LIMIARES DA ESCRITA - «Matinas» (1907) de
Branca de Gonta Colaço
Despertam estas «Matinas» (1907) de
Branca de Gonta Colaço uma clara expetativa literária. Ao tempo, não eram
muitas as mulheres que enfrentavam assim o sortilégio dos prelos e das publicações.
Serve a intitulação para nos conduzir a um horizonte de expetativa sobre uma
carreira então ainda apenas nascente.
Pagando desde logo o tributo devido a
seu pai – o célebre escritor Tomás Ribeiro -, porque a tanto se obriga quem
integra uma linhagem de intelectuais, é esse poema inicial sob a forma de
dedicatória lírica que cava desde logo uma bela psicologia e um nobre caráter:
«Que eu não herdei teu génio nem teu jeito, / mas estas rimas diz-mas a
meiguice / do teu amor, que eu sinto no meu peito!». Assim se apresentava
Branca de Gonta Colaço nesse já distante ano de 1907.
A escritora, nascida em Lisboa em 8 de
julho de 1880, filha, como se disse, do autor de «D. Jaime» e de mãe inglesa (a
poetisa Ann Charlotte Syder), veio a
casar, muito jovem ainda, em 1898, com o artista plástico Jorge Rey Colaço,
acabando por falecer na capital, em 22 de março de 1945, depois de uma vida
intelectual produtiva e multiforme como poetisa, dramaturga e conferencista,
por exemplo.
De nome
completo Branca Eva de Gonta Syder Ribeiro Colaço é justo destacar-se a
integração no nome da escritora de parte do topónimo natal de seu pai: aquele
‘de Gonta’ refere-se a Parada de Gonta, local tão da nossa circunstância.
E é do
fascínio do lugar que se levanta esta memória dentro da crónica. Afinal, os
lugares são palcos de transmissão, de emoção transferida. «Meu pai!», diz a
poetisa no poema inicial das suas primícias literárias, «Do meu sentir, minha
ternura, / fiz estes versos que em raminho escasso / venho depor na tua
sepultura».
Obra do
início e início ainda de um caminho cultural, estas «Matinas» abraçam o verso
de Musset que diz ser este livro toda a juventude da escritora. Assim é, de
facto, e já reflexão poética de emoções onde se destacam a saudade, o
sofrimento e o esquecimento. Não espanta ainda a submissão de uma das partições
poéticas à voz autoritária de Tomás Ribeiro – tal era o tributo do sangue… -,
voltando ainda sob forma epigráfica.
«Qual é o
corpo sem órgãos de um livro?», perguntam-se perguntando-nos Gilles Deleuze e
Felix Guattari em «Rizoma». Organicamente, a poesia nascente de Branca de Gonta
Colaço é já uma completude que se desfibra até à fímbria mais íntima da emoção
e da portugalidade:
«se num momento, em águas de veludo,
meu sangue rubro parecesse o escudo
dessa Bandeira Portuguesa enorme!»
Perpendicularmente, dos pés à raiz da alma, as
margens do sonho são roídas despudoradamente. Até quando? [Correio Beirão, nº 11.]
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