Onde tudo foi morrendo (1944), de Vergílio Ferreira
Depois de um caminho que se figurava longe, eis que
a morte, tema recorrente em Vergílio Ferreira desde as primícias e irradiante
até ao fim, invade o paratexto titular e explode de sentido – afinal, as mortes
em Vergílio são sempre fundas e alteradoras dos equilíbrios sentimentais,
avultando mortes de pais, mães, gente chegada e animais íntimos (os Tejos, os
Mondegos,…). Perto, como ritos em eco, o absurdo da finitude alastra: “O pai
morreu. João sabe que o pai morreu, porque tudo no mundo morreu e as vozes dos
sinos dobrados enchem todo o mundo.” (p. 2)
E, no fundo, tais mortes, nomeadamente as dos pais
homens, prendem-se com um certo autobiografismo vergiliano, como a presença,
aliás, da diáspora americana (“Se o irmão mais velho voltasse da América… ¿ Mas
o Joaquim volta lá da América…?”, p. 4.). Tais mortes são também cortes relacionais,
afastamentos, arrefecimentos – afinal, a criança que Vergílio Ferreira fora
sentira na pele a marca incisa da dissolução dos nós familiares.
Na disforia da condição humana, em posição
equipolente à da inevitável morte, estão as doenças e correlatos sofrimentos: a
tísica, por exemplo, devastadora de gentes e de sonhos. Tal devastação afasta a
fé e a crença, levando as personagens ao isolamento que é insulamento. Sós, uma
dura espera a todos instiga: “João não reza. Tinha rezado para que o pai não
morresse. E o pai morreu. ¿Para quê, rezar?” (p. 101).
Uma outra morte era a morte na vida, a pobreza que
levava à tragédia e ao sem remédio: “Mas agora começava a compreender que, lá
na aldeia, aqueles homens negros, aquelas mulheres sujas, ressequidas, de seios
achocalhados, tinham todos, mais ou menos, uma tragédia escondida, que, à luz
do sol, se apagava ou mal se poderia perceber.” (p. 105)
E assim a vida é um curso onde tudo vai morrendo.
Viseu, 11 de março de 2016
Martim de Gouveia e Sousa
1 comentário:
Excelente (triste e verdadeira) reflexão...
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