2014-08-22

LIMIARES DA ESCRITA: Rodrigo Emílio, que amor não tarda – «As lágrimas ancoradas à sombra do amor» (1964)


LIMIARES DA ESCRITA:
Rodrigo Emílio, que amor não tarda – As lágrimas ancoradas à sombra do amor (1964)

Atrás da singularidade expressiva, e tal propensão era fortemente buscada, irredutível até, não abandona Rodrigo de Mello, Filho (que o pai era também alguém nas letras), depois Rodrigo Emílio, desde estas primícias, a condição dupla de esteta e de interventor sociopolítico permeado por uma axiologia de consanguinidade e de ideologema.
Não espanta, pois, o passo larvar inscrito nos paratextos: trata-se de um livro escrito no sangue, dedicado ao pai e ao seu exemplo de Mártir, de Mestre e de Guia, que lhe ensinara a ver na Poesia a redenção da Vida, bem como, e principalmente, a João de Castro Osório, Mestre, Amigo e Guia, e «à trágica genialidade da sua escrita». Havia este «ciclo lírico», como se anuncia parenteticamente em subtítulo, ganho o «Prémio de Poesia» de 1963 do «Concurso de Manuscritos» do S.N.I..
Identificando as lágrimas com poemas no que estes têm de hipertrofia do sentir (passim) abre-se o macrotexto com um intensíssimo poema de semas próximos da disforia e do insulamento – assim as palavras da confidência poética trazem a morte, o apodrecimento, a amputação e o isolamento onde o choro equivale a «incêndios de água» onde o sujeito lírico destrói a dor. E, no entanto, a composição colaça logo recoloca o tónus poético em ambiência de persistente amor: «Hei de, ainda, andar e andar / E, ao passar no FIM, / Não darei pelo FIM!...» (p. 17).  
Amiúde comovente, este livro de um Rodrigo Emílio nascente contém poemas geniais de contenção, de central enérgica, de poeticidade. Transcrevo, por exemplo, «A asa e a raiz» (p. 20), dedicado ao também importantíssimo poeta José Valle de Figueiredo ( e com que precisão Valle de Figueiredo aqui encaixa!):

Só em Poemas se diz
Porque a Poesia o abrasa
E a sua alma é uma fonte secreta…

(Raiz
Com instantes de Asa,
- O Poeta!)

Derrame sentimental, incontinência verbal emotiva, contenção enérgica, eis algum do travejamento onde participa também um inegável horacianismo. Estoicismo, epicurismo, ataraxia, moral greco-latina, eis algumas outras particularidades que se desprendem de «Desterro azul» (p. 29):

Não falemos. Ouçamos
O silêncio de todo este azul
Que nos envolve. Bebamos
Todo este ouro solar que nos dissolve
E nos bronzeia. Escutemos
As gargalhadas do mar
A brincar com a areia. E brinquemos
Também. Mas sem falar.


Olhando estas ruas da cidade de Viseu, que Rodrigo Emílio tão bem conheceu e calcorreou, é este o silêncio que ouço, que ouço sempre.

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