Sobre “As crónicas do inverno” de Carlos
Clara Gomes
Situado entre
dois mundos cinzentos que estranhamente se encaixam, não fora a logo marginada
primavera de abril, o plot textual
(lírico, avassalador, pachequiano e atualíssimo) convoca uma tensão dramática
entre um eu admonitório e um tu sofredor. A breve trecho, como no drama
regiano, há um eu que é um outro e um outro que é um eu. Ninguém fica, de
facto, de fora deste voo rasante sobre a memória, os lugares, os heróis e os
cheiros. Todos dentro do fogo devorador, do tempo que não espera, eis que uma
breve e súbita alegria irrompe do íntimo comum – finalmente, a possibilidade de
sermos.
Com uma sintaxe
insinuante e evocativa, o trabalho de Carlos Clara Gomes, superiormente
coadjuvado instrumentalmente e na voz por André F. Cardoso, conduz-nos a um
alto lugar. Da devastação e do opróbrio reinantes construirá cada um de nós um
texto novo, porque cansados destes invernos que não procriam.
Está de
parabéns a Fnac de Viseu, que permitiu que pudéssemos privar, no dia 8 de
julho, pelas 16 horas, com uma representação tão necessária. Uma saudação
especial à Companhia DeMente por este segundo incêndio na cidade de Viseu.
Como diria Günter
Grass, e parafraseando um tanto um trecho inicial do seu Der Butt [O Linguado], cada
eu é um eu “em todos os tempos”. Tal pregnância generalizante faz deste espetáculo
uma obrigação, que chegará em breve, na terceira estação…
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