2006-08-31

vem da pele


martha




paisley




ruth


trémula a chama vem da pele
afundado calor que do sangue sai.

2006-08-30

Sarah Vaughan sings the Poetry of Pope John Paul II


Historial de um Concerto Lendário

Em 1984 realizou-se numa das maiores salas de concertos do mundo, Tonhalle, em Dusseldorf, na Alemanha, um concerto único, considerado pela generalidade da crítica internacional, como um Concerto Histórico que marca o Século XX.
O concerto nasceu do espírito do Papa João Paulo II e de um dos maiores produtores mundiais Gigi Campi. e, teve/têm como principal objectivo utilizar a música como veículo privilegiado de Evangelização , assim como a escolha de um idioma Universal, o Inglês, para levar mais longe a sua mensagem poética.

Este CD, conta com o apoio Institucional do Patriarcado. Para além da qualidade deste projecto em termos espirituais, artísticos, técnicos, e éticos, na venda de cada CD, reverte um valor monetário a dividir equitativamente por algumas instituições que em Portugal e no mundo apoiam os que mais precisam: a UNICEF, FENACERCI ( Campanha do Pirilampo Mágico ) e PAV–Ponto de Apoio á Vida (Instituição ligada á Igreja Católica de apoio a jovens grávidas, mães e bebés em dificuldades. ).

O disco encontra-se disponível nas lojas de música de qualidade. A Paramentaria e Livraria Nova Terra – Patriarcado de Lisboa, é responsável pela distribuição, e, venda em regime de consignação junto de livrarias e instituições religiosas

Nova Terra
Mosteiro de S. Vicente Fora
Campo de Santa Clara
1100-473 Lisboa
Tel: 218810568
livraria.nt@patriarcado-lisboa.pt



Depois de Portugal, a obra sinfónica com coros Sarah Vaughan Sings the Poetry of Pope John Paul II, está a encontrar em Espanha grande aceitação junto do público e da crítica musical de referência.

El Mundo realça a “ vocação lírica e de valores da poesia do Papa João Paulo II, ( Paz, Solidariedade, Esperança ) interpretada pela voz sublime de Sarah Vaughan, e de uma grandiosa e inigualável orquestra e coros sinfónicos “.
La Rázon evoca os valores da poesia do Papa ( sempre actuais ) , e, descreve em detalhe a vasta equipe com mais de 150 pessoas ( que dificilmente se voltará a reunir ) que tornaram possível este concerto único, desde Gene Lees, responsável do projecto ( durante a sua carreira trabalhou com Charles Azenavour, Bill Evans, Frank Sinatra entre muitos outros grandes artistas ), ao Maestro Lallo Schifrin ( responsável pela criação, direcção, e materialização do Projecto dos 3 Tenores , e, que graças ás suas orquestrações permitiu a parceria entre José Carreras, Plácido Domingo e Luciano Pavarotti ), até aos mais de 70 grandes músicos de áreas tão diversas como Jazz, Clássica, Contemporânea, Soul, Pop, Rock, Sinfónica, Coral.
Cadena 100, afirma tratar-se de “ Uma grandiosa sinfonia de Paz e de esperança no Futuro da Humanidade. “ .
ABC, descreve este concerto ao vivo como “ Histórico, e, marcante da história da música do Século XX “.
Cadena Cope, acentua a qualidade e adequação da maior actualidade dos valores da poesia de um jovem Católico, Operário ( que trabalhou na Solvay como forma de fugir á deportação para campos de concentração ) e, que veio a tornar-se o primeiro Papa não Italiano em mais de 450 Anos.
El Faro de Vigo, acentua o empenho do Papa João Paulo II na divulgação desta obra e da utilização da linguagem universal da música, e, a escolha do idioma Inglês, para levar amais longe a sua mensagem.

Tal como em Portugal, em que parte das receitas da venda do disco revertem a favor da FENACERCI, PAV – Ponto de apoio á Vida, e, UNICEF, também em Espanha parte das receitas revertem a favor da CARITAS, UNICEF e FEAPS.( Organização espanhola de apoio a crianças com deficiências mentais. )

Uma grandiosa Sinfonia de Paz Valores e Dignidade, que é também do agrado do vasto e exigente público espanhol!

Portugal é o primeiro país Europeu a editar em CD a obra Sinfónica com Coro" Sarah Vaughan Sings the Poetry of Pope John Paul II "

A História de um concerto Lendário

A 30 de Junho de 1984, realizou-se na famosa sala de espectáculos alemã de Tonhalle, um concerto considerado pela crítica mundial como um dos concertos que marcaram o Século XX.

Mais de 70 grandes músicos de 19 países, ( de áreas tão diversas como o Jazz, Pop, Word, Soul, Clássica ) acompanharam a Diva Sarah Vaughan na interpretação de um ciclo de poemas de grande espiritualidade e valores escritos por um então jovem padre Polaco, Karol Wojtyla, que veio a tornar-se no primeiro Papa não Italiano em mais de 450 anos, com o nome de João Paulo II.
Trata-se de um disco de valores que atravessam a Humanidade, e, todas as Religiões

O projecto abrangendo o concerto, e sua gravação para disco e televisão foi desenhado por um dos maiores produtores mundiais Gigi Campi, e, culminou mais de 3 anos de trabalho com uma equipe de trabalho única.

Esta Orquestra " fora de série " é dirigida pelo Maestro e Compositor Argentino Lalo Schifrin, que na década de 50 foi convidado por Dizzy Gillespie a trabalhar nos Estados Unidos. Na sua vasta carreira, para além de ter criado mais de 200 bandas sonoras para grandes filmes de Hollywood ( como Missão Impossível, Shrek ou Tom & Jerry ), destacamos o facto de ter sido o responsável pelo Projecto dos Três Tenores, José Carreras, Plácido Domingo e Luciano Pavarotti, criando condições estéticas e técnicas que possibilitaram cantarem juntos graças aos arranjos e orquestrações sinfónicas que desenvolveu, adequados ao tom de voz de cada um. È responsável por mais de 200 bandas sonoras para grandes filmes de Hollywood como Missão Impossível, Tom & Jerry ou Shrek, entre outras.
O Produtor Jeffrey Weber, é músico e produtor reconhecido internacionalmente, detentor de diversos Gremmy

O disco teve apenas duas pequenas edições nos Estados Unidos, em 1995 e 2000, que não ultrapassaram os 40.000 exemplares, tendo sido comercializada apenas via Internet.

O álbum contém 15 temas: 8 cantados, 6 instrumentais e 1 de instrumentais e coros. É apresntado em embalagem Digypack ( em cartão com verniz em relevo ) e inclui um pequeno livro de 28 páginas com o historial desta obra desde o seu início, assim como os poemas do Papa João Paulo II, e , ficha técnica, em inglês, castelhano e português.

Esta edição foi especialmente remasterizada para a edição em Portugal e Espanha por Jeffrey Weber e Robert Vosgien num dos melhores estúdios do Mundo, o Capitol Mastering Studios, em Hollywood.

A obra apoia ainda diversas instituições de solidariedade, pois na venda de cada CD é revertido o valor de € 1,5 a dividir equatitativamente por algumas instituições que em Portugal e no Mundo ajudam os que mais precisam: Fenacerci (Instituição que apoia crianças com deficiências mentais -Campanha do Pirilampo Mágico ); PAV - Ponto de Apoio á Vida ( Instituição que presta apoio a jovens mães e bebés carenciados ) , e UNICEF .

A empresa portuguesa LPR, orgulha-se de apresentar esta obra sinfónica em exclusivo para todo o Mundo excepto Estados Unidos.

Uma sinfonia de Paz, Valores e Dignidade.

Alguns dos poemas


RAPARIGA DESAPONTADA COM O AMOR

Podemos medir temperaturas,
medir a nossa miséria
no brilho de
uma fina linha de mercúrio,
tal como podemos obter a medida
do tempo e
dos nossos corpos.

Qualquer que seja o método
que utilizemos para as conseguir,
temos de conhecer as nossas limitações.

Mas tu, tu pensas
que és o centro,
que todas as coisas,
coisas pequenas e grandes,
giram à tua volta.

Penso que é altura de saberes:
o centro não és tu.
E aquele que realmente o é,
nem mesmo ele tem a certeza do amor.

E, porque é que não consegues ver isso?

Então para que me serve um coração?

Está lá para medir
o cosmos,
e o bater de outros corações,
e o mercúrio.

Papa João Paulo II

AS CRIANÇAS

De súbito,
parece que cresceram.
Descobrem o que é o amor
e transformam-se em adultos.
Mão na mão vagueiam,
Sem repararem nas multidões
à sua volta,
silhuetas desenhadas ao pôr-do-sol.

Seus corações são como
pássaros cativos dentro deles,
e no pulsar de cada batimento
está o pulsar de toda a humanidade.

Silenciosas, sentam-se juntas
na margem de um rio
junto de uma árvore solitária, ao luar.
A bruma não levantou,
a terra é um sussurro.

Como papagaios de papel, os seus corações
planam, acima das cabeças.
Apesar de ter sido sempre assim,
será que mudará quando por fim
seguirem o seu caminho?

Há outra forma de ver isto:
Um vaso cheio de luz é derramado
sobre uma flor,
revelando subitamente em cada um de nós
uma dimensão inesperada.
O que começou dentro de ti,
destrui-lo-ás um dia?
Ou vais guardá-lo ciosamente dentro de ti,
sabendo sempre distinguir o certo do errado?

Papa João Paulo II

O ARTESÃO DO ARMAMENTO

Não sou eu quem determina o destino do mundo.
Não sou eu quem começa as guerras.

Apenas sigo o meu caminho. Faço o meu trabalho.
Nada faço de errado.
Mas não sei.

E essa é a questão,
que sempre me atormenta.
Não quem determina,
e no entanto nada faço de mal.

Faço girar parafusos pequeninos com os meus dedos,
fabricando componentes de armas
que nos ameaçam a todos.
E ainda assim não sou eu quem determina
o destino que aparece diante de nós.

Eu poderia criar outro destino,
tornando o mundo seguro para todos aqueles
que anseiam viver a sua vida.

E então eu saberia
a razão sagrada,
o significado brilhante
da nossa existência.

Ninguém então poderia destruir-nos
com as suas acções
ou iludir-nos
com as suas palavras.

O mundo que eu ajudo a fazer
não é um mundo bom.
No entanto eu não sou mau.
E não fui eu que o inventei.
Mas será isso suficiente?

Papa João Paulo II


Alinhamento e Ficha Técnica

Alinhamento
1 The Mystery of Man
2 The Mystery of Man ( Instrumental )
3 The Actor
4 The Mystery of Man Instrumental
5 Girl Disappointed in Love
6 The Mystery of Man ( Instrumental )
7 The Madeleine
8 The The Mystery of Man ( Chorus and Instrumental )
9 The Black
10 The Mystery of Man ( Instrumental )
11 The Children
12 Let it Live ( Instrumental )
13 The Armaments Worker
14 Toward the Light ( Instrumental )
15 Let it live



Ficha Técnica

Musica — Tito Fontana e Sante Palumbo excepto nos temas The Mystery of Man e Toward the Light , música de Francy Boland, Let it Live, música de Lalo Schifrin

As letras são adaptações para o inglês por Gene Lees de poemas de Karol Wojtyla, exceptuando os temas The Mystery of Man e Let it Live, que são letras originais de Gene Lees

Edition Cawoo-Campi Music, KLON. 1984 GEMA, por gentileza Libreria Editrice Vaticana, Hutchinson Publishing Group, London.

Voz Sarah Vaughan
Arranjos Francy Boland
Orquestra dirigida por Lalo Schifrin
Solista convidado no tema The Black: Bernard Ighner

Álbum e concerto concebidos e produzidos por Gigi Campi

Produtor Executivo Janet Westcott Lees
Produtor Consultivo Jeffrey Webber
Engenheiro de som Wolfgang Hirschmann

Masterizado por Robert Vosgien, Capitol Mastering Studios, Hollywood California , em Maio de 2005

Copyright 2005 - LPR, Ldª. – Rua Cipriano Dourado, 18 – 1º Dtº. 1600-428 Lisboa – Portugal
Tel / Fax: +351217580736 – lpr.cultura@netcabo.pt – www.lpr-pt.com – All rights reserved / Todos los derechos reservados / Todos os direitos reservados
Tradução para Português e Castelhano Maria Amelia Chabert
Art Direction and Design Dasein
Fotografia Bettmann, Corbis, Zefa

Orquestra
Trompetes
Benny Bailey, Rick Kiefer, Idrees Sulieman, Art Farmer, Rolf Ericson, Klaus Osterioh
Trombones Bart Van Lier, Henning Berg, Otto Bredl, Jiggs Wigham, Erik Van Lier.
Saxofones Ferdinand Povel, Tony Coe, Sal Nistico, Gianni Basso, Sahib Shihab
Piano Bobby Scott ou Francy Boland
Baixos / Contra-baixo Jimmy Woode, Chris Lawrence
Percussão Sadi, Hans-Joachim Schacht
Trompas Thomas Baumgartel, Andrea Joy, Ludwig Raft, Hubert Stale
Tambores Edmund Thigpen
Flautas, clarinetes, oboés e fagotes Claus Boden, Andreas Bossler, Bernd Holz, Karin Levin, Jonel Radonici, Michel Riessler, Harald Rodde, Markus Strohmeyer
Violinos, violoncelos, contabaixos e violas Mischa Salevic, Hans Buttner, Christoph Bujanowski, Kurt Collinet, Andreas Grote, Bernhard Holker, Andrea Heuschke, Burkart Heuschke, Albert Juny, Maria Jelmer, Joachim Krist, Bruno Klepper, Jurgan Kachel, Michael Kurkowski, George Lindermann, Silvia Menn, Rainer Platte, Gudman Pasz, Ines Pasz, Heins Pens, Annette Read, Ludwig Rast, Uwe Schmeisser, Jerzy Szopinsky, Ismene Then-Bergh, Siedfried Thuning
Coros Cary Wilson, Ken Barrie, John Evans, Joan Baxter, Lee Gibson, Norma Winstone

Agradecimentos Melanie Ciccone, Thomas Evered, Jeffrey Webber; Fernando Pereira, Jorge Portela, Pedro Merlini e a sua equipe da Labesfal, Codipor; SPA; João Maria; Catarina, Vasco e Leão da Dasein; João Loureiro-LGP; Dy , João Domingues da Topfilm, Carmo Cruz, Isabel Vasconçelos, Maria José Leonardo , Clara Castro da ZEFA..


Francisco Filipe Cruz
LPR - Senior Partner
+351 - 964018915
fran.cruz@netcabo.pt
francisco.cruz@lpr-pt.com
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www.antoniochainho.com
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2006-08-29

Catolicismo & Teofania Literária


0. Rewrite: No âmbito do tema titular, diga-se que a primeira perquisição foi no sentido da fixação de um corpus representativo, sentindo eu, nos contactos estabelecidos com membros da Igreja, alguns dos quais ligados a livrarias católicas, que a problemática em investigação não está, na maior parte das vezes, no campo das preocupações dos agentes religiosos, ou, se o está, exige um urgente redimensionamento pragmático no sentido da apreensão dessa interacção com o tecido sociocultural do Portugal contemporâneo.
Assim, e adentro da específica subjectividade que uma escolha implica - ainda que medida por parâmetros, meus, de representatividade -, depois do carreamento de artefactos literários, colhidos em casa, em bibliotecas públicas e em bibliotecas universitárias, procedi à triagem dos mesmos, dela resultando os objectos operatórios que a seguir indicamos.
Defluentemente, constituirão parte subtancial do objecto de estudo os seguintes materiais:

a) as revistas:
.Cidade Nova (Coimbra, 1949-1961), com a consabida filiação identitária nas palavras de apresentação ("a qualidade de filhos da Igreja de Cristo e fiéis de Roma");
.Vértice (Coimbra, 1942), nomeadamente a década de 70, onde, nas páginas finais coloridas, se manifesta uma invulgar interacção opositiva com a literatura dita "piedosa" (v. g., com O Clarim, de Braga; A Voz de Lamego; O Amigo da Verdade, da Guarda; a revista Magnificat, de Braga...);
.O Tempo e o Modo (Lisboa, 1963-1977), com a sua orientação personalista e a implícita linha editorial homónima, de início da década de 60, de que é exemplo o livro Ao encontro da palavra (I) , de Manuel Antunes, s.j.;
.Resistência e Futuro Presente;
.Família Cristã e O Mensageiro de Santo António, nos seus tentames literários em feição apologética de convalidação a apurar.

b) os jornais:
Jornal do Fundão (1946), com o seu carácter regionalista e nacional único, na vertente do intervencionismo cívico;
imprensa católica (v.g., Jornal da Beira, de Viseu; O Distrito de Portalegre; Notícias de Viseu, com o fugaz suplemento literário "Espiral"...).

c) materiais não especificados.

Por último, esta investigação sobre a região viseense, que não pode ser entendida fora do corpo pátrio, pretende avaliar a presença da Igreja e do perspectivismo católico no específico campo da produção e recepção literárias, na "sua" imprensa e nas publicações laicas, procurando-se ainda aferir se essa presença, que de facto existe, tem visibilidade, ou se, tendo-a, é convalidada pela consensualidade dos "bons motivos".

1. UM SÉCULO DE IGREJA CATÓLICA: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO
No vórtice finissecular, profundo magma de digladiação de paradigmas estéticos e socioculturais com raízes assinaladas (kantianismo, hegelianismo), bem como de profundas transformações na organização política, a Igreja Contemporânea nascia para o século nos fluxos e refluxos do anticlericalismo positivista e dos sopros liberalizadores, sentindo no cerne o pendor agónico que se inscrevia com a morte de Pio IX (1792-1878), que foi, como se sabe, o símbolo do rendimento da nobreza vencida e da instalação no seio da própria Igreja de um sentimento de perdição, o que era de alguma forma facilitado pela memória viva do seu pontificado que pôs fim aos Estados Pontifícios (1870), circunscrevendo o território papal tão-só ao Vaticano.
Leão XIII (1810-1903), compreendendo o passado e os primeiros sinais de renovação cultural e mental anunciadores da modernidade (a conversão ao catolicismo do Cardeal Newman, em 1845; a reactiva Vie de Jésus de Renan, em 1863; a criação, em França, por força da lei de 1875, de cinco universidades católicas...), derroga, pela acção, a prisão ao Antigo Regime ainda patenteada por Pio IX - e que, valha a verdade, fomentava uma desconfiança estéril e improdutiva -, animando a intelectualidade com o encorajamento a congressos científicos internacionais católicos ou com a emanação de encíclicas como a Aeterni Patris (1879: renovação tomista) ou a Providentissimus Deus (1893: alteração na abordagem bíblica), daí derivando claros sinais de anti-reaccionarismo e de aceitação pacífica dos novos tempos.
Tal clarividência prospectiva é interrompida com a morte de Leão XIII e, com a chegada de Pio X (1835-1914), cujo papado se estenderá por dois lustros até 1914, ressurge uma via tradicionalista e desacomodada relativamente à pulsão epocal, o que terá, de alguma forma, afastado a Igreja de papel relevante na resolução da crise que conduziu à I Guerra Mundial, não obstante os esforços intermediários de um Bento XV (1854-1922) - relembremos as encíclicas Vehementer (1906: condenação da separação da Igreja do Estado), Gravissimo (1906: rejeição da administração laica dos bens eclesiásticos) ou Pascendi (1907: condenação do Modernismo).
Pio XI (1857-1939) transporta consigo o fogo participativo, não se sentindo alheio, no terenciano sentido, a tudo o que fosse humano, convocando à acção os partidos democratas-cristãos, não hesitando em reinvindicar interesses eclesiais de um Mussolini, fomentando o missionarismo, a descentralização e a participação dos leigos, afirmando, enfim, uma Igreja universalista e actuante. No entanto, se no plano dos princípios a crítica aos totalitarismos, estaliniano e hitleriano, era um implícito, não deixava de ser criticável a quase complacência perante o fascismo italiano, o franquismo espanhol (lembre-se, por exemplo, a benção de Pio XI à gesta do Generalíssimo) ou o nacional-socialismo (com evolução de uns interessados e vantajosos acordos para a Igreja para a denúncia clara, depois das notações do eugenismo e da esterilização, através da condenatória encíclica Mit Brennender Sorge : 1937).
Com Pio XII (1876-1958), viveu-se a sangrenta e marcante II Guerra Mundial. Como acontecera no anterior conflito, a Igreja optou pela neutralidade, o que não pode deixar de ser visto como uma incapacidade de afirmação e a denegação de uma oportunidade de crescimento para fora . Não obstante as razoáveis investidas no sentido da atenuação do sofrimento individual por parte da estrutura e por uma bem mais vincada actividade das bases progressistas que o próprio Pio XII haveria de reprimir , nunca a Igreja, por razões certamente ligadas à "ameaça comunista", denunciou os crimes execrandos e sobejamente conhecidos (exterminações, bombardeamentos, deportações, campos de concentração...) praticados pelo hitlerianismo. Assim, os passos imperceptíveis ou reticentes no renovo praxístico, pontuados quase sempre pela restauração e não pela criação, aparecem muitas das vezes encostados negativamente ao mau lugar (sanções a membros progressistas, reservas no concernente ao ecumenismo - que agora, um João Paulo II busca a todo o transe -, dúvidas sobre a ortodoxia da obra de um Teillard de Chardin...) e à defesa intransigente do dogmatismo e da disciplina.
A Pio XII sucedeu João XXIII (1881-1963), o velho cardeal de Veneza, que, com os seus 78 anos, encarnaria o aggiornamento que vivia em latência e agora, cautelosa mas firmemente, transbordava de entrega social (encíclica Mater et Magistra , 1961), de interesse transnacional (ecumenismo, encíclica Pacem in Terris, ultrapassagem da "Guerra Fria"...) e de versatilidade dogmática.
Com o Concílio Vaticano II (1962-1965) chegou, indubitavelmente, num longo processo com início na década de 20, um sopro diferente, renovado e renovador, com resposta actualizada a muitos dos anseios da sociedade civil, bem como com resolução de reivindicações internas e a insolubilidade suspensa, continuada, de ontem e de hoje, da tríade celibato, situação dos divorciados e controlo da natalidade.
Paulo VI (1897-1978) conduziu a bom porto os trabalhos conciliares, que duraram, como se viu, até 1965, fazendo ressumar uma Igreja mais aberta ao mundo (as diversas viagens pastorais), conciliadora do integrismo e do progressismo, dialógica (Ecclesiam Suam ), justa (Populorum Progressio, 1967) e propugnadora da dignidade (Humanae Vitae , 1968). No entanto, e não com o aguçamento da consciência religiosa, o dissídio dentro da Igreja continuava - a desvalorização social do sacerdócio, a crise de vocações, a desfidelização, a inovação litúrgica ou a contestação de acção, nomeadamente a integrista comandada por Marcel Lefèbre, que por via desse não acatamento pós-conciliar se viu excomungado, todos eles não serão problemas despiciendos a uma cuidada avaliação da Igreja.
O actual Papa João Paulo II, chegado pela eleição de 1978, tomou a sua incumbência de modo firme, seguindo, sem exagero, as emanações do Concílio Vaticano II. Atento ao ecumenismo e à presença no Mundo, o rigor vigilante desse cuidado tem sido evidente. Porém, é difícil não se lhe colarem de imediato, vindos de dentro da própria Igreja, nomeadamenre de jesuítas e dominicanos, os apodos de moralista e autoritarismo - pensemos nos embates com a "teologia da libertação" de Leonardo Boff, com o criticismo de Monsieur Gaillot, no interesse desmedido e quase que dominante dado à moral sexual, ou, por último, na prevalência de figuras e de movimentos tradicionalistas junto do poder papal.
E, no fundo, terá sido ultrapassado o papado hamletiano de Paulo VI (John H. Knox, "O Concílio Vaticano II - Um balanço 20 anos depois", in Futuro Presente (II, nº 14, Jun.-Jul. de 1983, p. 26-9)), com as suas tibiezas e fugas?
A minha investigação no campo das perspectivas católicas na recepção literária verificou, muitas das vezes, o eco deste complexo contextual.

2. A IGREJA E A VERTENTE LITERÁRIA (PERSPECTIVAS CATÓLICAS)
De acordo com a proposição apresentada, que sigo com poucas alterações, inicio este segundo capítulo epistolar informando que os resultados obtidos e as conclusões retiradas têm valor transversal no âmbito do estudo no seu todo, e que seguirei, pela ordem do elenco, o esquema traçado em 0.
Assim:

2.1. A CIDADE NOVA
Sob a direcção de Carlos Amado, Cidade Nova (Revista de Cultura), tendo por secretário de redacção Eduardo de Soveral, sai a lume, pela primeira vez, em Setembro de 1949. Confessando-se, nas palavras de apresentação, "católicos, apostólicos, romanos" (p. 5) e apreciadores "do único tipo de cultura capaz de lograr plenamente a pessoa humana, vista à luz da intemporalidade -, invalidando e varrendo aberrações nos valores e corrupções na sensibilidade" (ibid.), a publicação conimbricense arregimenta-se no sentido de construir uma obra católica (p. 6). Submissos mas diferentes das revistas canónicas (da Acção Católica...), pretendem manter-se franco-atiradores (ibid. ).
Dito o propósito, que perspectivismo católico entrever, no âmbito da recepção literária, nesta Cidade Nova ? H. (possivelmente, Henrique Barrilaro Ruas), em recensão crítica a Páginas (I) de Ruben A., autor que anteriormente recenseara um livro de Boxer, exalça a modernidade do escritor e coloca o livro na literatura introspectiva optimista. Anunciando a revista o seu catolicismo, a asserção final de Ruben A. como "verdadeiro escritor" (1949, nº 2, p. 126) faz do artista e do crítico um escritor católico moderno e um crítico literário católico e desassombrado. No último número desta I Série (nº 5-6, 1950), o mesmo H., em recensão a D. Pedro V - Um Homem e Um Rei (1950), fala de um "estilo cavaleiro-andante que arremete em beleza mas no pormenor se embaraça..." (p. 373), o que não fere a ortodoxia do Autor. Em âmbito diverso, não já do escritor católico mas sim do católico escritor, parece assumir especial interesse a recensão do mesmo H. ao livro Revérberos de Boaventura dos Santos, "livrinho de poucas páginas, que reúne nove sonetos e mais três poesias, repassadas de espírito religioso" (I, nº 5-6, p. 373), uma vez que nela se discutem, implícita ou explicitamente, as motivações de publicação, a valoração estético-literária, a tendência temática e as opções genológicas. O Autor da recensão (certamente Henrique Barrilaro Ruas), ao aludir ao facto de alguns poemas serem preces, não cala o seu escasso valor estético-literário, temendo mesmo que estas incursões forneçam armas aos que defendem a inconciliação entre a intenção religiosa e a arte poética, devendo tal caminho ser seguido apenas pelos grandes poetas. Não estará ainda actual (?) aquele reparo perto do fim da reflexão: "O dinheiro e o papel que neste País se gastam em poesia religiosa seriam bem mais úteis se servissem para mostrar ao povo (de todas as classes...) a austera e profunda beleza da Poesia bíblica." (p. 374)?
A II Série inicia-se em Setembro de 1950 e as palavras programáticas, no seguimento das aduções da série anterior, reiteram o ideário exarado, acrescentando, pois tal já tinha sido dito, a metalinguagem da categoria de ocidentais a que obedeciam: "Onde estiver o Cristianismo projectado na vida social , aí está o ocidente". (II, nº 1, p. 6) Neste número, Flórido de Vasconcelos (crítico de arte) reflecte codiciosamente sobre a recepção da Arte por parte do público ("Reflexões sobre o público", p. 24-9), concluindo do desprezo deste pela humilhação a que o Artista o sujeita sem que tal acarrete um "aumento de bem estar material" (p. 28): assim, a decadência da recepção radica na decadência do público, aviso este que não deixa de ser importante, no dialogismo que os interventores católicos sempre desejam, no sentido de reformular um público para a preparação e o crescimento cultural, mesmo que tal desejo importe aqui somente no escopo literário que nos cabe. Ainda no mesmo número, em homenagem a Alfredo Pimenta, faculta-se uma colecção de textos que, como se esperaria, não inclui quaisquer exemplos da não despicienda faceta poética do autor (Eu, 1904; Na Torre da Ilusão , 1912; Alma Ajoelhada , 1914; O Livro das Orações ,1916; Paisagem de Orquídeas ,1917; O Livro das Sinfonias Mórbidas, 1920; Este é o Livro das Quimeras ,1922; Poemas em Prosa , 1924; Tratado de Versificação Portuguesa , 1927; e Últimos Ecos de um Violino Partido , 1941), seja da fase nihilista, seja da fase esteticista-wildiana- simbolista-decadentista, seja ainda - pasme-se...- da fase tradicionalista. Desprimor pela poesia ou ininserção no âmbito do ideário proclamado (?), a pensar-se, por exemplo, que Alfredo Pimenta professara, na mocidade, "ideias avançadas", e que fazia, a partir daí, uma caminhada - rápida, diga-se -, para a tradição? Dificuldades hermenêuticas? Escasso valor literário? Não se encaixaria aqui a "lei" de António Sardinha, de quem se evoca a memória nas páginas 55-6, segundo a qual um soneto com o seu poder analítico é um modo de cantar a verdade?
Ainda no mesmo número, e entrevisto o florilégio conveniente de Alfredo Pimenta, exalça-se, nas páginas supramencionadas, como importante notícia da "Vida Nacional", uma sessão de homenagem em memória de António Sardinha ocorrida, em 10 de Janeiro de 1950, no Salão Nobre da Sociedade de Geografia em Lisboa. Relativamente ao vezo literário que perseguimos, diga-se que nessa homenagem falou de António Sardinha-poeta (Tronco Reverdecido, 1910; A Epopeia da Planície , 1915; Quando as Nascentes Despertam, 1921; A Chuva da Tarde, 1922) o nacionalista Alberto de Monsaraz, o que faz ressumar para o nosso desígnio o nome dos dois escritores e poetas no tal perspectivismo católico que buscamos, voltando António Sardinha a ser convocado por C. e, logo de seguida, louvado como "momento de milagre, para fidelidade aos Mortos e às fontes..." (I, nº 3, 1950, p. 165). A permanência de António Sardinha é visível à saciedade no nº 5 da II Série (Maio de 1951). Como acontecera já no último número da I série (nº 5-6, p. 366-68), onde Fernando Pessoa fora referenciado a propósito da colossal obra de João Gaspar Simões (que também aparece defendido pelo passo, v. g. , que perscreve "uma posição de primordial destaque" na crítica e no ensaio), agora é a Mensagem que é analisada pelo mesmo A. F. S., tendo por pretexto a 4º edição do macrotexto pessoano a cargo da Ática. A explicação e a perspectiva impõem-se: Fernando Pessoa é o "profeta do Super-Camões" (p. 59). E o ser-se profeta já não é pouco... Afonso Botelho realça (II, nº 6, Julho de 1951) como facto importante da "Vida Nacional" a morte de Pascoaes, o poeta que tocou, "desde o primeiro ao último hálito dos seus versos, no próprio segredo da Lusitanidade" (p. 382), vindo M. em defesa do "Poeta do Marão" face ao asserto de Torga que postulava a ambiguidade da glória de Pascoaes e a sua contingência ("Sobre Pascoais", III, nº 3, Dez. de 1953, p. 202).
Na revista nº 2 desta II série, ressalta, datado de 2-11-50, o texto inclassificável "Heráclito chora, Demócrito ri" de José de Almada Negreiros, o qual traz para a lista dos "católicos como criadores literários" um dos vultos mais influentes do Primeiro Modernismo, "provado" que está pela práxis de Cidade Nova que a falta de catolicidade isola um destino e promove a morte inevitável. Aliás, Almada aparecerá também no nº 5 em diálogo com Fernando Amado, numa transcrição de um colóquio, dialogicamente alargado ao público, havido sobre a posição do artista na sociedade. A Cidade nº 3 reage ainda ao fechamento da Ática que o falecido Luís de Montalvor animara com tão evidente bom gosto, o que não deixa de ser uma clara interacção destes franco-atiradores da Igreja com o domínio editorial, não se eximindo a louvar a sua qualidade, o que já se passara, anteriormente (I, nº 5-6, p. 366). Idêntico modo laudatório é dedicado às Edições Quadrante de Coimbra e à sua linha editorial, sendo aqui pretexto para a coluna a vinda a lume do 1º vol. da História da Literatura Portuguesa do Prof. Doutor Álvaro Júlio da Costa Pimpão - que foi, como se sabe, reitor do antigo Liceu de Viseu, nexo que não desprezível neste trabalho -, homem que "tem prestado à vida cultural da Nação um serviço e um magistério altíssimos" (I, 5-6, p. 346), não sendo de descurar o anátema lançado sobre boa parte das remanescentes casas editoriais: "Na penúria das actividades culturais da nossa Terra e entre as escassas editoriais que têm o sentido da dignidade da sua missão, avulta o nome de Edições Quadrante , de Coimbra." (I, nº 5-6, p. 346).
A revista nº 3 da II Série (Jan. de 1951) abre com um texto de Álvaro Júlio da Costa Pimpão intitulado "Em torno da conversão de Junqueiro". A catolicização - que é, digamos, um processo evolutivo desejável, até pela inferência pedagógico-didáctica que permite - de vultos proeminentes recoloca a tradição sociocultural como valor perene e aglutinador de rumos desgovernados, ainda que, no caso de Guerra Junqueiro, o "drama" da conversão seja faseado e pungente. Henrique Barrilaro Ruas, mais à frente, procede à recensão frontal da obra de Fernando de Aguiar Por uma Universidade Católica. Uma Campanha do Espírito (Lisboa, Ed. Sigma, 1951), afirmando-lhe o "pensamento vivo" e a inaptidão "para domar a palavra" (p. 190), interessando também aqui a relação dos problemas da Igreja com as empresas editoriais que os materializam. Para além da citada Sigma, entrevejo relações privilegiadas com a Igreja de editoras como a Livraria Tavares Martins (Porto).
A III Série vê o seu primeiro número sair em Agosto de 1953, agora sob direcção de Afonso Botelho. Reiterando, quando não reforçando, o ideário católico e tradicionalista, no respeito da autonomia, a publicação afirma-se "verdadeiramente uma obra católica" (p. 5). Nuno de Sampayo, num texto intitulado "Aspectos do Romance Português" (p. 33-7), alude ao lirismo do génio português que engasta as dimensões da vida no romance, sendo difícil termos um romancista de proporções universais.
António Alçada Baptista destaca, emocionado, adentro dos factos da "Vida Nacional", a morte de Hipólito Raposo. "Mas este era um Homem.", conclui assim Alçada Baptista o seu depoimento de 28-8-53 (III, nº 2, p. 141). Neste nº, F. V. destaca as primícias literárias de Aragão Correia e Herberto Helder no Arquipélago (1952), deste dizendo tratar-se "de voz mais poderosa e mais fortes ressonâncias interiores." (p. 150) Fundada previsão, acrescento...
A revista nº 6 da III Série faz a defesa dos desígnios de deus em Goa, aí colaborando, entre outras possibilidades, uma Sophia de Mello Breyner Andresen com o poema "Caminho da Índia" (p. 306-7). Taborda de Vasconcelos, sugestionado positivamente pela obra agustiniana, mais à frente, traz-nos o texto "Bessa Luís - o romance e a arte de escrever", enquanto C. procede à recensão do livro do Rev. P. J. Quelhas Bigotte A Voz de Roma na Questão Social (2 vols. com cerca de 700 páginas). Também colaborou em Cidade Nova o poeta Rui Cinatti.
A própria Cidade Nova , dentro do espírito de doutrinação conservadora e católica fixado, expandiu os empreendimentos editoriais com o início da publicação, em 1953, de obras como Humanismo Cristão de Henrique Barrilaro Ruas.
2.2. VÉRTICE
Desta revista coimbrã, analisarei tão-só a década de 70, interessando de sobremaneira as páginais finais de diferente tonalidade, com o nome conglobante de "Jornal", que se começaram a publicar em 1971 e onde se manifesta uma invulgar interacção opositiva com a literatura dita "piedosa" ou com a literatura não contestatária - leia-se, alinhada no horizonte neo-realista - sob o "regime" marcelista.
Neste contexto deve ser entendida, em toada irónica, a notícia da antologia poética O Corpo da Pátria (da eclesial Editora Pax), coordenada e prefaciada ("Prefácio político para uma Antologia Poética") por Pinharanda Gomes, com badana de José Valle de Figueiredo. Tal florilégio mereceu recensão, no suplemento d' A Capital de 23 de Junho de 1971, de Nuno de Sampayo (Ag.- Set. 1971, nºs 331-32, p. 739).
Na revista nº 339 de Abril de 1972, na p. 331, sob o título "O fantasma neo-realista", reverbera-se o 12º volume da Enciclopédia Verbo Juvenil e as "seguintes figuras ilustres da cultura lusitana: Artur Anselmo, Miguel Freitas da Costa, Ramiro da Fonseca, Virgílio Cardoso Igreja, João Mendes, Fernando de Paços, Natália Paes, José Blanc de Portugal e Manuel Breda Simões." Sob o mesmo título fantasmal, ataca-se o Diário (1962-1972) de João Palma-Ferreira devido a o escritor não admirar Alves Redol (Jun.-Jul. 1972, nºs 341-342, p. 581). Nessa constância fantasmagórica, é esquadrinhada agora uma conferência de Almeida Faria intitulada "Romance português contemporâneo", na qual, segundo os detractores, muito falou de si e do Mestre Vergílio Ferreira, e pouco do romance contemporâneo (Ag.-Set. 1972, nºs 343-344, pp. 708-9).
O número de Setembro de 1973 indica-nos, através da recensão no "Jornal" à obra publicada em 1973 pela Moraes intitulada Estudo sobre Liberdade e Religião em Portugal, uma relação da Igreja com uma das editoras preferenciais (nº 356, p. 792-3).
Nota-se, nomeadamente no nº 369 de Outubro de 1974, uma certa interacção opositiva do surto revolucionário com o conservadorismo da imprensa católica. De facto, num texto recolectivo com a titulação "Certa imprensa... regional" e subscrito por José Oliveira Barata, repudia-se o "Boletim Paroquial" em geral, bem como os jornais Mensageiro Paroquial, Voz de Lamego , Voz de Oliveira de Frades, Correio de Papízios, Sintra da Beira, Caminho , Luz da Beira , A Ordem , Jornal de Lamego , Voz das Beiras, etc. No nº 372 de Janeiro de 1975, Cristóvão de Aguiar volta à carga: são inseridos no index o Jornal da Família, a Sabedoria do Povo, o Amigo da Verdade, a Soberania do Povo, a Voz de Domingo, a Voz de S. Romão, a Voz de Fátima, o Correio de Coimbra ... Severo de Melo, no texto "Reacção, anticomunismo e partidarite" (Fevereiro de 1975, nº 373, p. 153-8), falando daquilo que ele denomina de "subliteratura reaccionária", critica impiedosamente a "imprensa que circula em regime de assinaturas, vendida à saída da missa ou à porta de casa". Aliás, este vezo crítico não é exclusivo da Vértice. Esta revista e o Diário de Lisboa, por exemplo, atacam ou denunciam a cegueira do Clarim, "mensário da cruzada eucarística", atacando a primeira a também bracarense Magnificat que consente a liberdade apenas como uma disputa especulativa e escolástica.

2.3.RESISTÊNCIA , FUTURO PRESENTE E OUTRAS PUBLICAÇÕES...
Sob a direcção de António da Cruz Rodrigues, seja pelas preferências temáticas, seja pela opção de ideário conservador, a revista Resistência mantém uma conexão clara com a Igreja e a sua circunstância, havendo inúmeros espaços de diluição de fronteiras e de interacção sistémica. Dessa atinência e dessa persistência do catolicismo apostólico romano resultam textos genologicamente diversos, de que destacamos, pelo valor pragmático: "Nossa Senhora de Portugal. Subsídios para a História do culto da Virgem em Portugal", por José Francisco Rodrigues (XI, nº 173-6, Maio-Junho 1978, p. 18-38), que se expande, multimodalmente, por diferentes saberes e artes; o editorial "Serenamente, filantropia" onde, na luta entre Cristo e Mamon (caridade e filantropia), "Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat, por mais pirâmides que queiram encobrir o sol radioso da sua doutrina e do seu exemplo." (XI, nº 186, Dezembro de 1978, p. 3-4); "Entre dois pontificados", por Amaro Monteiro, "Uma grande alegria", por João Maia, e "A Igreja em crescimento num templo em construção", por D. Eurico Dias Nogueira (ibid. ); o editorial "O Testamento de Voltaire" repulsa a promiscuidade entre a Igreja e a Maçonaria na pessoa do Cardeal D. José da Costa Nunes e sai a terreiro em sua defesa, para que "não se possa dizer nunca que todos os católicos e cristãos portugueses se limitaram ao silêncio cómodo." (XI, nº 187, Janeiro de 1979, p. 4); o auto radiofónico "Em cada hora é Natal", por Maria Manuela Couto Viana (ibid., p. 71-82); "O sentimento patriótico na poesia de António Sardinha", por Manuel Alves de Oliveira, ou "Tábuas da Lei - Um Poema" de Aurélio Fernando, poeta que, no dizer de Mário Mota, consubstancia "um alargamento vivo de segredares íntimos de vocação aberta para o enlevo da Fé.", ou ainda "Reflexões sobre a Educação", por D. Eurico Nogueira, quer ainda interacções disjuntivas com Manuel Alegre e José Rodrigues Miguéis (XI, nº 188, Fevereiro de 1979); "No Quinto Centenário de D. Frei Baltazar Limpo", por D. Eurico Nogueira, bem como a homenagem a José Régio por Orlando Taipa ("Nove anos de saudade") e Paulo Ferro ("Na morte de José Régio"), que lhe destacam, entre outras qualidades, o religiosismo (XI, nº 189, Março de 1979); "Ideologia e Pedagogia", por Henrique Barrilaro Ruas, que conclui a sua reflexão sobre os educadores com o asserto subsequente: "Somos herdeiros de uma história eclesial e de uma história pátria, e não podemos dispensar-nos de a continuar de um modo pessoal: em nós, e naqueles que Deus nos confiou." (XI, nºs 199-200, Janeiro/Fevereiro de 1980, p. 97-107); "S. Martinho de Dume escritor", pelo Pe. António Brásio, e o poema "Loa a Santo António", por António Manuel Couto Viana (XII, nºs 215-6, Junho de 1981); o auto radiofónico "A Morte do Marquês de Loulé", por Barradas de Oliveira, "Guerra Junqueiro - Evocação lírica e polémica de um grande poeta e de um grande português", por Domingos Monteiro, e "Cinco poemas de Ruy Cinatti".
Com direcção de Jaime Nogueira Pinto, Futuro Presente (Revista de Nova Cultura), iniciou a sua actividade em 1980. Desse trabalho, que se estende por, pelo menos, três séries, ressumam perspectivas católicas. São exemplo disso, entre outras possibilidades, os textos que a seguir indicamos: "Caminhos do Movimento Operário em Portugal", de José Valle de Figueiredo (poeta de exigente rigor oficinal nascido em Tondela, a que voltarei à frente), abordando-se aí, como ponto nodal, o sindicalismo de raiz católica (II, nº 8, Novembro-Dezembro de 1981, p. 13-6); "Ausência e presença de Papini", de João Bigotte Chorão, ressaltando-se o "escritor católico inconformista" (II, nº11-12, Julho-Outubro de 1982, p. 39-44); "Prezzolini - Fazer 100 anos e morrer", de João Bigotte Chorão, onde se exaltam os valores espirituais do seu exemplo: "Tal como na vida, assim na morte Prezzolini deu uma lição de despojamento, ao determinar que só se participasse o seu óbito depois do funeral e ao pedir que o enterrassem como um frade franciscano - isto é, na maior simplicidade e pobreza. Humilde na morte, Prezzolini, que não era católico nem sequer (dizia) crente, confessava assim aos valores do espírito, nessa hora em que, mais do que em nenhuma outra, se reconhece a vaidade de tudo" (II, nº 13, Janeiro-Fevereiro de 1983, p. 38-9).
A Brotéria (Revista Contemporânea de Cultura), com direcção, ao longo do tempo, de Domingos Maurício, António Leite (por duas vezes, pelo menos), Paulo Durão, Manuel Antunes, António da Silva, assume-se, obviamente, sendo membro da imprensa católica com clara incidência estético-literária, como importante ponto de recepção sob o perspectivismo que analiso e veiculação de leituras canónicas: pense-se, por exemplo, no conjunto importante de recensões críticas dedicadas a temas religiosos no âmbito do espaço da "Bibliografia" ou a compresença de assuntos eclesiais no corpo da revista (ex.: "Novos rumos da Teologia", por Isidro Ribeiro, vol. 114, nº 3, Março de 1982). Entenda-se, neste contexto, a recensão de Manuel Simões a Cântico Final de Vergílio Ferreira, com o título "Crónica de romance existencialista", onde, depois do elogio do Autor, se deixa o aviso: "Assim é preciso acautelarmo-nos contra essa literatura que encerra na sua aparente seriedade e imparcialidade um alto poder corrosivo e dissolvente, sobretudo para a juventude que pode ser levada, vivendo estes livros, como de si dizia expressivamente Elsa, a bailarina, a <>. Caueant consules !" (Vol. LXXII, nº 1, 1961, p. 94-5). É ainda importante, neste particular, o texto de João Maia "Fernando Pessoa <>" que faz de si e de António Quadros escritores católicos e humanistas: "Há todavia um capítulo que, só de o ter escrito, deu António Quadros prova de coragem e independência intelectual, virtudes essas hoje tão vozeadas e tão pouco exercidas. É o capítulo: PARA DEUS E EM DEUS." (Vol. 114, nº 1, Janeiro de 1982)
Como editora de matriz católica, editou a Livraria Morais Editora livros de incidência eclesiológica, inseridos em colecções várias, tais como: no "Círculo do Humanismo Cristão", títulos como Pensamentos, de Pascal, Forças e fraquezas da família, de Jean Lacroix ou Imitação de Cristo de Tomas de Kêmpis, num total de 49 volumes; no "Círculo de Poesia", servem de exemplo Fidelidade de Jorge de Sena, O Sangue, água e o vinho de Pedro Tamen ou O Espelho do Invisível de José Terra, perfazendo a colecção 33 títulos; na colecção "O Tempo e o Modo", temos, entre 36 publicações, O Personalismo de Emmanuel Mounier (tradução de João Bénard da Costa), Ao Encontro da Palavra de Manuel Antunes, Inquérito ao Marxismo de Pierre Fougeyrollas ou A Pessoa e o Bem Comum de Jacques Maritain; nas "Encíclicas", a série A agrupa documentos de João XXIII e a série B textos de Pio XX; em "O Pensamento da Igreja", inserem-se VII volumes, incluindo-se aí títulos como O problema da economia à luz da mensagem franciscana do Cardeal Montini, Tolerância e intolerância religiosa do Cardeal Lercaro ou As "misérias" da Igreja do Cardeal Cerejeira; da colecção "Água Viva" constam três exemplares: Os dias do Senhor , Diário íntimo e outros escritos de piedade de S. S. João XXIII e O Senhor. Meditações sobre a Pessoa e a Vida de Jesus de Romano Guardini; em "História de hoje" encontramos onze livros de incidência político-social; na colecção "Convergências", constituída por dez títulos, constam nove sobre Teilhard de Chardin; e a série "Temas e Problemas", que aborda, à época, assuntos de grande interesse social.
Reagindo a um contexto de "mal-estar geral, e não localizado" (1, 1963), a revista O Tempo e o Modo , que cumpriu a intenção primígena entre 1963 e 1967 na "angústia da influência" da revista Esprit e de Emmanuel Mounier, permite-nos colher, v. g. , no seu nº 22, de Dezembro de 1964, o ensaio perplexo de admiração do católico Eduardo Lourenço "Desconcertante Agustina". Mas não importa que nos alonguemos aqui em busca do perspectivismo que procuro, uma vez que tal trabalho se encontra levado a cabo na revista Lusitania Sacra (1994), do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, com que abrirei o próximo parágrafo que deverá ser conectado a este. Realce-se, sempre, o papel fundamental de António Alçada Baptista na animação da revista e, já agora, na Moraes.
A revista Lusitania Sacra (II Série) do CEHR da UCP nasceu em 1989 e tem vindo a publicar, desde aí, importantes monografias sobre a Igreja e a sociedade portuguesa. Nessas incisões, a Lusitania nº I (1989) aborda a temática "Igreja e Sociedade em Portugal no Século XIX"; a nº II (1990), o "Pensamento e Obra do Cardeal Cerejeira. No Centenário do seu Nascimento"; a nº III (1991), "Portugal e a Reforma Católica / Catolicismo e Liberalismo"; a nº IV (1992), "Estudos de História Medieval"; a nº V (1993), "Jesuítas na Cultura e Sociedade Portuguesa"; a nº VI (1994), "Igreja e Sociedade Contemporânea"; a nº VII (1995), "Confrarias, Religião e Sociabilidade: Séculos XV a XVIII"; a nº VIII-IX (1996/1997), "Problemática Religiosa no Portugal Contemporâneo" ; e a nº X (1998), "Cristianização na Época Medieval".
Ora, a revista VI, sob o tema aglutinador referido, contém um importante estudo de Nuno Estêvão Figueiredo M. Ferreira - que é um trabalho de Licenciatura em Teologia -, sobre O Tempo e o Modo. Tal publicação (pp. 129-294), intitulada "O Tempo e o Modo. Revista de Pensamento e Acção (1963-1967): repercussões eclesiológicas de uma cultura de diálogo", servir-me-á de validação ao breve trabalho analítico efectuado e que aparece aqui como defluência do anterior parágrafo. Assim, é indubitável que O Tempo e o Modo , criada em 1963 como final de um processo iniciado em 1958 com o objectivo de agir a partir dum "humanismo interventor" com "um novo modo de olhar com atenção, ouvir e pesquisar com humildade, denunciar sem compromissos e concluir com falibilidade" (1, 1963), é um incontornável meio cultural de diálogo entre católicos e não católicos e a sociedade da década de 60, nela se encontrando inscritas, de forma viva, as problemáticas eclesiológicas mais candentes, como, por exemplo, a interacção da Igreja com a dimensão cultural, a prática política dos católicos, a recepção do ateísmo ou o apostolado laical, que constituem sinda hoje fonte de importantes debates, afirmando deste modo a actualidade dessas perplexidades no seio da Igreja e da sociedade civil. Aliás, António Alçada Baptista, em texto intitulado "No Primeiro Aniversário" fala de um ambiente sociocultural epocal em que predominava "uma grande ansiedade dispersa e uma energia não localizada em toda a vida portuguesa" (12, 1964), havendo, por isso, necessidade de criar uma estruturante mesa-redonda onde se dirimissem perspectivas que não encaixassem, por exemplo, no regime político de direita e no domínio opressivo da intelectualidade de esquerda: o diálogo pretendido, sem marginalização de participantes, indemne a confessionalismos ou a concretos partidos políticos, mas certamente enformador de ideários, seria, pois, a forma cultural interventiva e superadora da tipificada "inquietação inactiva" (1, 1963). A polémica acerada nasce com a revista e com o debate nacional sobre a verdade prática da Arte, nomeadamente a partir da secção "Artes e Letras", onde perpassam as críticas de Manuel Poppe a Agustina Bessa Luís (O Manto) ou de Ramos Rosa a M. S. Lourenço (O Dodge), as inferências da publicação do artigo de Vergílio Ferreira "Da Responsabilidade Artística" (3, 1963) com os ecos da discussão do romancista com Alexandre Pinheiro Torres sobre o neo-realismo, os desencontros ideológicos ou a certeza dos escritores católicos de que alguns nomes importantes do mundo literário estavam desvalorizados (Ruy Belo, Vergílio Ferreira, Agustina, Jorge de Sena...), marcando-se sempre, com este projecto, uma autonomização do temporal indiciador dum modelo eclesiológico.
Escreveram textos com incidências eclesiológicas em O Tempo e o Modo nomes como os de João Bénard da Costa, Nuno de Bragança, Alçada Baptista, Manuel Martins, M. S. Lourenço, Vasco Pulido Valente, D. Hélder da Câmara, Jorge de Sena ou Vergílio Ferreira.
O Jornal da Beira (Viseu) inicia a década de cinquenta com direcção do Cónego Manuel Lopes Correia. Com abundante interacção com o mercado livreiro, serão abundantes os anúncios a novos títulos ou a obras convenientes, até porque o jornal católico era e é também livraria e depositário de publicações (Alexandre Lobo: antítese de Alves Martins, de J. Henriques Mouta, ou um rol de obras de Augusto Dias terão anúncios recorrentes durante alguns números). Reflecte ainda o Jornal da Beira um conjunto de conexões com o tecido social, seja na vertente religiosa, seja na dimensão amplamente cultural, num dialogismo sociológico não detectável em toda a imprensa católica.
A colaboração de leigos é aceite e abundam sonetos, de autoria feminina, com apreciável domínio técnico ("Reis Magos", de Maria Natália Miranda, escritora que viria a publicar autonomamente e a colaborar por diversas vezes: 6.01.950, nº 1506; "Prece", de Julieta Leite Barreiros: 24.02. 950, nº 1513), embora de ostensivo gosto apologético. Tal apologetismo é mais evidente nas criações poéticas, adentro do lirismo sentimental, de jovens seminaristas, que, mostrando uma apreciável densidade lexical e até um bom domínio técnico-formal (é o caso do poema de onze quadras intitulado "Na Despedida" do seminarista António Ferreira Marques dedicado, em homenagem, ao Senhor D. Policarpo da Costa Vaz, no Seminário de Fornos, que revela um inusitado classicismo: 5 de Maio de 1950, nº 1523; ou destoutro, assinado com as iniciais F. M. e com o nome "À memória do Seminarista António Henriques Gonçalves", que revela um academismo e um vernaculismo por vezes surpreendentes: 1 de Dezembro de 1950, nº 1553), propendem, na maior parte das vezes, para uma arte de difícil convalidação. Diga-se ainda que esta literatura apologética criava pontualmente um espaço de dialogismo, como acontece, por exemplo, entre o poema do seminarista supramencionado e a resposta de sublimação lírica "Em resposta ao seminarista" da reincidente colaboradora Julieta Leite Barreiros (18 de Maio de 1950, nº 1525), que voltará, meses volvidos, por exemplo, com "Assumpta! ... et beatam me dicent omnes generationes" (10 de Novembro de 1950, nº 1550), ou então, ao contrário, fomentava uma certa refracção, como acontece, por exemplo, com o poema em latim do também reincidente Ferreira Marques: "Inquietum est cor hominis, donec requiescat in Deo", 30 de Março de 1952, nº 1570. Outros tentames existem, de menos evidente circunstancialidade, embora atento à efeméride religiosa local e nacional, como é o caso do pervivente e tradicionalista poeta, ainda vivo, Flávio de Gouveia Osório, com "Rubis" (29 de Junho de 1950, nº 1531) ou "Benvindo Sejas" (4 de Agosto de 1950, nº 1536).
A propósito do 3º Congresso Internacional de Imprensa Católica, o JB , sob o título "A Imprensa Católica perante a opinião pública ao serviço da Verdade, da Justiça e da Paz" (21 de Abril de 1950, nº 1521), exalça as palavras do Santo Padre segundo as quais a opinião pública tem uma grande importância, significando a sua ausência uma doença da vida social só entendível na privação da liberdade, sendo, no entanto, sempre um desconcerto moral e uma humilhação para leitores e jornalistas. Mais acrescenta dizendo que a opinião pública era então um eco quase inaudível, sujeitando-se os homens, nesse estado de conformidade, às esmagadoras "organizações gigantescas" e a serem semelhantes a "canas agitadas pelo vento": estaria a maioria dos homens apta para julgar e apreciar os factos e as tendências na sua justa medida?
O número seguinte, de 28 de Abril de 1950, retoma o tema da imprensa católica e continua o texto anterior, referindo que o tecnicismo e a especialização oprimem, devendo cada lar católico receber o jornal católico - pense-se na só aparente disjunção com a opinião de D. António Ferreira Gomes, passados quase vinte anos -, uma vez que a imprensa católica tem por função servir utilmente, com competência, cultura filosófica e teológica, dons de estilo e tacto psicológico, bem como carácter, isto é, "amor profundo e inalterável respeito pela ordem divina que abraça e prevalece em todos os domínios da vida; amor e respeito que o jornalista católico não deve contentar-se com sentir e alimentar no segredo do próprio coração, mas cultivar no dos seus leitores." O publicista católico, adverso ao servilismo mudo e à crítica desenfreada, defenderá a justa liberdade de pensar, à luz da lei divina, sem exaltação e sem mentira.
Na fé da asserção da última frase se estenderão os comentários, abundantes a partir da década de 50, às narrativas fílmicas da dita "Sétima Arte" com presença no cinema da cidade de Viseu, salientando-se aqui, na coluna das "Fitas Anunciadas", o comentário ao filme "O Retrato de Dorian Gray" de Albert Lewin (1945-USA), baseado no homónimo romance de Oscar Wilde: "Tolerável para adultos de sólida formação moral." (7 de Julho de 1950, nº 1532) Tal "modo de ver" parece entrar em contradição, se de facto interessa falar de moral (que moral?), com o elogio fúnebre a António Botto (um "imoral") em 1959 (no próprio jornal ou no equipolente Notícias de Viseu) e o esquecimento votado a Judith Teixeira (uma "imoral" nascida na cidade e autora de umas quantas composições poéticas dignas de figurarem numa antologia da poesia religiosa...).
No exemplar nº 1732 de 14 de Maio de 1954, sob o motivema titular "A missão do jornalismo e do jornalismo católicos", Monsenhor Montini, nesse desígnio, refere como necessidades o tratar-se de um instrumento de qualidade, tecnicamente eficiente; a mestria na arte de falar à opinião pública; o valor autêntico; o ter o sentido e o amor da Igreja, o servir a verdade católica desmascarando sem medo o erro, o apostolado pela pena e a propagação dos ensinamentos da Igreja, bem como a secundação das suas directrizes.
Relativamente à crítica literária e à interpenetração do literário com o religioso, um Henriques Mouta, em espaço editorial denominado "Homenagem a Guerra Junqueiro", não concordando, não obstante ter morrido resipiscente, com a publicação das obras completas do escritor (obra, segundo Mouta, potenciadora, com as suas infiltrações ideológicas, do materialismo e do ateísmo, pletórica de dinamite, sectarismo degradante, pessimismo demolidor e perverso satanismo), expende, a fim de ressalvar a sua tese pro memoria , o seguinte acto judicativo: "Porém, Guerra Junqueiro reconheceu que se tinha enganado (...); mas o seu resgate final é a sua melhor lição e a que torna a sua memória credora da nossa simpatia e de uma sincera homenagem." (22 de Setembro de 1950, nº 1543). O mesmo Mouta, ainda em destaque editorial, sob a titulação "Junqueiro era ... Guerra, João era... de Deus", destrinça opositivamente o homem e o Santo. (20 de Setembro de 1950, nº 1547) Neste contexto do "memória sim e pouco mais" relativamente a Junqueiro, na coluna "Ecos & Factos", arquivam-se as significativas e evocativas palavras do Dr. Carlos Moreira - importante evento para o aferimento da recepção literária no meio católico e das feridas não saradas-, na Assembleia Nacional, sobre a projectada publicação de uma junqueiriana antologia para a juventude:
"Antologias morais e patrióticas?
Façam-nas com Fernão Lopes e Garcia de Resende, Sá de Miranda e João de Barros, Gil Vicente e Camões; com Rodrigues Lobo e D. Francisco Manuel de Melo, Frei Luís de Sousa e os Padre António Vieira e Manuel Bernardes; com Frei Heitor Pinto e Frei Tomé de Jesus; com Garrett e Herculano; com João de Lemos e João de Deus, com António Sardinha e Afonso Lopes Vieira e tantos outros, louvado Deus, tantos outros!" (22 de Dezembro de 1950, nº 1556)
Dentro de uma também certa marginalização literária encontramos Aquilino Ribeiro, que, neste jornal, segundo o perfil traçado pelo Prof. Doutor Lopes de Almeida, demonstra uma clara ignorância documental, sendo de lamentar que um "nome que nesta altura de vida poderia ser respeitável ao comum das gentes, mereça apenas de todos nós a caridade de o deixar sobreviver literariamente." (19 de Dezembro de 1952, nº 1659)
No sentido de se fixar um gosto literário inconfutável dentro da economia católica, refira-se ainda terem sido usados, neste JB da década de 50, entre outros, trechos e textos de Frei Tomé de Jesus (Trabalhos de Jesus), "A Ceia" ou "O Último Golpe da Lança" de Gomes Leal, "O Divino Pastor" de António Correia de Oliveira, "Pastor Bom" ou o belíssimo "Crepúsculo", entre imensas possibilidades, de Gouveia Osório, "Tardes da Beira" de Maria Natália Miranda, "Mística Campesina" de R. Canto e Castro, Jr., "Noite de Natal" de António Gomes Beato, uma carta de agradecimento de S. M. a Rainha D. Amélia de Orléans e Bragança a Branca de Gonta Colaço pelo texto "Beija-mão da Saudade", do Dr. Carlos de Lemos (ilustre director da revista "Ave-Azul, 1899-1900), do Dr. José Coelho, o soneto "O Sonho de Sagres" do P.e Tavares Ferreira...
No conjunto de materiais analisados da segunda metade de centúria do século passado, de diferente etiologia, como se viu, é comum trazer-se para primeira plano, num mediatismo nunca controlado, a conversão de figuras da vida intelectual , mesmo que tal não possua actualidade histórica. Numa reflexão assinada com a inicial A., sob a denominação "Três Caminhos", destaca-se a opinião do escritor belga Van Der Meersch, que defende que "para o homem só há três caminhos possíveis: ser um crente sincero, um canalha confesso ou não, ou um homem honesto, céptico e desesperado." (10 de Novembro de 1950, nº 1550) Duas semanas depois, na coluna "Ecos e Factos", a propósito da conversão de António Júdice, relembra-se a resipiscência de Gomes Leal, que, por esse motivo, para alguns, passou de genial a doido (24 de Novembro de 1950, nº 1552), não deixando de haver quem pensasse o contrário. No exemplar do 1º de Dezembro desse mesmo ano, António Júdice, sob a intitulação "Depoimento dum Intelectual", explica a sua adesão ao marxismo e a repulsa dele.
A perspectiva católica está ainda presente na imprensa laica de grande circulação, sendo exemplo disso a crítica literária de A. Bandeira, Guedes de Amorim e António Quadros n' O Século Ilustrado , nas décadas de 50 e 60.
2.4. EDITORAS DA IGREJA OU COM ELA RELACIONADAS
Sem norte especial, apresenta-se uma desordenada listagem de editoras dependentes da Igreja ou que com ela mantiveram ou mantêm relações preferenciais. Assim, encontram-se:
- Livraria Apostolado da Imprensa, Editorial A. O. de Braga (ex.: Quando o Mistério Alumia, de Leite Barreiros, 1980 - na inscrição de um puro lirismo à maneira de um Agostinho da Cruz ou de um Diogo Bernardes), Moraes Editora (que vimos atrás), Editora Pax (ex.:Desencontros, de Sílvio Macedo, 1980 - literatura de sentido humano), Edições do Templo do nosso conterrâneo e já citado poeta José Valle de Figueiredo (ex.: Introdução à Política, de António Marques Bessa e Jaime Nogueira Pinto), Edições Delraux, Literal, Editorial Resistência (ex.: A Dez Anos da Morte de José Régio, com testemunhos de Orlando Taipa, Paulo Ferro, Joaquim Pacheco Neves, Sant'Anna Dionísio, Amândio César, António de Navarro, Soledad Summavielle, Isaura Correia dos Santos, Mário Mota e António de Oliveira Coelho), Intervenção (ex.: Portugal no ano 2000, com depoimentos de Alçada Baptista, António Barreto, Marques Bessa, Sousa Franco, Borges de Macedo, Silvério Marques, Lucas Pires, Barrilaro Ruas, Guedes da Silva e Jacinto Simões), Editorial Verbo (ex.: Literatura Portuguesa, de João Mendes), Livraria Cruz (ex.: O Bispo na Igreja , de Pierre Marie Théas, Braga, 1960), Edições Paulistas (ex.: As Cartas, de Santo Inácio de Antioquia, ou Comunicação Audiovisual, de Christian Pagano, 1971, que, na terceira parte, contém os seguintes capítulos: Cap. I - Da Inter Mirifica à Communio et Progressio; Cap. II - Communio et Progressio; Cap. III - Sinopse da posição da Igreja através dos tempos em relação aos meios de comunicação social), Edições Itinerário (ex.: O Dia em que Cristo morreu, Porto, 1960), União Gráfica (ex.: História do Povo de Deus , Lisboa, 1959; Na Forja do Amor , 1960, de Luísa Guarnero; ou Na Senda da Poesia , 1969, de Ruy Belo, poeta que, em 1966, era chefe do serviço de edições), Livraria Sampedro (ex.: "Doutrina Social da Igreja", de Mons. Émile Guerry), Editora Salesiana (ex.: A Filosofia ao encontro da Religião, de Amado Masnovo, Lisboa, 1960), Editorial Perpétuo Socorro (ex.: Amor e Alegria , de António Martins Alves, Porto, s.d. (1980?) ou Iniciação ao Evangelho, de A. M. Roguet, Porto, 1980), Instituto Secular Nossa Senhora da Anunciação (ex.: Paulo VI, o construtor da Igreja do Futuro, Porto), Editorial Franciscana (ex.: A Literatura Infantil em Portugal, Braga, 1981), SNAL-Secretariado Nacional para o Apostolado dos Leigos (ex.: Os Congressos Católicos em Portugal, de Pinharanda Gomes, Lisboa, 1984), Cidade do Imaculado Coração de Maria (ex.: O Impressionante Segredo das Almas do Purgatório, de Irmã Emmanuel e Maria Simma, Fátima, 1999), Edições Didaskália (ex.: Em Nome de Deus Pai, que reúne um conjunto de respostas sobre a busca do nome de Deus, em organização da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa), Telos (ex.: Resistência Católica ao Salazarismo-Marcelismo de José Geraldes Freire, 1976), Sòdilivros de Portugal (ex.: Presença e Missão de Elisário de Sousa, 1998), Rei dos Livros (ex.: P. Joaquim Alves Correia - Ao Serviço do Evangelho e da Democracia de Francisco Lopes, 1996), Instituto Superior de Serviço Social / Multinova (ex.: Honorato Rosa - A Dignidade Humana, 1996), Multinova (ex.: D. António Ferreira Gomes - Nos 40 anos da Carta do Bispo do Porto a Salazar, 1998), Gráfica de Coimbra (ex.: Memórias de um Bispo de D. Manuel de Almeida Trindade, 1993), Centro de Estudos de História Religiosa da UCP (ex.: a revista Lusitania Sacra e as colecções "História Religiosa: Fontes e Subsídios" e "Estudos de História Religiosa"), Centro de Reflexão Cristã (ex.: Revista Reflexão Cristã) ou a Associação de Teologia e Cultura Cristã (ex.: Communio. Revista Internacional Católica).

2.5. O CATÓLICO QUE É ESCRITOR E O ESCRITOR CATÓLICO
A linhagem de escritores e intelectuais católicos é abundante e qualificada: Camilo, Régio, Domingos Monteiro, António Quadros, Nuno de Sampayo, Joaquim Braga, Guedes de Amorim, Francisco Costa, Manuel Campos Pereira, João Bigotte Chorão, António Manuel Couto Viana, José Valle de Figueiredo, Sant'Anna Dionísio, A. Álvaro Dória, Eduardo Brazão, Domingos Mascarenhas, António Brásio, João Ameal, Pinharanda Gomes, Torquato de Sousa Soares, José Pequito Rebello, Henrique Barrilaro Ruas, Leonardo Coimbra Filho (Para uma Política Social Cristã , Porto, 1969), Sant'Anna Dionísio, Amândio César, António de Navarro, Soledad Summavielle, João Mendes (jesuíta crítico, historiador e teorizador literário), João Maia, Alves Pires (jesuíta crítico-literário), Nuno Peres, Nuno Portas, Nuno Bragança, Luís Sousa Costa, Pedro Tamen, Alberto Vaz da Silva, M. S. Lourenço, Cristóvão Pavia, José Escada, Mário Murteira, Manuel Braga da Cruz (ex.: O Estado Novo e a Igreja Católica , Lisboa, Bizâncio, 1998), José Carlos Seabra Pereira, Mário Cláudio, Rodrigo Emílio, José Valle de Figueiredo ou José Tolentino Mendonça (sacerdote escritor-poeta, Baldios, com presença mediática no extinto CNL) serão aqui mera exemplificação.
No entanto, apercebo-me, um tanto no sentido que Henrique Barrilaro Ruas preconizou em Cidade Nova, ou seja, o escasso valor estético-literário de grande parte das obras de escritores católicos, temendo mesmo que tais incursões missionárias na arte ou na crítica forneçam armas aos que defendem a inconciliação entre a intenção religiosa e a arte poética, devendo tal caminho ser seguido apenas pelos grandes poetas e escritores.

2.6. REALIZAÇÕES CATÓLICAS E COMUNICAÇÃO LITERÁRIA
Os congressos e jornadas de reflexão são importante fonte para a definição do pensamento católico e da sua acção de intersecção na cultura. Eis alguns eventos que terão contribuído para essa evidência, procurando eu salientar, sem despropositada "mundanal afeiçom", homens e ocorrências mais próximos de nós - como se qualquer tangibilidade pudesse ser um mero fenómeno geográfico!...
a) Nos Congressos Católicos - exaustivamente tratados na obra de Pinharanda Gomes, Os Congressos Católicos em Portuga , Lisboa, SNAL-Secretariado Nacional para o Apostolado dos Leigos, 1984 - destes últimos 50 anos, passaram nomes como os de Francisco Costa, Moreira de Sá, Joaquim de Carvalho, Ferrand de Almeida, Francisco de Sá Carneiro, Guilherme Braga da Cruz, Augusto Vaz Serra, Maria de Lurdes Pintasilgo, Reinaldo dos Santos, Pierre David, Avelino de Jesus da Costa, Miguel de Oliveira, Paiva Boléo, Diamantino Martins, João Bénard da Costa, José Felicidade Alves, Mário Martins, Júlio Fragata, Arlindo Ribeiro da Cunha, Nuno Teotónio Pereira, Fernando Távora, Manuel Carrilho, Marcelo Caetano, Adriano Moreira, Delfim Santos, José Sebastião da Silva Dias, Veiga Simão, Bento Domingues, António Ferreira Gomes, Raul Rego, Agustina Bessa Luís, Luís Archer, Flórido de Vasconcelos, Daniel Serrão, Manuel Lopes de Almeida, Afonso do Paço, Joseph Piel, Sousa Franco, Joel Serrão, Xavier Pintado, António José Barreiros, Amadeu Torres, Veríssimo Serrão, Laranjo Cordeiro, Jorge Borges de Macedo, Teresa Coelho, Alfredo de Sousa, Maria de Lurdes Belchior, Fernando Cristóvão ou José Mattoso. Ecos destas realizações e destas presenças, de acordo com os errores das actividades, poderão ser colhidas em títulos como A Ordem (Porto), Brotéria (Lisboa), A Guarda (Guarda), Lumen (Lisboa), Voz de Lamego (Lamego), Novidades (Lisboa), Notícias da Covilhã (Covilhã), Diário de Minho (Guarda), Encontro (Lisboa), Mensageiro de Bragança (Bragança), Acção Católica (Braga), Reconquista (Castelo Branco), O Distrito de Portalegre (Portalegre), Estudos (Coimbra), Itinerarium (Braga), A Defesa (Évora), Beira-Alta (Viseu), Laikós ou O Arauto (Santo Tirso).
b) Círculo de Estudos Sociais Vector, que, no "VII Congresso Nacional", realizado em Aveiro, entre os dias 25-27 de Abril de 1980, sob o tema aglutinador "Portugal: Anos 80", e no sentido de acompanhamento da contemporaneidade, compreende comunicações dedicadas a temáticas de grande incidência na cultura portuguesa contemporânea: "Meios de Comunicação Social", pelo Dr. Barradas de Oliveira; "A revolução telemática", pelo Eng.º Manuel de Barjona Weinholtz Bívar, e "Criação e comunicação: o fenómeno artístico", por António Lopes Ribeiro.
c) Encontros "Fé e Cultura" , realizados em Coimbra, de que são exemplo o XVI, sob o tema "Apocalipse hoje (Estamos a chegar ao fim do mundo?)" (8 de Março de 1997), ou o XVIII, subordinado ao aglutinador "A Cultura Portuguesa e o Preconceito Religioso" (13 de Março de 1999).

2.7. POSIÇÕES INDIVIDUAIS DE ESCRITORES E INTELECTUAIS
Serve de exemplo o acervo de informações que Mário Sacramento fornece no seu Diário (Porto, 1975) e que é um resumo subjectivo do embate da Igreja Católica com os pensadores leigos:
p. 33- <<(1967) Julho, 3 - Ouvi ontem no Porto, em casa do B. A., a gravação duma conferência e colóquio efectuados no Círculo Católico do Porto pelo Prof. João Maia, do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, de Lisboa, sobre a Constituição Conciliar Gaudium et Spes. Notável, quer pelo desassombro, lucidez e objectividade, quer pela fluência, poder de argumentação, autenticidade. Como sempre, ainda há grandes homens neste pobre País! Só que são britados pela tacanhez acomodatícia dos demais. Além da competência, que é flagrante, pressente-se-lhe a qualidade dum autêntico homem público, capaz de liderar as massas católicas. Mas há que ter presente que o progressismo católico é minoritário e irá sendo inibido ou conduzido pelas manobras da hierarquia. Embalde se opõe ao projecto dum Partido Católico Conservador, que os Cursos de Cristandade estão preparando. A unidade com o progressismo católico, quer na luta quer no triunfo, tem de ser iniciativa hábil e perene da esquerda socialista. Perder isso de vista é naufragar. >>
p. 221- << (1968) Março, 23 - O Centro Católico de Águeda promoveu uma série de colóquios culturais, tendo-me convidado e ao Denis Jacinto, entre outros. Por sugestão deles, fiz uma "Introdução a Fernando Pessoa", em que colaborou o José Carlos de Vasconcelos, que leu os poemas. Bom ambiente e bom diálogo, no final. E uma excelente casa, com admiráveis condições para outras iniciativas. O Bispo aconselhou prudência, quando foi ouvido...>>
p. 232- << (1968) Abril, 12 - O jornal da Diocese sempre deu um arzinho da sua graça sobre a conferência no Centro Católico de Águeda. É preciso semear o granito, dê que não dê fruto!>>
p. 233 - << (1968) Abril, 19 - Colóquio sobre teatro, no Centro Católico de Águeda, com o Denis Jacinto. Que belo "moço"!>>

É ainda interessante a perspectiva de Maria Joaquina Nobre Júlio, ao trabalhar, na sua tese de doutoramento em Teologia, intitulada "O Discurso de Vergílio Ferreira como questionação de Deus", a perquirição incessante e questionante de Deus por um escritor canónico e comummente reconhecido. Aliás, a mesma investigadora e especialista vergiliana, na obra didáctica Subsídios para uma leitura de "Memorial do Convento" de José Saramago (1999), depois de, no prefácio, ter explicado a razão da sua obra (estranhamente sentida por muitos "vergilianos", até pelo manifesto mau relacionamento entre os dois romancistas), no VIII e último capítulo ("José Saramago e o statu quo nacional e internacional") aborda a questão religiosa. Diz Nobre Júlio: "José Saramago é muito crítico em relação à religião, sobretudo em relação à religião institucionalizada na Igreja Católica." (p. 132) No entanto, a crise relacional agudiza-se com a "leitura libérrima" dos Evangelhos n' O Evangelho segundo Jesus Cristo , onde avulta uma figura de Deus sedenta de sofrimento e fonte do mal; e continua com o comunicado do Vaticano que verbera a atribuição do maior prémio literário a um "ateu e comunista inveterado". Pensa Nobre Júlio que o ateísmo de Saramago exige um elevado teor de religiosismo e que as instâncias eclesiásticas, nomeadamente as católicas, "fomentam muitas vezes "a discórdia, alimentam a ignorância dos crentes, preocupam-se com o inessencial, o secundaríssimo" (p. 135). Daí, conclui a senhora, haver tantos ateus, sendo um deles, de acordo com a sua dignidade intelectual e a sua consciência ética, José Saramago, um escritor para quem a religiosidade é "uma atitude de respeito, de reverência e de estranheza perante o mistério que nos envolve". Pode nem ser assim, mas, de facto, Saramago, que é, sem dúvida, um bom escritor, soube aproveitar todas as exorbitâncias a seu benefício, sinal de que a Igreja, neste particular, nem sempre agiu de forma avisada.

2.8. LIVRARIAS RELIGIOSAS
No contacto tido com algumas livrarias religiosas, nota-se que existe um critério de selecção de livros e publicações, que, assentando na leitura diagonal e au vol de l' oiseau, quando não estribado no pretenso conhecimento autoral, é muitas das vezes falível e destituído de justeza. Desta forma, na livraria religiosa só tem lugar de destaque ou de fácil acesso o livro conveniente , inquestionável, aparecendo quase sempre em lugar mais recôndito e reservado às publicações "menos próprias". Em artigo publicado no Público/Leituras, em 21 de Agosto de 1990 (p. 10), Vasco Câmara, sob o título "Livrarias religiosas: o mundo fechado na oração", como que corrobora a nossa breve perquirição neste âmbito. A dado passo, o articulista refere a posição de Frei Mendes de Oliveira da livraria "Verdade e Vida" relativamente à escolha e exposição dos livros: "A Pécora de Natália Correia, por exemplo, ficou logo no escritório, porque, se não, chegava aqui uma pessoa e ficava escandalizada. Ela escreve muito bem, mas, sob o aspecto religioso, é uma obra deformativa. É também o caso de Gente Feliz com Lágrimas de João de Melo, que tem algumas passagens chocantes. Mas não recusamos a venda. Ainda há dias veio um senhor bispo que o comprou."
Tal convívio complacente e até colaborante é ocasionalmente perturbado por medidas repressivas ou intolerantes. No texto a que acima aludimos, retrata-se o caricato de uma livraria religiosa açoriana, segundo a distribuidora Multinova, ter pago e queimado livros da editora brasileira "Vozes", que, não sendo transmissão da Teologia da Libertação, não continham o desactualizado imprimatur . Em contraponto, e em matiz editorial, relembremos as iniciativas de oposição ao regime salazarista que foram a acção do grupo "Tribuna Livre" (por exemplo, o encontro desses padres, no Entroncamento, entre 24 e 26 de Novembro de 1969, e as cartas daí resultantes ao Cardeal Cerejeira) e a publicação do Boletim Anti-Colonial, do Direito à Informação ou dos Cadernos Gedoc, com as consabidas incursões da PIDE. Nesta luta inclui-se ainda a actividade da cooperativa "Pragma".
Exemplos de livrarias da tipologia das supramencionadas são as do "Jornal da Beira" (Viseu), a "Salesiana" (Évora), a "do Santuário" (Fátima) ou a "de S. Paulo" (Porto).

2.9. MEDIATIZAÇÂO E VIDA LITERÁRIA
O padre João Maia (1923-1999) recebeu o Prémio "Antero de Quental" pelo livro Abriu-se a Noite (1954). Manteve crónica semanal na Rádio Renascença, sob a designação de "Textos e Pretextos" - título este que viria a servir para um livro publicado em 1989 -, foi membro do conselho redactorial da Brotéria, revista esta onde se notabilizou com a secção "Crónica de Poesia" e também devido aos cerca de 360 textos aí publicados.
Também jesuíta, o sinólogo, historiador e poeta Benjamim António Videira Pires (1916-1999), que se destacou em Macau pela publicação de mais de uma dezena de títulos, alguns dos quais traduzidos para japonês, era sócio-correspondente da Academia Portuguesa de História, sócio-efectivo da Academia de Marinha de Lisboa, fundador do Instituto Melchior Carneiro (Macau), onde seria agraciado com a medalha de Valor (1987), condecorado por Portugal com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1973) e com a comenda da Ordem Militar de Santiago e Espada (1996).

2.10. UMA CONCLUSÃO MAIS
Cumprido todo este trajecto de busca de conclusões e de exemplicações, nem sempre perto de Viseu e da sua circunstância, permanecem irradiantemente vivas e actuais as palavras consabidas de D. António Ferreira Gomes que defendia não haver necessidade de jornais católicos, mas antes de católicos nos jornais. Talvez a pacificação analítica comece nessa imagem (porque de uma imagem se trata) e nessa necessidade. No entanto, velhas feridas que ainda supuram não permitem para já uma visão totalmente apaziguada: como esquecer aquele grito - que, como um livro de Kafka, nos faz pestanejar -, do Pe. Mário de Oliveira, na guerra colonial da Guiné, perante os soldados ("Construímos a paz ou alimentamos uma guerra?"), e que o levaria ao banimento?!
A emergência de outros modelos eclesiológicos, diferentes dos do Episcopado ou mesmo da ACP, a partir da década de 60, sob o influxo, por exemplo, de O Tempo e o Modo, obriga a um tempo novo que se vem escrevendo. E, se calhar, será o mesmo diálogo o instaurador do novo paradigma eclesial...
Nesta perquirição apercebi-me de que existe uma constância doutrinal com relevos circunstanciais logo transpostos para a comunicação social de etiologia diversa. Na interacção do artefacto literário com os actos judicativos ético-religiosos ressuma uma tendente autonomização axiológica, sendo frequentes, na pragmática da literatura, legítimos e pertinentes assertos críticos por parte da Igreja (Junqueiro, Gomes Leal, Saramago,...) e refluxos discordantes, umas vezes exacerbando competências, outras "lendo convenientemente", outras ainda hiperagindo. Não posso deixar de referir aqui, pelo tom gostosamente sapiencial, as palavras do monge dominicano José Augusto Mourão no sentido de escutarmos, relativamente ao Evangelho Segundo Jesus Cristo , "a lei da tolerância como exercício de leitura" (Ler, Outono 1993, nº 24, pp. 72-75).
O perspectivismo católico na cultura contemporânea é uma presença irrefragável. Tal modismo tipifica-se: em primeiro lugar, na imprensa católica, onde se descortinam vultuosos arremedos literários; na imprensa laica de grande circulação, quase sempre em reacção a novos fluxos doutrinários ou a posicionamentos polémicos ou menos ortodoxos, quando não na mera presença noticiosa; no ensaísmo e na crítica, como o provarão as aduções do corpo do texto; e, por fim, na imprensa períodica estético-literária através da disseminação dos "agentes católicos".
A presença da Igreja no mediatismo da vida literária é mais reactiva do que funcional, não significando tal uma marginalização por sistema, havendo, pontualmente, uma repulsa. Ainda assim, sabe-se que existe uma controlada participação de "filhos da Igreja" em prémios literários e culturais. A visibilidade eclesial é mais notória, por exemplo, na organização e promoção de eventos comemorativos.
A criação literária não é domínio de ninguém e, relativamente ao criacionismo literário católico, diga-se que existem, em actividade, sacerdotes escritores, escritores católicos e católicos escritores, motivados uns pelo fogo da arte e outros pelo fogo da circunstância. A criação literária na imprensa católica, exogenamente accionada, com opção genológica pelo soneto e pelo lirismo apologético, sujeita-se a temáticas circunscritas ao panegírico, ao evento religioso e ao conveniente, contendo excepcionalmente colaboração convalidada em termos estético-literários, aí aparecendo muitas vezes trechos ou composições poéticas de autores consagrados escolhidos de uma qualquer selecta pelas redacções.
Os autores não religiosos (descrentes, agnósticos e ateus) abordam diferentemente a questão religiosa (inquietação existencial, ambiguidade figurativa de Deus, apriorismo do sagrado, sarcasmo analítico, dimensão ética...), sendo consabidos vários escritores que, ora professando um ateísmo problematizante, ora manifestando algum atrito com a espiritualidade católica e, particularmente, com a instituição eclesial, reflectem nas suas obras ou nas suas participações públicas uma especial aversão pela tradição sociocultural católica. Quase sempre a indagação de Deus entre os escritores nos conduz a debates sobre o transcendente e o sagrado.
A Igreja tem e teve ligações directas com editoras suas ou de interacção preferencial, saldando-se a promoção dos seus produtos e iniciativas pela discrição, sabendo de antemão, ou julgando saber, que o público-alvo é seleccionado e fiel, não havendo necessidade de grandes performances de marketing .
Na conclusão deste parágrafo, que é, afinal, a linha geodésica que permite a entrada num perspectivismo católico localista (viseense e beirão), apetece-me lembrar as palavras de Ruy Belo que sempre recriminou a crítica que não soube resistir à fácil tentação de transferir para a apreciação dos seus livros uma visão que dizia mais respeito à sua pessoa do que à sua poesia. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa (1956), doutorado em Direito Canónico pela Universidade de S. Tomás de Aquino com a tese "Ficção Literária e Censura Eclesiástica" (Roma, 1958), bolseiro de investigação da Fundação Calouste Gulbenkian de 1962 a 1968, licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1967), leitor de Português na Universidade de Madrid de 1971 a 1977, membro da Opus Dei de 1951 a 1961, dizia Ruy Belo, também tradutor e principalmente poeta: "...contarei que desconfio sempre dos meus leitores, que além de o serem, são católicos. Sempre penso que se estarão a sentir acompanhados, que aderem ao que e não ao como eu digo. Ora é no como que está principalmente uma obra de arte." (Na senda da poesia) Não deixava de ter razão o poeta de Boca Bilingue, com Deus perto de si como uma árvore.

2006-08-28

o teu corpo

nem ocaso nem sono nem cansaço
dentro da neblina que molha o corpo
teu.

2006-08-27

decisão

Ayrtha [aguarela]
a serpe ondeia no caminho
de que direito foges.

2006-08-26

A Poesia de António Pedro

retrato por Pribyl


Pertencendo a uma linhagem de poetas por assim dizer ultra-poéticos, para utilizar o apodo de Manuel Anselmo, António Pedro (1909-1966) é um nome forte e estranhamente deslembrado. Inserível em caminho trilhado por Almada Negreiros, Raul Leal, Mário Saa, António de Navarro e Grabato Dias, é António Pedro um dos mais interessantes e polifacetados vultos culturais do século XX, como acontece, aliás, com alguns dos escritores afins atrás mencionados.
António Pedro nasceu em 1909, em Cabo Verde, na cidade da Praia, vindo a cumprir estudos liceais no galego colégio jesuíta de La Guardia. Cedo se iniciando na exposição de trabalhos plásticos (1925) e no mundo literário (1926), o estro invulgar faz dele conferencista, desenhador, caricaturista, director de jornal, redactor, poeta, estudante de Direito, organizador de exposições, estudante de Ciências Histórico-Filosóficas, contista, galerista, militante no Movimento Nacional-Sindicalista de Rolão Preto, pintor, estudante no Institut d’ Arte et d’ Archéologie da Sorbonne, crítico de arte, redactor e subscritor de manifestos de arte, prefaciador de catálogos, novelista ou romancista, director de revista, jornalista, ensaísta, argumentista, tradutor, activista da candidatura à presidência da República do General Norton de Matos, cronista, ceramista, escultor, director artístico, encenador, dramaturgo e possuidor de outras capacidades que a memória esquece. Quem assim?
António Pedro morreu em Moledo do Minho, a 16 de Agosto de 1966, passaram há dias exactos 40 anos. A poesia de António Pedro, édita (“Os meus 7 pecados mortais”, 1926; “Ledo encanto”, 1927; “Distância”, 1928; “Devagar”, 1929; “Diário”, 1929; “Máquina de Vidro”, 1931; “A Cidade”, 1931; “Quási Canções”, 1932; “15 poèmes au hasard”, 1935; “Solilóquio mostrado”, 1935; “Canções e outros poemas”, 1936; “11 poemas de exaltação e o folhetim”, 1938; “Protopoema da Serra de Arga”, 1949) e inédita (por exemplo, o anunciado livro de 1962, “Quando já nem o coração se engana com música”, que era projecto de 1949 com o título “O Tédio Estéril”), é um fabuloso espaço de sedução quase intocado. Registo o oportuno resgate que Fernando Matos Oliveira cumpriu, em 1999, para a Angelus Novus, ao facultar ao público interessado uma modelar antologia poética.
Do livro dos vinte anos, “Diário”, escrito na cidade da Praia, retiro o “explicit” que é também a minha perplexidade: “…Apenas me sobressalta / não ver os mortos da sombra / que me fazem tanta falta!...”
Como faz falta António Pedro, que pela nossa cidade passou em exposição colectiva de cerâmica no ano de 1954…
[publicado no Jornal do Centro de 26 de Agosto de 2006]

2006-08-25

Transversalidade e dinamismo: problemática da fé e experiência cristã na Literatura Portuguesa

recensão publicada em Estudos .

A interacção entre a literatura e a religião na sociedade contemporânea portuguesa é indesmentível. Um signo se abre, no entanto, desde logo – o da necessária superação do velho olhar dissociativo entre domínios que, em propriedade, se entrecruzam e se afectam, manifestando nos objectos nomeados um modo constitutivo de repulsa ou de adesão. Não há, assim, quanto a este particular, criação literária neutra e semanticamente intransitiva.
Em perquirição por mar vasto, cedendo à tentação necessária de escolhas e exclusões, que outra via não havia , o estudo do Professor Doutor José Carlos Seabra Pereira é, a um tempo, lacunar e exemplarmente completo. Quaisquer tentames ensaísticos insertos na temática proposta e levados a cabo atè ao momento, penso terem ficado pela abordagem miúda, particular, generalizante ou amplificadora. Lembro, a propósito, pelo valor intrínseco e também exemplificativo das contingências apontadas, as obras de Zacarias de Oliveira (O Padre no romance português, Lisboa, União Gráfica, 1960) e de Álvaro Ribeiro (Escritores Doutrinados, Lisboa, Sociedade de Expansão Cultural, 1965) – nesta, refiro-me ao primeiro capítulo.
Abrindo a segunda metade do século xx na insolvência produtiva do inquietismo do Segundo Modernismo, é também com Moreira das Neves que melhor se tipifica o intimismo espiritual de experiência cristã. De facto, o escritor religioso que é Padre Moreira das Neves, poeta mais do que estimável desde a década de 30, aparece aureolado nessa dobragem com uma força tutelar. O Senhor D. Miguel Trindade Salgueiro vê nele, por 1953, um ser “iluminado de imagens poéticas”, constituindo-se cada livro seu como “asas de graça que desce de Deus e para Deus eleva” (Prefácio a O Anjo das Três Loucuras: Sílvia Cardoso do Padre Moreira das Neves).
Os “farrapos molhados de sangue” atirados ao papel pelo Padre Moreira das Neves apontam a força da fé e da experiência cristã como caminho de fulguração literária. Referindo-se a Dona Sílvia Cardoso, surte o exemplo do religioso: “Com sete espadas no coração / E sete cruzes pesando aos ombros, / Passou no mundo como um clarão / De luar de neve por entre escombros.” (op. cit., p. 145)
Tal irisação plasma-se indiciosamente, seis anos passados, na Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa (1959) de Maria Alberta Menéres e E. M. de Melo e Castro, pela abertura florilégica com poemas de Sebastião da Gama, adentro do canonismo cristão e católico (“Oração de todas as horas” e “Cristo”), logo avançando para o afim “Apontamento” de Vasco Miranda, pseudónimo do Padre Arnaldo Cardoso Ferreira, poeta e ensaísta que bem testemunha a experiência cristã na literatura portuguesa, seja pela faceta poética (reunida integralmente em Dizer, Amar (1946-1971), 1972), seja ainda pela colaboração diversa em jornais e revistas (Mundo Literário, Quatro Ventos, Árvore, Cadernos do Meio-Dia, Horizonte, Gazeta Literária, etc.).
Não denegando que só uma linguagem mitogénica permite os grandes conseguimentos poéticos, sabendo bem que, no sentido de Álvaro Ribeiro, as autênticas poesias “algo nos dizem da vida do espírito” (op. cit. , p. 19), Seabra Pereira encontra, no quadro das correntes literárias do primeiro quartel do século XX, a linha sobrevivente do espiritualismo religioso, que invade, sem transbordamento, a segunda metade secular. São exemplo da problemática da fé importantes composições de Mário Beirão, nomeadamente as contidas em Mar de Cristo (Lisboa, Portugália, 1957), servindo de suficiente exemplo, pelo inquietismo, a quadra do itálico e inicial soneto “Sobrevivente”: Sobrevivente sou; sobrevivente, / Por vontade de Deus, para cantar / Dum Povo, que se fez à noite e ao Mar, / A sua cruz e a sua glória ingente. Lembro ainda, no rasto do que é também obsessão criadora em Mário Beirão, os dois últimos versos do citado poema, que permitem aferir as confinações rituais e as interpelações produtivas do vate sobrevivente, num explicit que é também “profissão de fé messiânica” (Seabra Pereira): “Porque ajoelhas, humilde e transportado? / Porque o Espírito Santo é ao teu lado!”.
Mas não só. Para esta epistemologia da inquietação religiosa de gosto neo-romântico, traz ainda o ensaísta os nomes de Afonso Lopes Vieira, António Corrêa de Oliveira, António Sardinha, Manuel Ribeiro, Teixeira de Pascoaes e Anrique Paço d’ Arcos. Aduz também um descontínuo Américo Durão, que vai encontrando a sua legitimação literária na aproximação ao religiosismo, que, em propriedade, nunca abandonara, tanto mais que o tradicionalismo e a matização do simples se tinham vindo a impor cada vez mais desassombradamente, como o comprova a edição definitiva do Poema de Humildade (Lisboa, Sociedade de Expansão Cultural, 1964) e aquele desejo derradeiro de se chegar “cantando às mãos de Deus!”. Tal aproximação a uma vivência de espiritualismo católico, entronca – e isso foi codiciosamente entrevisto por Seabra Pereira – com a poesia de Fernanda de Castro, que, vinda de há décadas, persistentemente vaza a segunda parte do século apontando o encontro com Deus. “Encontrei Deus”, dirá a Poetisa, na debutante década de 50, pelo fim de Trinta e nove poemas (1952).
A casa mítica de Deus e da inquietação cristã é motivo de encontro e reencontro com um conjunto de escritores advenientes do Segundo Modernismo. Destacam-se José Régio e Miguel Torga. O primeiro, pese embora a admonição de Branquinho da Fonseca (“ergue a voz aos céus dum Deus que é ainda ele próprio ou que não sabe se existe ou o que é”), transporta consigo, desde as primeiras criações, “uma experiência religiosa nunca rejeitada” (Eugénio Lisboa), que irrompe pelo meio século com a força da inquietação gerada anteriormente, tudo fazendo crer tratar-se de um ser “visceralmente religioso” (Joaõ Marques). Aliás, na senda de Antero Pacheco Moreira (1926), César de Frias (1932), Augusto Pires de Lima (1942) ou Guilherme de Faria (1947), Régio (com Alberto de Serpa) antologiará um conjunto de textos tocados de fé, sob o anteriano título Na Mão de Deus (1958), o que é razão não despicienda para a afirmação de uma tendência. Álvaro Ribeiro (op. cit.), depois de afirmar que a preocupação teológica de Régio “está significante no título dos seus livros”, acrescenta que brilha na sua poesia “a verdade de que Deus é transcendente”.
Torga, por seu lado, “lavra a terra” num mundo seu incómodo e que, ainda assim, não foge ao “discurso teológico” (Fernão de Magalhães Gonçalves”), pese embora a súmula que Seabra Pereira encontra em Zacarias de Oliveira e que este respiga no poema do Diário VII “Não sei amar, ou amo o que me foge”.
Frisa ainda o ensaísta a centralidade de Vitorino Nemésio nesta adjunção da religiosidade literária, salientando no escritor açoriano a sua doutrinação integral que lhe permite a aproximação ao divino pela reflexão filosófica, pela revelação e pelo misticismo. Mas outras figuras, de “forte manifestação católica de crença peremptória e de devoção afervorada” (Seabra Pereira), aparecem convocadas: António Manuel Couto Viana ou Adelino Feijó Teixeira, e mais o padre salesiano Cassiano Nogueira Guimarães, o padre Horácio Nogueira, Miguel Trigueiros, Maria de Santa Isabel, Fernando de Paços, Joaõ Maia, S. J. e Nuno de Sampayo – este último, aliás, publicado como outros atrás pelas Edições “Critério” de Braga, manifesta uma elevação religiosa que interessa ver recordada: “Pousas na minha orla como um sopro, / É suave como a amada que não tenho, / Pleno como a pátria que não conheço, / E eu cresço como um choupo na Tua mão / E encho de flores brancas o Teu regaço.” (A Orla e o Tempo, 1956).
Outras e não menores nomes, por obra das qualidades ingénitas, são trazidos para o debate do augusto mistério da fé na literatura portuguesa : são casos exemplares, pela indenegável força canónica, os tavoleiros Sebastião da Gama e David Mourão-Ferreira. Da Távola Redonda ao Graal vai um lastro de catolicização e de alargamento do fluxo da fé literária, despontando vocações literárias ou afinando-se nexos criadores (A. Quadros, Goulart Nogueira, António Salvado, Herberto Helder, José Blanc de Portugal, Ruy Cinatti, etc.). Veja-se, por exemplo, como a reavivação do “caos do poeta” que Herberto Helder é passa, não obstante o tom problematizante, pela “empatia profunda e uma comunhão de sentidos entre as ideias que norteiam o livro bíblico” (J. Amadeu C. da Silva) e Os Selos.
Leitor íntegro, escutador atento e sensível, Seabra Pereira avança pelas décadas poéticas com a mestria de quem conhece os lindes de uma ética cristã e não se exime à formulação interpretativa. Tirando consequências, a hermenêutica seabrina corta década a década o tecido poético, gerando em cada encaixe novas interpretações e novos laços de fé. Não havendo leitura sem pré-conceito (Gadamer), e tal nota seria aqui dispensável, cito, sem particular norte, alguns passos luminosos a que não aludi na diacronia que interrompo: os dedicados a António Osório, a Pedro Tamen e a Ruy Belo; aos romancistas Francisco Costa, Ruben A. ou Vergílio Ferreira (como Cinatty, alvo de tese de doutoramento em Teologia); a Bernardo Santareno e a Agustina Bessa-Luís; a Rodrigo Emílio e a José Valle de Figueiredo; Mário Cláudio e José Saramago, etc.
Podendo notar-se algum desequilíbrio no espaço dedicado aos diferentes modos literários, diga-se que tal lacuna, nomeadamente no modo dramático, é prova de uma menor permeabilidade de certos géneros e subgéneros literários à problemática religiosa e de um certo desinvestimento estético. Quanto a omissões, diga-se que o alargamento da rede operativa, que tentacularmente avança e retoma a produção literária de cinquenta anos, não ganharia maior eficácia e mais elevado grau explicativo. Ainda assim, e assinalado o seu carácter despiciendo, afirmo que a completude carece de estudo mais sistemático e continuado dos agentes sociais de cultura (dentro e fora da fé), que poderão, por sua vez, encontrar ânimo para esta acariação, na avaliação de Frias Martins à década poética de 1974-1984, que evidencia nela o peso do imaginário e do léxico judaico-cristaõ. Lembre-se, a propósito, o caso de António Franco Alexandre, que, afirmando a fecundidade do texto bíblico (em Ave-Azul, por exemplo, e na própria obra), inscreve na sua modulação poética uma particular tensão produtiva, que assenta não só na ambiência vizinha da de Santa Teresa d’Ávila (cf. Moradas, 1987), como também na carnalidade teológica de “le tiers exclu, fantasia política” de Quatro Caprichos (1999). Avance, pois, quem quiser.
A literatura contemporânea ressuma ainda uma forte influência da Igreja. Parece certo, no entanto, que tal presença se foi esbatendo ou transmutando por outras vias. Dois casos assinalo que o parecem denegar, tanto mais que, tratando-se de homens da Igreja, são também importantes casos poéticos da década de 90: refiro-me a José Tolentino Mendonça, Reitor do Pontifício Colégio Português, e ao malogrado beneditino Daniel Faria. Este último, aliás, deixa-nos aquele convite à acção - a cristãos católicos e a desapegados de qualquer fé. “A porta mora à espera”, diz o poeta em Explicação das Árvores e de outros Animais (1998). É desta habilidade para sulcar a literatura que se afirma a transversalidade e o dinamismo de passos continuados e dispersos que cada vez mais urge coligir. A sábia e completa perspectiva de Seabra Pereira sobre a problemática da fé e a experiência cristã na literatura portuguesa é um importante avanço e um convite a novas investidas. Tire dela o leitor todas as vantagens e pense ainda acrescentar, com a sua vigilância, esta qualidade provisória.