2013-01-08

Diálogos com poetas: Gastão Cruz, Fiama, Daniel Faria e Rui Pires Cabral

"Peso do céu que nunca dirá nada
como um golfo de morte um poço
em que não entra o balde que na casa
cortava outrora a escuridão da água".

A melhor poesia escreve-se assim. Gastão Cruz é um enorme poeta e um lucidíssimo crítico de poesia. Estes versos são a nossa crise de um país que já não é. Poço apenas, morremos a partir de dentro. Veem?

*

Às vezes há em mim o desejo de ser Fiama e poder dizer, sem mais:

"Monólogos das coisas silenciosas: 
entre a chave e a porta,
ou o poisar da mão.
Na mesa, a mão agudíssima.
A chave, o silêncio volta-a".

Entre mim e Fiama, há isto: a poesia.

*

Procurar, procurar sempre. Agudeza de sentidos, sensatez na ação. Como ver um lugar sim? Na grande poesia de Daniel Faria, por exemplo:

"Procuro o lento cimo da transformação
Um som intenso. O vento na árvore fechada
A árvore parada que não vem ao meu encontro.
Chamo-a com assobios, convoco os pássaros
E amo a lenta floração dos bandos. 
Procuro o cimo de um voo, um planalto
muito extenso. E amo tanto
A árvore que abre a flor em silêncio".

No silêncio seremos.

*

Deceptivos, os novos tempos apresentam-se vorazes. Acreditar na melhor sensibilidade é preciso. Que refrigério os nossos poetas se comparados com outros atores nas nossas vidas! Lembro, por exemplo, Rui Pires Cabral. Assim:

"A floresta que conduzia à igreja está debaixo
do cimento - não a ouves respirar? Tudo o que cresce
sobre a terra tem a mesma vocação, as casas, o passado,
o corpo em todo o caso: qualquer coisa o segura
desde o princípio. E as praças que estiveram
ao fundo da noite uma vez
é para onde caminhamos a vida inteira".

Fabuloso texto, mostrativo poema de um poeta fundamental...

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