2015-08-31

[é nas mãos]

[é nas mãos]

era um quarto nas mãos
a cama na palma suave
e a fonte solícita nela.

doce a manhã estendia
os braços e as pernas
rebentando na língua.

em galope o tato a pele
caminhavam nos olhos
eram toda esta sombra.

nesta rua flui o desejo
janela e estação do corpo
nesta linha que me arde.

2015-08-24

[abismos]

[abismos]

uma súbita onda vem à montanha
crescendo como rebentação  do vale
sem anúncio do fundo ao alto o gume
atravessa historicamente as vísceras
cortando nos canais as pontes os nós.

gélidos os líquidos confrontam os ventos
e alojam-se no sangue e noutros mapas
que a anatomia não acha explicativos.

da casa última ágil a água sobe à janela
vertendo-se na mesa assim se escrevendo
no puído da folha na corrupção do dia.


de novo uma derradeira vaga o abismo de tudo.

2015-08-19

[bolor]

[bolor]

até ao absinto as ruas eram lisas
e nem os morcegos dos becos
adentrados na escuridão sabiam
que existiam caminhos negros.
no pulso na torre um relógio
vital ia decantando o tempo
contra as chuvas nas montras
o azebre das fábricas a usura
disso um rito o transido nos lábios
as imagens vindo à pele o sangue
fundo do poço a desfilada do corpo.
torcicolada a pele era um nítido inverno.

2015-08-07

[QUASE DIA]

[QUASE DIA]

era um longo canal que levava à minha cidade
percorria-o uma ténue luz do céu espelhada
como se um caminho fosse direção divina.
aos pés uma armadilha desafiava os calcanhares
e desse contacto restava o azebre nos lábios
o rigor ácido de fim de noite última jornada.
só então um breve pássaro rompia nos olhos
inundando de vida o rumor do dia que chegava
o geodésico sinal dos estilhaços o lugar de ti.

2015-08-04

[REPRESA] olho dentro da chuva a água presa ao ralo borbulhando fundo como corpo no abismo. no visor do telemóvel leio um grito o absurdo de olhar vários números que não mais tocarão. é esse o rol líquido que se afunda aos pés essa fuga para sempre para dentro da terra. quanta dor em nós quanto de vida assim perdida na memória e nesta chuva estival!

[REPRESA]

olho dentro da chuva
a água presa ao ralo
borbulhando fundo
como corpo no abismo.

no visor do telemóvel
leio um grito o absurdo
de olhar vários números
que não mais tocarão.

é esse o rol líquido
que se afunda aos pés
essa fuga para sempre
para dentro da terra.

quanta dor em nós
quanto de vida assim
perdida na memória
e nesta chuva estival!

2015-08-03

[uma ponte o vento]

[uma ponte o vento]

e o vento uma ponte
sob a bicicleta indo
pelo mundo aberto.
nem o sono antigo
a comissura do tempo
roendo dentro de mim.
apenas um corpo alado
no ar de pescoço aberto
rodando no friso pulmonar.
é nesse lugar a morada
aí no tempo roendo a casa
no fosso fundo da língua.