Benedita enterrou muitas agulhas em muitos bonecos. "Raça desgraçada que não merecia viver", ela dizia, sibilando sons de uma boca sem dentes. Olhos postos nas alturas, em busca de um Deus que a compreendia como ninguém.
"Deus que nada, menina! É Satanás que ela invoca a cada furo!", dizia Vera, a cozinheira, benzendo-se, respeitosa. Se era Deus ou o Diabo, eu nunca Soube e de nada adiantaria saber: as agulhas, as linhas e as tesouras, por artes sabe-se lá de quem, descumpriam os desígnios, celestes ou infernais, e em pouco tempo davam cabo do infeliz.
Morte espetada, furada, cortada, amarrada com tal maestria que nem os doutores descobriam a causa. "Seu Osório morreu na noite passada. De nó nas tripas. Amanheceu de olhos esbugalhados, como se tivesse visto o Demo bem na hora de morrer!" disseram as empregadas do prédio ao comentarem a "misteriosa" morte do morador do segundo andar.
O mistério não era assim tão misterioso. Benedita trabalhara na casa de Seu Osório e diziam as más (?) línguas que o homem a despedira sem pagar uma montanha de salários atrasados. "Menos um nesse mundo que não é de Deus nem do Diabo", Benedita comentou, indiferente, ao saber do falecimento. "Indiferença suspeita", Vera afirmou, sabedora do boneco, igualzinho ao falecido, que Benedita espetava todas as noites, no redondo sombrio da meia-noite.
Se a morte se deu pelas agulhas enterradas na hora exata que a Mortíssima aceita a ajuda dos mortais, ou por coincidência despropositada, isso ficou entre Deus, o Diabo, a Mortíssima, e o atestado de óbito : sufocamento acidental; causa desconhecida, óbito ocorrido na zero hora. Exata.
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