Há mulheres assim. Certas do seu destino de escritoras - e pense-se como a palavra escritor vai gasta na nossa praça de vaidades -, rompem pela vida com a força silenciosa dos cometas. Não olham para trás, não se recobrem flebilmente na influência materna, são elas, sem alarido, oficinas de palavras e vulcões da pele.
Ana de Castro Osório é uma escritora distinta. Nascida em Mangualde no dia 18 de Junho de 1872, desde cedo se divisam precoces aptidões literárias e multiformes ensaios para o futuro. Filha do juiz João Baptista de Castro e de O. Mariana Osório de Castro Cabral de Albuquerque Morais, facilmente encontrou a ambiência cultural e intelectual própria dos predestinados e propiciadora da ars scribendi, não sendo despicienda para a anterior circunstância toda a carga genética dos ascendentes cultos inscritos na árvore genealógica da escritora mangualdense. Aliás, tal pregnância cultural espelha-se na linhagem literária que principalmente a partir de si se afirma: irmã do poeta Alberto Osório de Castro ( 1868-1946), Ana de Castro Osório casou em 1898 com o poeta Paulino de Oliveira ( 1864-1914), tendo sido seus filhos os escritores João de Castro Osório (1899-1970) e José Osório de Oliveira ( 1900-1964) - que casou com a escritora Raquel Bastos ( 1903-1984) - e seus netos o dramaturgo João Osório de Castro (n. 1926) e o poeta António Osório (n.1933) – este, seu sobrinho-neto.
Iniciando por Setúbal a sua carreira de escrita em colaborações dispersas por periódicos, pelo menos desde 1895, publicou Ana de Castro Osório, a partir de 1897 e até 1935, uma obra em fascículos numerados, com o intencional título Para as crianças, o que lhe valeu a honra de ter sido e ser considerada por muitos como a verdadeira matriz da literatura infantil em Portugal. A actualidade do projecto da escritora é evidente e nele divisamos amplamente os postulados funcionais que Teresa Colomer ( 1999), Professora da Universidade Autónoma de Barcelona, condensou na tríade acesso ao imaginário colectivo, aprendizagem de modelos narrativos e poéticos e socialização cultural. Tal preocupação teve-a há muito a nossa escritora, sendo certo que o monumento literário criado, trabalho de cerca de quatro décadas, conglomera harmoniosamente contos de tradição popular, recriação de contos de Andersen e Grimm, originais osorianos, adivinhas e outras modalidades que encantaram as nossas crianças em época de secura e de escassa atenção aos interesses dos mais novos.
Para as crianças é um trabalho muito importante no âmbito da literatura para a infância e constitui, no dizer de A. J. Ferreira, "um caso-limite entre o livro e o jornal ". Muito tempo antes, o poeta Carlos de Lemos, numa das páginas da sua revista simbolista Ave-Azul (1ª Série, 1899), escreve que tal produção osoriana "é a revista das creanças" e "é uma publicação que todos os paes devem assignar para seus filhos". E será ainda em Ave-Azul e nesse mesmo ano que Beatriz Pinheiro (directora. com Carlos de Lemos, seu marido, da ilustre revista viseense) virá a fixar com palavras certeiras o lugar que Ana de Castro Osório deve ocupar no panorama literário português, bem como o assento que lhe deve ser reservado na dita literatura para a infância e a juventude. Depois de salientar a sua alta inteligência tornada acessível às rudimentares inteligências das crianças, através de uma simplicidade estilística que não perde o encanto e a subtileza, Beatriz Pinheiro destaca a superioridade da argúcia de Ana de Castro Osório que "tão bem soube comprehender essa necessidade de praser intellectual que se faz sentir na creança como no homem."
Colaborará ainda a escritora mangualdense na revista de Carlos de Lemos e Beatriz Pinheiro, aí publicando, em 1899, um fragmento do romance Ambições (1903) e, em 1900, o conto "O Magusto", o que atesta, não obstante a sua vivência sadina, as boas relações da reputada artista com a cidade de Viseu.
Louvada por Tomás Ribeiro, a sua obra literária integra-se sistemicamente no neo-romantismo vitalista-emancipalista e lusitanista, tendo ficado célebres obras como o romance Ambições (1903), a novela O Direito da Mãe (1925) ou o texto dramático Bem Prega Frei Tomás (1905). Deixa ainda abundante produção bibliográfica sobre questões sociais e educativas e valiosíssima criação no âmbito da literatura infantil. Em 1925, as suas obras pedagógicas e infantis haviam vendido cerca de cento e cinquenta mil exemplares, o que não deixa de ser espantoso.
Fundadora do "Grupo de Estudos Feministas" ( 1907), activista e co-fundadora da "Liga Republicana das Mulheres Portuguesas", sub-inspectora do Trabalho Feminino (1ª República, Governo de Afonso Costa), colaboradora do governante citado na elaboração da lei do divórcio, fundadora da revista feminina A Sociedade Futura, fundadora e directora da "Cruzada das Mulheres Portuguesas" (1914), criadora da instituição "Madrinhas de Guerra", fundadora da editora Edições Lusitânia, condecorada com a Ordem do Mérito Agrícola e Industrial (a Ordem de Santiago recusara-a anos antes), conferencista e doutrinadora, é Ana de Castro Osório uma figura da cultura portuguesa que não pode ser esquecida.
Acme da nossa circunstância e não só, celebre-se Ana de Castro Osório e a juventude de mais de novecentos anos do foral henriquino mangualdense, no eco do avisador passo poemático de António Osório, que é, também, infungível grito contra a obscuridade: "Entre infindáveis abutres, / de levante em levante, / entre a pátria e o exílio, / de barranco em barranco: // EMPAREDADOS."
5 comentários:
Gosto de ver reavivada a importância desta mulher tantas vezes esquecida.
Não sei porquê veio-me à lembrança Branca de Gonta Colaço.
há...há mulheres assim e Martim assim que alteia o nome da singularidade.
beijo e obrigada.
até Martim.
gostei de ler.te...
"há mulheres assim...rompem pela vida com a força silenciosa dos cometas"
jocas maradas menino sábio
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