2014-04-15

LIMIARES DA ESCRITA - «Matinas» (1907) de Branca de Gonta Colaço


 LIMIARES DA ESCRITA - «Matinas» (1907) de Branca de Gonta Colaço

Despertam estas «Matinas» (1907) de Branca de Gonta Colaço uma clara expetativa literária. Ao tempo, não eram muitas as mulheres que enfrentavam assim o sortilégio dos prelos e das publicações. Serve a intitulação para nos conduzir a um horizonte de expetativa sobre uma carreira então ainda apenas nascente.
Pagando desde logo o tributo devido a seu pai – o célebre escritor Tomás Ribeiro -, porque a tanto se obriga quem integra uma linhagem de intelectuais, é esse poema inicial sob a forma de dedicatória lírica que cava desde logo uma bela psicologia e um nobre caráter: «Que eu não herdei teu génio nem teu jeito, / mas estas rimas diz-mas a meiguice / do teu amor, que eu sinto no meu peito!». Assim se apresentava Branca de Gonta Colaço nesse já distante ano de 1907.
A escritora, nascida em Lisboa em 8 de julho de 1880, filha, como se disse, do autor de «D. Jaime» e de mãe inglesa (a poetisa Ann Charlotte Syder), veio a casar, muito jovem ainda, em 1898, com o artista plástico Jorge Rey Colaço, acabando por falecer na capital, em 22 de março de 1945, depois de uma vida intelectual produtiva e multiforme como poetisa, dramaturga e conferencista, por exemplo.
De nome completo Branca Eva de Gonta Syder Ribeiro Colaço é justo destacar-se a integração no nome da escritora de parte do topónimo natal de seu pai: aquele ‘de Gonta’ refere-se a Parada de Gonta, local tão da nossa circunstância.
E é do fascínio do lugar que se levanta esta memória dentro da crónica. Afinal, os lugares são palcos de transmissão, de emoção transferida. «Meu pai!», diz a poetisa no poema inicial das suas primícias literárias, «Do meu sentir, minha ternura, / fiz estes versos que em raminho escasso / venho depor na tua sepultura».
Obra do início e início ainda de um caminho cultural, estas «Matinas» abraçam o verso de Musset que diz ser este livro toda a juventude da escritora. Assim é, de facto, e já reflexão poética de emoções onde se destacam a saudade, o sofrimento e o esquecimento. Não espanta ainda a submissão de uma das partições poéticas à voz autoritária de Tomás Ribeiro – tal era o tributo do sangue… -, voltando ainda sob forma epigráfica.
«Qual é o corpo sem órgãos de um livro?», perguntam-se perguntando-nos Gilles Deleuze e Felix Guattari em «Rizoma». Organicamente, a poesia nascente de Branca de Gonta Colaço é já uma completude que se desfibra até à fímbria mais íntima da emoção e da portugalidade:
«se num momento, em águas de veludo,
meu sangue rubro parecesse o escudo
dessa Bandeira Portuguesa enorme!»

 Perpendicularmente, dos pés à raiz da alma, as margens do sonho são roídas despudoradamente. Até quando?                                                                                       [Correio Beirão, nº 11.]

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