2014-10-21

LUGAR MAIOR: O «JOGO DA CABRA CEGA», DE JOSÉ RÉGIO


LUGAR MAIOR: O JOGO DA CABRA CEGA, DE JOSÉ RÉGIO

O Jogo da cabra cega (1934) de José Régio é um dos maiores romances de sempre e não restrinjo este ato valorativo à literatura portuguesa. Aliás, acho infecundo tratar de literatura como quem trata de pequenos quintais, onde tudo pudesse ser diminuto e incomparável. As obras literárias, as melhores delas, crescem em rizoma e inscrevem-se na pele canónica como marca incindível.
Relembro mesmo a virtuosa admiração que o melhor escoliasta de Régio lhe dedica, e falo de Eugénio Lisboa, dizendo-o em tudo um grande escritor (1993). Não poderia ficar de fora dessa grandiosidade este romance sério e irónico. Mergulhando na atmosfera coimbrã, a intensidade ficcional da obra é tal que chega a ser espantoso que tal criação sobre a interioridade humana e os abismos da escavação interior não conheça mais leitores e mais conversas. Com uma frescura quase única na nossa literatura e em toda ela muito bem posicionado, fruto ainda da mocidade do fabuloso autor da Confissão dum homem religioso e já tão definitivo, este Jogo, não obstante o estreme psicologismo e tom abdicativo, era desde cedo uma das mais estimulantes viagens ficcionais pelas veredas de Deus e do Diabo.
Mário Sacramento diz que o romance regiano é um «dos maiores romances portugueses de todos os tempos» (1966)  e o grande Jorge de Sena di-lo, em 1970, «um dos grandes romances portugueses deste século», e referia-se ao século XX. Muito bem anda Álvaro Salema quando defende que quaisquer parentescos com outros convocam Dostoievski, Proust ou Wilde (1977).
Desde aquele belíssimo incipit «O gosto de vaguear de noite, a horas mortas, era agora o mais querido dos meus prazeres melancólicos» até ao fabuloso e emocionante explicit «A chávena escacou-se no chão de mosaico» estende-se uma urdidura ficcional, de constrito espaço coimbrão, que desvela inenarráveis momentos e uma trágica ironia. E há uma beleza nisso e toda uma diferença que não pode ser esquecida. Jaime Franco e Pedro Serra encravam-se-nos no sangue e abraçam-nos perenemente na ilusão e em metafísicos entreatos arrebatadores. Haverá melhores mundos para além destes?

Viseu, 21 de outubro de 2014

© Martim de Gouveia e Sousa

1 comentário:

Paulo Andrade e Silva disse...

Boa tarde,

Não é propriamente um comentário que pretendo fazer mas não encontrei outro modo de o contactar. A questão é a seguinte: tenho um familiar próximo que possui a revista Ave Azul (1º e 2ª séries, creio) e fui informado recentemente da existência desta 3ª série(?). Pretendia saber se e onde é possvel adquiri-la.
Com os meus cumprimentos
Paulo Andrade Silva
(andradesilva.paulo@gmail.com)