contenção admirável, a leitura desta carta suscita uma resposta. É do desafio da resposta a essa carta que este texto se ocupa.

*Monique *explora não somente uma simples resposta para a carta de Alexis, mas abre a porta para que conheçamos a percepção da mulher sobre o seu papel na sociedade em que vivia, mas também da sua vida pessoal, algo inimaginável para o marido e o restante da sociedade.

Com a leitura da carta-resposta de Monique, descortinam-se os limites finitos do conhecimento que Alexis tinha da esposa com quem viveu por três anos. Luísa Coelho, com essa carta-resposta, ajuda-nos a repensar um clássico da literatura mundial.

Esta apresentação insere-se na linha de qualidade cultural que a POETRIA se tem orgulhado de conferir aos eventos que promove. Porque estamos certos de que se trata de algo A NÃO PERDER, contamos com a sua presença.

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