[“ouves eu”, sinestesia & pontuação: Nave de Âmbar de Porfírio Al Brandão]
Integrando-se em tautologia na coleção “prazeres poéticos”,
esta Nave de Âmbar avança no espaço e
distende-se no tempo, sendo, no passo, lugar sagrado, poético, iniciático.
Afirmando-se
navio residual, é de estilhaços vitais que a viagem se faz, perscrutando-se
espelhos, vitrais e estrelas. É de um tempo antigo que o Poeta fala, de um
espaço contíguo, habitável, quotidianamente interior, restaurando raízes e
frutos memoriais.
Do silêncio vindo, dele sendo, é desse ruído o “navio de
espelhos” de Al Brandão. Repito, do silêncio, dos “cristais da respiração”, do
nome, da nomeação. [poema da p. 7.]
Navegando desde há anos, esta poesia brandoniana mantém-se
visceral, do coração, cordial, funcionando o músculo como o ouriço de Derrida,
abrindo-se e fechando-se, mostrando o dentro e o fora. Na pele e no reverso, na
pele permanece o vulcão de palavras [poema da p. 10], declinando órgãos,
biologias, geografias, bocas e falhas, encontros e desencontros… Rompendo, o
fundo material decapita-se em raros golpes de agramaticalidade – de pontuação, v.g., em boa parte da Nave.
Do corpo sendo a poesia, eis que ele armazena, engaveta e
dissemina como um formidável armário de transcendências simples colhidas na
pétala nox.
Cheio, pleno de trabalhos do olhar e do coração, esta
coletânea é um livro bem e malpassado, com agradáveis ecos al bertianos,
plathianos e cesarianos. Não há morte para este livro [poema da p. 44], que é
uma ardência e fogo admonitório a que aplico, neste fim, o transfigurado passo
do esgar à Cesário Verde: “milady poesia, realmente é perigoso contemplá-la.” A
poesia, um risco, um fogo – esta, a de Porfírio Al Brandão.
Viseu, 6 de agosto de 2016
Martim de Gouveia e Sousa