2013-09-30
2013-09-27
«Capa» de Manuel Gusmão [excerto]
«os pássaros e as demais coisas
escritas
pela grande aranha
que se baloiça contra
o travejamento tempestuoso desse céu
que se despenha e incendeia
sobre os rios brancos do exílio.»
[Manuel Gusmão. Excerto do poema «Capa», in «Pequeno tratado das figuras», 2013.]
2013-09-23
vêm aos rios, rosa...
partem os melhores quebrando os dias
oblíquos fendem a memória partindo
livres são poesia e liberdade inscrita
desafio conjugado dentro do rito…
quantos dias a vida quantas páginas
o tempo devora no atrito das horas
no fulgor dos sonhos nos ditos
nas declinações do boi da paciência.
serenas todas as margens vêm aos
rios.
2013-09-17
2013-09-16
2013-09-14
[cicatriz]
[Yuri Yarosh]
um escorpião desce ao orvalho morrendo sobre a pele
ardente arrefece na letargia incendiando todos os olhares:
que linha assim declinada desde os cabelos os lábios os seios?
rompente a cicatriz umbilical estremece à garganta vindo.
2013-09-13
Um texto para Aquilino
Um texto para
Aquilino
Despidas como os textos eis as
palavras. De barro feitas, moldando-se ao homem, aos dias, aos sentimentos. Não
nada melhor do que isto. Um mar de escrita, cem anos sobre a mais importante
partida – uma partida sempre por chegar.
Aquilino é também isso – um salto
no tempo, para trás e para a frente, uma erupção constante. Como no poema de Herberto, em Aquilino
a literatura acontece, qual «espuma de sal» que nos bate «alto na cabeça» e nos
outra. A firmeza do escritor está também aí, na firmeza, na incisão funda, no
vezo relacional - e no dito já vai Sebastião
da Gama e Herberto e Steiner. E também Guimarães Rosa e Cardoso Pires e nós
dentro.
Mas poderemos nós falar de Aquilino
e de literatura? Não será a obra de Aquilino a mais bela estátua que o Autor
deixou dentro da pedra? Não será a voz dos homens dispensável em trabalho assim
tão laborioso?
Saramago, em texto
codiciosíssimo, admitiu escrever em direção à pedra, à memória de si, à memória
dos seus, à nossa memória. É este um árduo caminho, uma funda gruta percebida.
Adverte o poeta Rui Baião: «Tende cuidado com a múmia branca do papel».
Aquilino é abismo e redenção, pedra contra pedra fazendo-se estátua de sangue.
«E a vida lá vai… ligeira como
uma galga doida, esparvada», diz o Mestre. Hoje, em Viseu, Aquilino passou a
ser aquilo que era – estátua de sangue em gesto de bronze. Agudos, os signos da
rua Formosa responsabilizam-nos e fazem dos homens persistentes homens bons,
cidadãos atentos à escrita da pedra perene como o bronze sabiamente trabalhado.
Viseu, na noite de 13 de setembro de 2013
Martim de Gouveia e Sousa
2013-09-06
FARPINHAS - CATORZE
[FARPINHAS] – 14
Combativos, peles luzidias e
risos estampados em épocas eleitorais, eis a imagem dos figurinhas. Alguns
nunca tiveram profissão e, em norma, todos se escondem atrás de verborreias,
impropriedades e vanidades. Cultivam desde muito cedo os manuais de retórica de
Lausberg mas leram apenas a alínea dedicada às imagens. Em propriedade, apenas
leram duas escassas linhas, dizendo-se especialistas em retórica. Alguns dizem
ter uma profissão que escassamente exerceram.
Os figurinhas são, pois,
retóricos, metafóricos. O que dizem é sempre outra coisa. O palavreado usado
por eles é consabido: falam de inevitabilidades, união nacional, espiral
recessiva, irrevogabilidades, soluções, confianças, coesões, necessidades e de
outras nulidades. Para eles não existe ideologia, nem estado social – só
cartilhas e rotinas que conduzem ao mesmo do mesmo, sempre.
Os figurinhas eternizam-se,
espraiam-se nestes momentos de escolha. Detentores do poder, nada têm que ver
com a tragédia que representaram, que vão representando. Afogados em estilos,
eles existem e fazem uma triste figura.
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