2017-04-27

Arco de palavras sobre: Carlos de Oliveira com Aquilino Ribeiro


Arco de palavras sobre: Carlos de Oliveira com Aquilino Ribeiro

Aquilino Ribeiro morreu hoje, isto é, nesta data de dois séculos já. E não deixa de ser um fulgurante indício do grande primado de influência que o Mestre da Nave exerce sobre muitos a convocação que Carlos de Oliveira, um escritor que profundamente aprecio e admiro, dele faz, por exemplo, nessa obra maior que é O aprendiz de feiticeiro (1971), título que reúne e remodela muitos dos textos disseminados pelo autor, entre 1945 e 1970, por jornais e revistas.
Abre o interessantíssimo título com o texto “A viagem”. E logo aí se desprende a presença de Aquilino, a propósito do mágico, eufónico e estranhizante verso de Adriano “Animula vagula blandula.” Assumindo o carácter perturbante de tais palavras, não lembra o poeta (Carlos de Oliveira, leia-se) onde terá descoberto tal verso, sabendo sim tê-lo vindo a reencontrar em várias leituras, sempre com um renovado sobressalto. Ouça-se e leia-se o primeiro exemplo:
“Recordo-me por exemplo dele numa página de Aquilino. E agora, localizá-lo na obra enorme? Folheei volumes e volumes: nada. Contudo, está lá. Numa dessas páginas maiores que põem no frémito da vida o toque do que é precário, passageiro e, simultaneamente, consciência disso.”[1]  
Não é pouco o que aqui se diz – haver memória de Aquilino a propósito de tão sugestivo verso, referir a obra do Mestre como “enorme” (de “volumes e volumes”) e dizê-lo detentor de páginas maiores, tudo isto nunca pode ser pouco. Para complementar a informação de Carlos de Oliveira diga-se que o verso de Adriano se encontra, por exemplo, no prefácio de o livro de Marianinha. Lendalengas e toadilhas em prosa rimada (1967):
“Tenho esperança, Marianinha, que, algum dia, já eu longe do mundo, as leias e te façam sorrir. E, no ocaso como estou, consolo-me à ideia de que nesse sorriso perpasse a vibração da animula vagula blandula do que fui, e se vai diluindo e afundindo no golfo do tempo como as estrelinhas que abrem e fecham a pálpebra sonolenta na praia areada duma noite de verão.” [2]
E segue Carlos de Oliveira depós o Mestre quando, ao defender que o livro não é comprado pelos que mais facilmente o poderiam comprar, escreve o seguinte:
“Aquilino Ribeiro diz num livro publicado há pouco, a propósito dos fidalgos no tempo de Camões: ‘Eram ignaros como seus cavalos de raça e disso faziam gala.’” (p. 77)
Di-lo ainda Oliveira um mestre proverbial da prosa (p. 87), um escritor canónico (p. 167), ouum camonianista (p. 192), não deixando, por último, de aludir a um povo “malhadinhas (no sentido aquiliniano do termo)” (p. 232).
Criador de obras “ das que não morrem nunca”[3], como o diz Nelly Novaes Coelho, Aquilino Ribeiro nasce hoje e todos os dias, no ritual que é morte e logo vida, continuando a produzir como se o penetrasse “um ardente e fecundo verão”.  Que vemos, que claramente vemos!

Viseu, 27 de maio de 2017
Martim de Gouveia e Sousa



[1] Carlos de Oliveira, O aprendiz de feiticeiro, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1971, p. 9.
[2] Aquilino Ribeiro, o livro de Marianinha. Lendalengas e toadilhas em prosa rimada, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1967, p. 7. Ilustrações de Maria Keil.
[3] Nelly Novaes Coelho, Escritores portugueses do século XX, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2007, p. 102.

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